sexta-feira, 4 de março de 2011

Anseios ardentes




Cesar Vanucci *

“Sem essa de ditadura melhor
ou de ditadura pior. Nenhuma ditadura presta.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)

Os anseios dos autênticos democratas no mundo inteiro, tão ardentes quanto as areias do interminável deserto do Saara, são no sentido de que a misericórdia de Alá poupe o povo egípcio da praga de uma nova ditadura. As ameaças de que algo tão insano possa vir a ocorrer não devem ser descartadas assim sem mais nem menos. O clamor libertário que invadiu as ruas e continua a sacudir as estruturas feudais do mundo árabe corre algum risco de se ver, de repente, sufocado pela voragem de acontecimentos situados à deriva da vontade majoritária das populações inconformadas.

A sociedade egípcia sempre viveu sob a guante do despotismo. O regime que se sucedeu à monarquia caquética do rei Farouk assumiu, de princípio, posições nacionalistas que insuflaram o orgulho árabe. Mas não abriu mão, em instante algum, de conservar sob severo controle todo tipo de manifestação da sociedade, reprimindo com virulência protestos e discordâncias. O autoritarismo de Nasser foi absorvido como legado valioso por Sadat e, depois, transferido a Mubarak. A Junta que hoje detém o comando do país representa o poderoso braço militar que garantiu, ao longo (e bota longo nisso) de todo esse tempo, a sustentação do sistema repudiado nessa avalancha de insatisfação popular.

Muitos analistas alimentam, à vista disso, temores de que as promessas de mudanças não se concretizem de imediato, como desejado. O anúncio de algumas reformas sem se avançar na essência dos problemas poderia ser feito com o maroto propósito de não se fazer reforma fundamental alguma. O que acabaria subsistindo, nessa hipotética amarga alternativa, seria apenas uma mera troca de guarda, com os detentores do poder esmerando-se em arranjar denominação diversa, nos atos praticados, para procedimentos detestáveis herdados dos antecessores.

Outra ameaça potencial que os democratas temem, na heróica luta movimentada com fervor e pureza de intenções por parcelas majoritárias da sociedade egípcia, consiste no apetite voraz pela conquista do poder que embala grupos fundamentalistas radicais islâmicos. Esses grupos integram a frente popular que clama nas praças públicas pelas reformas. A visão retrograda que os membros desses segmentos fanatizados têm das coisas do mundo acena fatalmente com o advento de uma era trevosa, caso se viabilizasse a hipótese, altamente indesejável, de conseguirem galgar, por alguma distorção do processo em marcha, o comando político do país.

As avaliações que se tem do perturbador contexto político egípcio se encaixam também na realidade política vivida pelos demais países do convulsionado mundo árabe. A expectativa dos amantes da paz e dos adeptos da causa democrática é de que o movimento mudancista, de características genuinamente populares, que tomou as ruas árabes saiba impor suas regras e emergir amplamente vitorioso dos debates ora  travados a respeito dos rumos a serem trilhados. E que deixe claramente explicitada sua vigorosa postura, antagônica a qualquer manifestação de tendência totalitária que pinte no pedaço.

Das grandes potências o que se aguarda é que se abstenham do frenético afã de garantir alianças de duvidosa eficácia em suas estratégias geopolíticas. Que quebrem a regra de estimular ações que se interponham ao andamento normal do processo de formação das estruturas democráticas almejadas pela maioria. Uma lição que precisa ser aprendida vez por todas: firmar acordos com governos legitimamente constituídos é o melhor meio de se preservar a paz e de se trabalhar pelo bem estar humano.

* Jornalista (cantonius@click21.com.br)

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