sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Águas de janeiro

Cesar Vanucci *

“A ocupação irregular não é exceção, é regra.”
(Presidenta Dilma Roussef)

Vai ter que ser assim por todo sempre?
A chegada das chuvas de verão ou dos aguaceiros de qualquer outra estação terá que ficar atrelada fatalisticamente a catástrofes? Mostra-se claro, a esta altura, que a rotina das tragédias com hora certa para acontecer representa um desafio doloroso, dos maiores impostos à Nação. Desafio de tal magnitude aponta a necessidade imperiosa de uma junção bem concatenada das forças vivas da sociedade de maneira a que se possa enfrentá-lo com boas possibilidades de êxito. A expectativa geral é de que nossas lideranças comunitárias, políticas em primeiro lugar, se compenetrem de suas indeclináveis responsabilidades face à tormentosa questão. Saibam usar apropriadamente os recursos adjudicados ao seu poder decisório para congregar, a começar pelos melhores cérebros tecnológicos em planejamento urbano e social, todos os setores produtivos da sociedade em programas arrojados capazes de reduzirem acentuadamente os impactos negativos de toda ordem desses eventos, quebrando essa sequência previsível de ocorrências tétricas.

A idéia antecede a palavra e a palavra antecede a ação, lembra Chesterton. Tempos são chegados de uma mudança em regra no enredo. Sair rápido do discurso demagógico, ou até (apenas) bem intencionado, das ações pontuais de alcance limitado e duvidoso. Partir logo para o planejamento consistente que conduza a empreitadas bem sucedidas.

A idéia de um projeto bem articulado, ou de projetos articulados, com participação dos melhores especialistas em políticas urbanas, é o ponto de partida do hercúleo trabalho a ser promovido. Seguir-se-á, ao depois, a palavra firme e segura de esclarecimento, de orientação geral. Palavra definidora, aglutinadora. E, por último, as ações a serem desfechadas a curto, médio e longo prazos. Executadas de forma bastante ágil, como as circunstâncias exigem, para que os resultados almejados sejam devidamente atendidos.

Foram, na verdade, décadas de omissões acumuladas. Os desacertos não podem ser debitados exclusivamente aos gestores públicos, conquanto se lhes possa atribuir quinhão considerável de responsabilidade com relação à problemática. Os habituais cenários de devastação das temporadas de chuva sinalizam um somatório de erros que envolve muita gente.

“A ocupação irregular no Brasil não é exceção, é regra”, constata a Presidenta Dilma Roussef. S.Exa. está coberta de razão. Por que a exceção “assumiu” o lugar da regra? Por que, pra ficar num exemplo emblemático, as perigosas encostas se tornaram lugares disputados para habitações de ricos e de pobres? Perguntas como essas suscitam avalanche de respostas. Algumas delas: o Estado, repita-se, tem falhado clamorosamente em suas políticas de uso e ocupação do solo. A burocracia empedernida não liga a mínima aos alertas técnicos e ambientalistas. As gavetas empoeiradas de algumas modorrentas repartições costumam ser o inapelável destino de estudos e relatórios relevantes elaborados por especialistas sugerindo providências acauteladoras quanto às ameaças periódicas dessas avassaladoras torrentes de lama, detritos e entulhos que sacrificam vidas e bens preciosos. A especulação imobiliária desenfreada, implicando sempre em alianças espúrias contrapostas ao interesse coletivo, é fator impeditivo poderoso na tomada das decisões apropriadas. A proteção das áreas circundantes a mananciais e o desassoreamento dos cursos fluviais frequentam mais os palanques retóricos do que os canteiros de obras. Outro elemento perturbador é a indiferença quase generalizada quanto aos rumos das coisas por parte de segmentos amplos da comunidade. Quem se dá ao trabalho de observar o entulho trazido pelas enxurradas assassinas, depara-se com revelações constrangedoras. Hábitos pessoais nocivos, no descarte de objetos, utensílios e outros materiais sem serventia, praticados em alta escala nas concentrações urbanas, contribuem fortemente para que a vazão de água e detritos assuma essa indesejável configuração de tsunami. O represamento a torto e a direito, sobretudo nas grandes aglomerações urbanas, de tudo quanto é fluxo de água existente nas áreas, somado às grossas camadas de asfalto, sinônimo de modernidade, que impedem a absorção da água da chuva no solo são outros vilões a apontar nessa história dolorosa das torrentes de lama.

O Sistema Nacional de Alerta e Prevenção de Desastres Naturais que vem de ser anunciado, abrangendo a reestruturação da Defesa Civil em todo o território brasileiro, pode significar começo de conversa auspicioso no refazimento de rumos nesse aflitivo capítulo da gestão administrativa pública. O trabalho a ser executado, a partir desse lance inaugural, é complexo e demanda tempo. Exigirá muito entrosamento entre ministérios e governos (em todos os níveis) e poderosa mobilização comunitária. O êxito ficará na dependência de se armar uma sólida conjugação de vontades à volta do tema. Essa sincronia pode ser perfeitamente alcançada com o reconhecimento de que as calamidades derivadas da utilização desordenada do solo colocam-nos, a todos, em permanente risco e constituem, justamente por isso, um problema a ser compartilhado por todo mundo.

* Jornalista (cantonius@click21.com.br)

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