Cesar Vanucci *
“A pátria é o idioma. E só no idioma pátrio
a gente pode pensar e dizer besteira.”
(Monteiro Lobato)
Os vinte e cinco leitores habituais destas maltraçadas costumam acolher com simpatia, compreensão e reconfortante apoio, as manifestações reiteradas de nosso inconformismo face à despudorada ofensiva, patrocinada pela basbaquice reinante, dos indigestos vocábulos estrangeiros que infestam, em circunstâncias as mais variadas, a cena cotidiana brasileira. Boa parte dos casos aportados em comentários produzidos no curso de vários anos, sobre a epidemia abobalhada de estrangeirice que nos assola, tem sido por eles próprios trazida. Caso sem tirar nem por dos relatos vindos a seguir.
Naquela cidade interiorana, festejou-se com invulgar entusiasmo a contratação, pelo clube local, de experiente técnico de futebol, cujo currículo anotava passagens pelo exterior. O clima de euforia chegou às grimpas: rojões, faixas, banda de música, volantes com som estridente, comes e bebes. Mais bebes, pra dizer a verdade, do que comes. Na hora da discursama, a badalação, por essa óbvia razão, correu solta. O recém-chegado, tantos os seus méritos, chegou a ser comparado ao fundador e ao padroeiro do lugar. O presidente, o cronista, até o pároco, revirando pelo avesso a paixão clubística, crivaram o dito cujo de todas as louvações disponíveis no estoque. O que não impediu, poucos meses transcorridos, acumulados três ou quatro insucessos sucessivos nos gramados, cumprindo a inapelável sina da categoria, fosse o treineiro convidado, sem cerimônia nenhuma, a tirar o time.
Embargado pela forte emoção, como fez questão de registrar, o técnico deitou na chegada falação caprichada. Tascou frases em portunhol, deixou cair outras num inglês “moroless”, escandindo as sílabas a cada vez que pronunciava coisas do tipo “full time”, “feeling”, “inside”, “feedback”. Esta última expressão, por sinal, foi utilizada por ele doze vezes. Em meio à ovação que se seguiu, pipocou na platéia o abalizado comentário de um personagem especial, decano do Conselho de beneméritos do clube: “– Tou pondo fé nesse caboclo. Homem douto, competente. Diz troço danado de bacana. Só discordo num ponto. Essa de lançar o Fio de beque, assim meio de repente, não é uma boa ainda. Fio é um menino que promete, mas ainda num tem a tarimba necessária pra assumir a posição...”
Outra historieta. O deputado mandou um convite a respeitado cabo eleitoral do interior. Tratava-se de coronel detentor de votos decisivos, num território conservado, anos a fio, sob férreo comando. Homem de impulsos fortes, amizades e inimizades definitivas. Cara resoluto, com relacionamentos pautados por lema emblemático: “Amigo meu num tem defeito. Inimigo, se num tem, eu boto...” O convite, para uma série de eventos festivos
na capital, tocou fundo a emoção do convidado. Junto com o impresso colorido, em papel couchê, — “cheio de nove hora”, na classificação do próprio coronel —, chegou carta de próprio punho do deputado. “Isso num é coisa para deixar de comparecer. Só se for pra mandar no lugar atestado de óbito”, comentou. Uma coisa, no entanto, intrigou bastante o coronel, fomentando caraminholas em sua cuca. “O convite tá bem ajeitado”. O que não “tá dando pra entender direito” é o tal de “brunch”, pensou, sem dizer a ninguém. Jamais lera ou ouvira antes aquela palavra esquisita. Mas não se deu por achado em sua cortante curiosidade. Quem comanda gente — o coronel é dos que acreditam piamente nisso — tem que aprender a só fazer perguntas medidas e pesadas e a dar respostas certas para os outros. Ficou aguardando com paciência de Jó a hora de descobrir o que seria esse tal de “brunch”. Danou a acumular besteira na cachola. Na ante-véspera da celebração disparou telefonema para o companheiro deputado. Rodeou o quanto pôde o toco, com colocações de somenos, até conseguir encaixar no papo a pergunta engatilhadinha na ponta da língua: “—E esse negocio do brunche, tá nos conformes?”. O interlocutor, sem morar, obviamente, na ansiedade do coronel, garantiu: “— Está tudo muito bem estruturado. Vai ser um “brunch” e tanto! Como jamais se viu por aqui!...” O coronel, não suportando o sufoco, voltou à carga: “–Me explica aí, compadre. Vosmicê já arranjou o tanto suficiente de muié-dama pro brunche, ou carece d’eu ter que arrancá c’umas raparigas daqui?...”.
Ora, veja, pois...
* Jornalista (cantonius@click21.com.br)
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