A Assembléia e a Dívida
Cesar Vanucci *
“Em 1998, a dívida do Estado era de 18 bilhões.
Agora é superior a 64 bilhões.”
(Revelação do SindFisco)
Assumindo posição vanguardeira face à incandescente questão da dívida pública mineira, a Assembléia Legislativa do Estado implantou a “Frente Parlamentar em Defesa da Renegociação da Dívida Pública do Estado de Minas Gerais.”
Esse bloco pluripartidário, iniciativa dos deputados Adelmo Leão e Carlin Moura, nasce da imperiosa necessidade de se descobrir, por meio de debate amplo, em termos de cristalina transparência democrática, alternativas para a quitação dos débitos contraídos pelo Estado, de forma que se mostre financeiramente viável aos cofres públicos estaduais e sem molestar, ao mesmo tempo, as contas da União. O levantamento dos números da dívida mineira pegou todo mundo de surpresa. Afinal de contas, a realidade estampada de repente desmoronou a história, intensamente alardeada, do chamado “déficit zero”.
No lugar do “déficit zero” o que despontou nos registros contábeis, por força de diligente trabalho de auditoria, foi um déficit astronômico, estimado entre 67 bilhões e 70 bilhões de reais. Dinheiro para encardir, como se costumava dizer noutros tempos. A dívida, que só vem fazendo crescer em consequência de perversa acumulação de juros e correção, carece ser paga. Mas, na opinião de especialistas na matéria, não há como fazê-lo sem produzir um impacto com feição de tsunami social. Sem arcar com pesadíssimos ônus, a médio e longo prazos, em detrimento – ta claro - de respeitável interesse público. A renegociação desenha-se inevitável.
Faz-se oportuno, nesta hora, recompor a história dessa dívida pra entender como as coisas foram se processando até que os números conseguissem galgar a altitude himalaiana inimaginável das apreensões gerais. Em 1998 (governo Eduardo Azeredo), quando totalizava R$ 18,5 bilhões, a dívida de Minas foi objeto de negociação com o governo federal (FHC). Proclamou-se, na ocasião, em verso e prosa, que o pacto firmado havia sido bastante satisfatório. Não foi bem assim. Mais de uma década transcorrida, Minas já despendeu a bagatela de R$ 40,12 bilhões (valores corrigidos) em pagamentos aos credores. Nada obstante, continua devendo mais, muito mais mesmo do que já pagou.
Mas, porque cargas d’água, a dívida, pretensamente tão bem negociada, cresceu desse modo assustador? Ela foi – e isso provocou o surgimento da Frente Parlamentar – negociada com base na Tabela Price: juros de 7,5% ao ano, com correção, mais IGP-DI, um dos maiores índices de cálculo da inflação no país – ressalte-se -, com a fixação de um limite de comprometimento de até 13% da Receita Líquida Real, pelo prazo de 30 anos.
Pela Tabela Price, o devedor inicialmente paga mais juros, ao mesmo tempo que vai amortecendo parcelas menores do montante. Do meio do contrato em frente, os juros diminuem à medida que o saldo devedor vai sendo reduzido.
Mas veja, agora, a situação nua e crua vivida pelo Estado no tocante ao assunto. Os gastos onerosos com o pagamento da dívida não têm sido suficientes para cobrir sequer os juros. Via de consequência, o volume do débito não parou de crescer entre 1998, quando se fechou a negociação, e 2009. Crescimento – pasmem - de “apenasmente” 205 por cento.
Pelo refinanciamento feito, o Governo Federal estipulou pesadas obrigações quanto a metas e compromissos. Fixou parâmetros pra tudo: dívida em relação à Receita Líquida Real (RLR), resultado primário, despesa com o funcionalismo público, arrecadação com receita própria, privatizações, permissão ou concessão de serviços públicos, reforma administrativa e patrimonial, aumento nas despesas de investimento em RLR. Minas Gerais viu-se forçada, com tamanha carga de imposições, a aplicar, anualmente, em juros e amortização, algo por volta de R$ 3 bilhões. Cifra equivalente a quase um orçamento inteiro da Saúde Pública. Enquanto isso - repita-se -, a dívida pública só cresceu.
Não bastassem todos esses perturbadores elementos, defronta-se o Estado, ainda, como devedor, com a obrigação de se enquadrar rigorosamente nas regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, posta para vigir no governo Fernando Henrique. Essas regras definem o bloqueio das receitas dos Governos Estaduais que se revelem inadimplentes no que concerne à quitação no prazo exato dos valores acordados.
