sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A mídia não deu destaque

Cesar Vanucci *

“Tudo que nos parece estranho, condenamo-lo.”
(Montaigne)

Quem se der ao trabalho de acompanhar as análises de alguns do mais festejados comentaristas das mídias eletrônica e impressa a respeito da conjuntura socioeconômica brasileira ficará inteirado, com abundância de dados e números, que a situação não anda nada boa. É péssima, terrível, abacadabrante, como costumava dizer o primo rico (Paulo Gracindo), no saboroso quadro radiofônico/televisivo de tempos atrás, ao primo pobre (Brandão Filho).

A idéia que a erudita avaliação invariavelmente passa é de que o País vive sempre na pior. À beira do precipício. As análises costumam enveredar para comparações com países que o douto pessoal aponta como bem sucedidos em suas políticas desenvolvimentistas. Eles, os estrangeiros – argumenta-se com indisfarçável pedantismo - é que sabem das coisas. Conhecem de cor e salteado as saídas pras crises, a solucionática para a problemática, de que nos falava mestre Dario. Mais preparados, mais criativos, mais tudo, conseguem botar em prática políticas eficientes, que não podem deixar de ser louvadas como exemplos a serem seguidos, sem vacilações, em lugares e por gente menos aquinhoados de qualificações na gestão das coisas que fazem o mundo avançar.

Essa cantilena derrotista enervante não esmorece nem diante de constatações ululantemente óbvias que esses comentaristas por dever de oficio estariam na obrigação de divulgar. Caso, por exemplo, de recente relatório econômico elaborado por um organismo internacional insuspeitissimo por mil e um motivos. Dos quais motivos para o bem informado e arguto leitor não haverá necessidade de se mencionar um único que seja. No referido relatório, essa instituição, o FMI (Fundo Monetário Internacional), mostra a evolução do endividamento, país por país, ao longo de 11 anos, começando por 2000, indicando o percentual de comprometimento do Produto Interno Bruto diante da Dívida Bruta de cada um deles, o Brasil no meio. A matemática retratada é bastante reveladora. A melhor performance, disparada, nesse capítulo de avaliação das políticas econômicas em curso nos países listados, pertence justamente ao Brasil.

Anotem ai, por favor, os números. O grau de endividamento do Japão em relação ao PIB já era sumamente desfavorável em 2000: 142,7%. Mas pulou, agora, ameaçadoramente, em 2011, para 229,1%. Nos Estados Unidos, o comprometimento do PIB com as dívidas acumuladas saltou em 11 anos de 54,8% para 99,5%. Na França, os números apurados foram esses: 57,3% no ano 2000, 87,6% em 2011. Alemanha: 59,7% - 80,1%. A variação para mais no Canadá foi menor do que a de outros países da lista dos mais desenvolvidos economicamente: 82,1% em 2000 e 84,2% em 2011. A Itália, com endividamento que já havia transposto o valor do PIB no começo da década passada, ampliou consideravelmente suas perspectivas de risco. Saiu de 109,2% em 2000, para 116,1% em 2009, 119,0% em 2010, chegando a 120,3% em 2011.

Antes de declinar os índices brasileiros, vamos reproduzir, para fins de ilustração, o que anda acontecendo com países que estão sendo na atualidade alvo de atenção especial, à vista de seu elevado grau de endividamento, por parte da Comunidade Européia. A Grécia, já em 2000, ostentava números preocupantes: 103,4%. De 2006 em diante, a situação só fez piorar: 106,6% nesse ano, 105,1% em 2007; 110,3% em 2008; 126,8% em 2009; 142% em 2010, e, agora, em 2011, nessa fase de conturbação que exigiu intervenções drásticas, 152,3%. Portugal é outro país que está a percorrer itinerário crítico. O índice de endividamento face ao PIB era de 48,5% em 2000. Num crescendo contínuo, chegou em 2011, a 90,6%.

Chega a vez de mostrar o desempenho do Brasil. O índice de 66,7% do ano 2000 sofreu variações para mais entre 2001 e 2005. Manteve-se praticamente estável daí em diante, caindo em 2010 (66,15) e 2011 (65,7%). De todos os países aqui citados, o Brasil foi o único a celebrar uma situação auspiciosamente declinante, nesses índices, segundo avaliação do FMI.

