Por essa ninguém esperava
Cesar Vanucci *
“É preciso espantar-se de tudo e não ter medo de nada.”
(Sandor Torok)
Se a intensidade do espanto provocado por alguma coisa inusitada pudesse ganhar sonoridade, o rebombar ensurdecedor de trovões de uma madrugada tempestuosa inteira serviria para configurar, por certo, o barulho mais próximo que consigo conceber pra explicar a reação que tive ao me inteirar dos números reais da dívida oficial acumulada do Estado de Minas Gerais.
Para mim, bem como para várias pessoas que me dei ao trabalho de consultar, o apregoado “choque de gestão” com “déficit zero”, cantado em verso e prosa numa orquestração marqueteira ininterrupta, retratava fielmente, sem margem a contestações, a real situação do endividamento do Estado. Nunca poderia passar pelo meu bestunto a idéia de que fossem meras expressões de cunho retórico sem comprometimento com a verdade cristalina dos fatos.
Quando, agora, por força de recente avaliação procedida por auditores altamente confiáveis, chega-se à desconcertante constatação de que a dívida de Minas alcança, na hora presente, a colossal soma de 67 bilhões de reais, situando-se bem acima do orçamento estadual para o exercício em curso, confesso, humildemente, que a revelação só não me fez cair do cavalo, porque não cultivo mesmo o saudável e invejável hábito de cavalgar de alguns diletos amigos e parentes considerados expertos nessa arte.
E se é possível, depois de tal constatação adicionar ainda mais espanto à reação do cidadão comum no tocante à rumorosa questão, aqui vem outra informação de queimar a mufa. A dívida de 67 bilhões, segundo especialistas e gente do próprio governo, é simplesmente impagável.
Falando sinceramente, dá pra dormir sossegado com uma barulheira desse tamanho, com uma encrenca dessas proporções?
Só pra fins de comparação: 67 bilhões de reais correspondem a 42,5 bilhões de dólares. O PIB do Uruguai e da Guatemala é de 40 bilhões de dólares. O do Panamá, de 24 bilhões de dólares. Bolívia e Paraguai 17. El Salvador, 21. Chile, 163. Portugal, 227. Colômbia, 230. Argentina, 308.
Por essa, palavra, ninguém esperava.
Todo mundo anda torcendo para que a Presidenta Dilma Roussef avance um pouco mais no desfazimento de algumas alianças inconvenientes. No ver de amplos setores da opinião pública, que se revela simpática às ações do Governo, a relação de elementos não qualificados nas altas esferas gerenciais, candidatos em potencial a percorrerem o mesmo caminho dos servidores defenestrados no Ministério dos Transportes, carece ser ampliada. Quem não serve para servir com espírito público não serve para ficar em funções de comando, esta a indefectível regra da gestão republicana e democrática a que todos os exercentes de função relevante têm que se render.
O ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, em entrevista a “CartaCapital”, reaviva tese sustentada pelo saudoso Vice José Alencar. “Os juros – diz ele – se desviam dos padrões mundiais de forma terrível. As empresas estão mais preocupadas com o resultado não operacional do que com o operacional. Se não são elas que emitem dívida, há algum emissor de dívida na sociedade. E é o setor público, de um lado, e as famílias que estão aí pagando prestações.” Lessa teme que o aperto monetário, em sequência a um ano de alto crescimento do PIB, seria a prova de que o País ainda esteja fadado a dar “voos de galinha”.
* Jornalista(cantonius@click21.com.br)
Dois temas momentosos
“São cruéis e irreparáveis os danos causados
por jornalistas que renegam sua bela missão.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)
Que história mais escabrosa, minha Nossa Senhora d’Abadia D’água Suja, essa do jornal inglês “News of the world”! Com 168 anos de circulação e tiragem superior a 2 milhões de exemplares, o famoso semanário vê-se, de repente, forçado a interromper suas atividades diante do clamor popular erguido contra as malvadezas incessantes que andava perpetrando, alvejando pessoas, instituições e a harmonia comunitária. Estarrecida, a opinião pública britânica deu-se conta, num determinado momento, de que o periódico sensacionalista, integrante do maior império midiático planetário (a “News Corp”), pertencente ao célebre magnata australiano Rupert Murdoch, dono também, entre outros veículos, da Fox News, vinha praticando, não é de hoje, em frenética disputa por informações de “primeira mão”, toda sorte de ignomínias contra a cidadania, sem excluir chantagem e subornos.
Envolvido, na mais atordoante escala, em grampeamentos telefônicos, valendo-se nessas mafiosas operações do prestimoso concurso de “arapongas” recrutados na “banda podre” da polícia, o jornal invadiu a intimidade de cidadãos de todas as categorias. De autoridades e celebridades à gente comum. Tudo com propósitos os mais torpes.
Ao sair definitivamente de circulação, com uma carga respeitável de processos judiciais na cacunda, o “News of the World” entra estridentemente nos registros históricos desta nossa conturbada época, com toda a força de sua longevidade e penetração, como o exemplo mais frisante, mais nefasto, provavelmente de todos os tempos, do chamado “jornalismo marrom”.