A encrenca, percebe-se por tão copiosos registros, é colossal. A renegociação da dívida assume características dramáticas. Virou, por assim dizer, questão de vida ou de morte. O problema suscitado – não há como deixar de reconhecer - é de suprema magnitude. A busca empenhada de soluções passa por uma discussão ampla, geral e irrestrita. Pede reflexão e estudos de todos os setores engajados em políticas públicas e empreitadas voltadas para o desenvolvimento econômico e social.
A Assembléia Legislativa de Minas age com bom senso ao colocar em sua febricitante agenda tema tão momentoso e relevante.
Renegociação inevitável
“A proposta de renegociação da dívida, feita pelo Parlamento
mineiro, passa a ser, agora, uma bandeira de todos nós.”
(Antônio M. Bernardes, leitor)
Por onde circulo, constato que a reação das pessoas diante da inesperada revelação acerca da dívida pública mineira é de completo aturdimento. Não poucos cidadãos, alcançados em cheio pela retórica marqueteira do “déficit zero”, chegam até a expressar dúvidas quanto a legitimidade da informação.
Mas, falando francamente, não há mais como ignorar a linguagem nua e crua dos números. A dívida do Estado, que era da ordem de 18 bilhões de reais em 1998, oscila hoje entre 64 bilhões e 70 bilhões. Isto vem devidamente enunciado nos trabalhos feitos pelos qualificados especialistas em matéria fiscal e auditagem que embasaram a decisão vanguardeira da Assembléia Legislativa de Minas – vanguardeira em termos brasileiros - de trazer a debate público a conveniência de se renegociar o acordo firmado, no mencionado ano (governos Eduardo Azeredo e Fernando Henrique Cardoso), envolvendo o pagamento da dívida mineira com a União.
Como acentuado na justificativa da proposta de constituição da Frente Parlamentar multipartidária para a Renegociação da Dívida Mineira, encabeçada pelos deputados Adelmo Leão e Carlin Moura, integrada por 51 parlamentares e aprovada pelo presidente da Casa, deputado Dinis Pinheiro, Minas Gerais já despendeu, no serviço da dívida, 44 bilhões em valores corrigidos, sem conseguir reduzí-la um ceitil que seja. Em 2010, a assim chamada dívida contratual pulou para 64 bilhões, ficando em termos gerais assim composta: dívida interna, compromisso assumido pelo Estado com a União, 61.4 bi; dívida externa, 3.7 bi. O total apurado abarca dívida com a Cemig, estatal mineira, da ordem de 5 bilhões. As explicações fornecidas a propósito do débito (também sempre ascendente, ao que se revela) com a Cemig, assinalam que, na época de implantação do Plano Real, foi criada uma conta contábil, a Conta de Resultados a Compensar (CRC), gerada a partir das insuficiências tarifárias das concessionárias de energia elétrica, em razão da circunstância de que, até 1993, era garantida às empresas uma remuneração legal mínima de 10% ao ano. As tarifas eram definidas a partir do custo de serviço da concessão, mas, até essa ocasião, foram usadas pelo Governo Federal como instrumento para conter a inflação. Com isso, as empresas de energia não conseguiam atingir a rentabilidade mínima e o Governo Federal passou a gerar créditos para as concessionárias na CRC (Conta de Resultados a Compensar). A União arcava com a diferença entre o que deveria ser cobrado e a tarifa que era efetivamente praticada pelas empresas de energia, de modo que estas não apresentassem déficit.
Em 1994, o Governo Federal autorizou a utilização desses créditos de CRC para liquidar pendências das concessionárias com entidades do próprio Governo Federal e outras empresas do setor. A Cemig, no entanto, não utilizou a totalidade desses créditos de CRC no encontro de contas permitido pela Lei 8727, de 1993, passando a contar com expressivo saldo positivo. Em 1995, quando renegociou sua dívida com a União, o Governo de Minas usou os créditos de CRC que a Cemig possuia, cedidos ao Estado por meio de um contrato de cessão de créditos, a fim de quitar parte da dívida de Minas. Foi desta forma que o Estado tornou-se devedor da estatal de energia.
A negociação de 1998 - alvo de severas críticas, como se recorda, do governador Itamar Franco - estabeleceu o oneroso IGP-DI como índice de correção, fixando também em 7.5% o juro a ser pago. Não deixa de ser intrigante o fato de que, noutros Estados, onde ocorreram à mesma época negociações do gênero, o valor acertado no tocante ao juro tenha sido menor: 6%.
A dramática situação posta à apreciação do Governo, classe política e sociedade conduz uma certeza: nos termos vigentes, a dívida é impagável. Compromete irremediavelmente o futuro de Minas.
A renegociação, como pretende o Parlamento de Minas, se faz assim inevitável. A alteração do indexador de correção, a redução do índice de juro são medidas obviamente cogitáveis. Mas não se pode deixar de pensar também no recálculo da dívida, no conhecimento cristalino e transparente da natureza dos débitos.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
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