Algo assim é de molde a trazer gáudio pra todos nós, brasileiros. Mas a mídia, sobretudo no espaço ocupado pelos comentaristas econômicos mais festejados, não dá pelota para a revelação. Estranhável pacas!



Sem essa de mexer no queijo


“Mais respeito com o queijo Minas.
Ele é patrimônio cultural da Nação.”
(Deputado Adelmo Leão)


A Assembléia Legislativa de Minas, por iniciativa do deputado Adelmo Leão, promoveu uma audiência pública com o objetivo de estudar medidas eficazes no sentido de proteger a produção do queijo artesanal mineiro, no momento presente ameaçada como nunca em virtude de equívocos sem conta praticados em nome de questionáveis cuidados sanitários.

Agindo de forma desabrida e desrespeitosa, algumas autoridades, em diferentes pontos do Estado, vêm movendo uma guerra sem quartel, verdadeira “caça às bruxas”, ao queijo artesanal, com apreensões espalhafatosas, acompanhadas da destruição do produto recolhido e “enquadramento nos devidos conformes” dos produtores. Assinale-se de passagem, pequenos produtores engajados em árdua luta pela sobrevivência. Tudo isso – voltamos a lembrar - em nome de uma forma controversa de expressar preocupação com a saúde pública.

O queijo de que se está a falar é esse mesmo que o leitor costuma adquirir sempre que comparece a mercados e feiras. É esse mesmo que, antes de nós, nossos pais e, antes deles, nossos avós e bisavós, se habituaram a colocar, como alimento nutritivo de primeira ordem, degustado sempre com indizível prazer, em nossas mesas de refeições. Um item alimentício que adquiriu justificável fama nacional e internacional e que acabou virando patrimônio cultural da Nação. Pois é isso: como comprovam desoladoramente numerosos episódios, um punhado de viventes lançou-se com decidido empenho na inglória tarefa de acabar com o queijo mineiro. Os caras procuram obcecadamente por meios variados, satanizá-lo. “Descobrem”, toda hora, no processo de sua fabricação centenária, irregularidades e inconveniências que “recomendam” seja, pra todo sempre, amém, expurgado das prateleiras. Querem por que querem, sabe-se lá porque cargas d’água, desfazer as queijarias espalhadas por milhares de sítios e fazendas. Queijarias essas que asseguram, como sabido, fonte de renda nada desprezável a milhares de agricultores familiares.

A audiência pública na Assembléia colocou a dramática realidade em clamorosa evidência. Serviu para estimular reações propositivas que, introduzindo razoável dosagem de bom senso nos debates, são de molde a orientar reavaliação das posições extremadas e insensatas que vêm atazanando a vida de tanta gente.

Uma cena inacreditável e, de certo modo, hilária vivida no referido encontro aconteceu quando o representante de determinado órgão governamental, dominado por embriagadora autossuficiência, escandindo as palavras como se a mostrar superioridade inconteste sobre a patuléia ignara no domínio da matéria tratada, asseverou com todas as letras, sem se corar, que o queijo artesanal mineiro concorre para a elevação dos índices de contaminação da tuberculose, ora, ora, ora...

Foi pena que o burocrata em causa não pudesse permanecer até o final da sessão mode ouvir o pronunciamento do deputado Adelmo Leão. Colocando os pingos nos iis, debaixo de aplausos da platéia, constituída de pequenos produtores, o parlamentar reduziu a subnitrato de pó de mico a destramelada argumentação.

A audiência pública teve como efeito positivo a sustação, por enquanto, das medidas repressivas que tanta angustia vinham provocando, até que se consiga estabelecer, em áreas decisórias do Poder Público, um esquema racional, criativo, despojado de extravagâncias fiscalistas, para a atividade queijeira de modo a permitir a compatibilização dos interesses em jogo. O que mais importa na momentosa questão é preservar o nosso queijo artesanal como riqueza cultural brasileira. É o que ocorre, para citar exemplo frisante, com o queijo artesanal da França, também considerado patrimônio cultural. Um produto de exportação, igualmente saboroso, que frequenta, por sinal, sem penalizações, sem condenações, nossos hábitos de consumo.

* Jornalista (cantonius@click21.com.br)

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