Houve, na França, quem classificasse o incidente protagonizado por Strauss-Kahn, ex-diretor do FMI, de uma espiral de horror e calúnia. Se a alegação, formulada obviamente por pessoas que crêem em sua inocência quanto à acusação de violência sexual, é correta ninguém saberá dizer com certeza. Mas que paira algo nebuloso, pra não dizer muito estranho, ao redor das denúncias de que foi alvo o ex-candidato (conforme os rumos que venham a ser trilhados daqui pra frente pela carruagem, talvez até, ainda, futuro candidato) da oposição à Presidência da França, ninguém em sã consciência, a esta altura, pode negar. A reviravolta na reação da Justiça estadunidense dá margem ampla para imaginar-se que houve, no mínimo, um açodamento grande na incriminação do personagem. Decorrente, bem provável, da função de realce por ele ocupada no cenário político e no mundo dos negócios internacionais. E até mesmo a hipótese de uma armação com o intuito de torpedear sua eventual candidatura ao governo de Paris não pode ser de todo descartada.
Caso é que a argumentação da camareira que se apresentou como vítima da agressão começa a ser desfeita com a divulgação de lances negativos de sua vida pessoal. Entre outros, indícios de envolvimento com mafiosos ligados ao comércio de drogas e a extorsões.
Um dado assaz intrigante veio a lume quando da quebra da fiança e da ordem de libertação expedida pela Justiça. Uma conversa telefônica da camareira com alguém identificado como seu amante, no próprio dia em que a ocorrência criminosa foi registrada, teria convencido a promotoria de que a suposta vítima faltou com a verdade na versão que ofereceu dos acontecimentos. A revelação faz brotar inevitável pergunta: se havia grampeamento telefônico desde o primeiro momento do rumoroso incidente, o esquema de arapongagem eletrônica foi montado por quem, por ordem de quem e com que finalidade? Mais: esse curioso monitoramento terá contemplado também os contatos telefônicos do candidato em potencial ao governo da França durante sua permanência no hotel de luxo em Nova Iorque ?
Taí uma história fadada a render ainda outros imprevisíveis desdobramentos. Esperar pra ver.
* Jornalista(cantonius@click21.com.br)
Bolsa e Petrobras de novo
“A Petrobras galgou 20 posições na
relação das maiores empresas do mundo.”
(Revista “Fortune”)
Já falei algo a respeito pratrazmente. Reforço os argumentos expendidos com mais outras elucidativas revelações. Não consulta definitivamente o bom senso, não resiste a uma análise crítica exigente, face aos excepcionais resultados acumulados pela empresa, o sofrível desempenho dos papéis da Petrobras na Ibovespa. Uma única explicação se afigura razoável para o caso: os negócios na Bolsa são balizados, em boa parte, por conveniências especulativas. Aos especuladores de alto coturno parece não agradar a condição jurídica da vitoriosa estatal petrolífera.
Como já disse, essa impressão é de molde a gerar uma certa suspeição, por parte do cidadão comum, com referência às chamadas atividades bursáteis, delas afastando contingente expressivo de investidores em potencial.
Falei acima de outras revelações elucidativas concernentes à performance da Petrobras. Chegada a hora de mencioná-las. A estatal voltou a ser apontada, na tradicional lista das 500 maiores do mundo, elaborada pela revista “Fortune”, como a maior empresa brasileira. Entre 2009 e 2010, com faturamento de quase 190 bilhões de reais e lucro de 23 bilhões, a companhia escalou 20 posições – repita-se, 20 posições – na relação geral. Pulou do 54º lugar para a 34ª posição. Na liderança das 500 empresas figura a maior rede varejista do universo: a Walmart. Vejam mais este dado: caso a listagem houvesse sido elaborada com base nos lucros (e não no faturamento) auferidos pelas empresas, a Petrobras subiria para o oitavo lugar, ultrapassando a própria Walmart, que desceria para a 13ª colocação.
Qual a razão de na Bolsa de Valores essa esplêndida performance da Petrobras nunca ser devidamente projetada?
Nada, a princípio, contra as chamadas PPPs. A junção de forças Estado – Iniciativa Privada em torno de determinados empreendimentos de relevância comunitária é uma fórmula que pode, perfeitamente, ser colocada em execução e redundar em frutos compensadores na escalada desenvolvimentista. Mas, por favor, sem essa – conforme o alerta que vem sendo feito por respeitáveis lideranças da sociedade, apoderadas de compreensível indignação a propósito de certas tratativas em andamento – de se procurar compor parcerias na base marota da estatização do investimento e da privatização do lucro. Algo assim agride virulentamente o respeitável interesse público. Tende mais pra maracutaia do que pra negócio a ser encarado com seriedade.
* Jornalista (cantonius@click21.com.br)
Nenhum comentário:
Postar um comentário