sexta-feira, 30 de março de 2012


Cesar Vanucci*

“Um homem que venceu na vida fazendo força.
(Orestes Massanti, saudoso tesoureiro da FIEMG,
referindo-se ao amigo Fábio Motta)

Fábio de Araújo Motta, cujo centenário transcorre agora em março, foi das figuras mais fascinantes que conheci. Culto, generoso, possuía inteligência rutilante, visão intuitiva do mundo e muita perspicácia. Exercia o comando com simpatia e naturalidade. Deixou plantada no Sistema FIEMG, que dirigiu por muitos anos com descortino, obra admirável.

A primeira lembrança que dele guardo diz respeito a uma visita que fez a Uberaba, cidade em que morava. Impressionou-nos, a todos, sua oratória, magistral no conteúdo e na forma. Tornamo-nos amigos. Mais adiante, tornamo-nos irmãos, com passagem cumulativa pelo estágio, prazenteiramente desfrutado, do chefe estimado e do colaborador dedicado. Por mais de ano fui insistentemente convidado por Fábio para deixar meus afazeres no interior, onde atuava como jornalista, professor e advogado (do Sesi), e vir de muda para Belo Horizonte assumir a parte executiva da FIEMG. Uma série de instigantes circunstâncias, compondo harmonioso quadro de sincronicidades, ao jeito de complô armado pelo destino, acabou convertendo em realidade aquilo que parecia, a princípio, circunstância inimaginável, à qual me aferrava com obstinada resistência: sair do interior.

A convivência fraternal, nutrida de lealdade e trabalho perseverante em cima das idéias fecundas que jorravam de sua mente criativa, veio num crescendo o tempo todo. A admiração pelo dirigente e companheiro ganhou, na fluência do tempo, enriquecedoras dimensões. No período em que se licenciou da presidência, próximo de sua passagem, visitei-o quase que diariamente. Fui das últimas pessoas a vê-lo vivo. Estive em seu apartamento no Sion, acompanhado de dois colegas, ambos de saudosa recordação, Urias Botelho e Guilmar Gonçalves, nos derradeiros instantes que antecederam a viagem, sem retorno, para Araxá.

A lembrança de seu indomável espírito, de seu ímpeto empreendedor, palpita hoje num colosso de coisas, ligadas à construção humana e social, fazendo parte de portentoso patrimônio de realizações na Fiemg, Sesi, Senai, Casfam e IEL. Ele consolidou, com muito trabalho e talento, o chamado Sistema Fiemg.

Com o Fábio compartilhei, na condição de leal colaborador, das emoções, compensações, dificuldades, surpresas de que acaba sendo sempre tecida a aventura pessoal de um líder comprometido com projetos de interesse comunitário. A seu lado experimentei o amargo sabor da frustração e aturdimento quando da espantosa reação do ilustre governador Rondon Pacheco, por sinal, dos mais capacitados e brilhantes entre os que exerceram o comando governamental em Minas, ao bater os punhos sobre a mesa de jacarandá do salão de recepção do Palácio da Liberdade, exprimindo indignação, numa resposta inexplicável e inesperada ao memorial levado por empresários, políticos e técnicos em siderurgia, na palavra vibrante de Fábio, em favor da implantação da Açominas. Esclareça-se que a perplexidade que tomou conta do recinto derivou do fato de que o encontro em questão obedeceu rigorosamente a uma agenda traçada nos mínimos detalhes com o próprio Palácio, objetivando criar atmosfera propícia para o anúncio de empreendimento, considerado do mais alto interesse para a economia mineira, a ser feito pelo próprio Governador.

Há mais a contar sobre o fecundo período que marcou a passagem de Fábio pelo Sistema Fiemg.


Liderança incontestável


Ele criou a consciência do social no Sistema FIEMG.”
(Cesar Rodrigues, saudoso presidente do
 SENAI, falando do amigo Fábio Motta)


Retomo aqui o relato de histórias ligadas à trajetória de vida refulgente do saudoso dirigente classista empresarial Fábio de Araújo Motta, cujo centenário transcorre este mês.

Em certa ocasião, Fábio confiou-me informações que guardava carinhosamente, pedindo-me escrevesse alguma coisa sobre Chico Motta, seu pai. Tomou forma aí um livro delgado intitulado “Um homem chamado Chico Motta”. Ele quis com tal registro exprimir seu terno apreço filial e gratidão a uma figura intrépida, com relevante atuação política em Diamantina, onde exerceu o cargo de Prefeito, cidadão responsável por decisiva influência em sua formação.

As histórias ligadas a Fábio, à sua rica lenda pessoal, que conservo bem nítidas na memória, são numerosas. Delas poderia me ocupar por tempo bastante extenso. As realizações de cunho social e educacional que promoveu à frente do Sesi e do Senai, colocando à mostra acurada sensibilidade social e sólida formação humanística, juntamente com a projeção que assegurou à Fiemg nas esferas política e classista, conferem-lhe com todo mérito lugar de realce na galeria dos personagens que deixaram pegadas visíveis na caminhada do desenvolvimento econômico e social mineiro. Fábio de Araújo Motta destacou-se, também, no exercício da magistratura trabalhista, integrante que foi do TRT da 3ª Região, com passagens pelo TST, e dirigente da CNI, onde ocupou em várias gestões a vice-Presidência, chegando a exercer, mais de uma vez, a Presidência.

Seu poder de liderança era incontestável. Conferiu-lhe a prerrogativa de se tornar o dirigente com o mais dilargado tempo de permanência na história da Fiemg. Para isso contribuíram sobremaneira as posições desassombradas assumidas na defesa dos interesses da categoria industrial. Sua palavra e atitudes foram sempre bem assimiladas pelos seus pares.

Acode-me à lembrança, neste preciso momento, um episódio nunca antes, pelo menos por mim, trazido a público, que serve para revelar a dimensão do prestigio por ele desfrutado junto aos companheiros industriais. Durante greve ocorrida no setor de assistência médica do Sesi, um cidadão que se identificou como representante de industriais nucleados na Cidade Industrial de Contagem contatou Fábio ao telefone, para sugerir-lhe que se desvinculasse do cargo de presidente da Fiemg, como “única solução viável” para a “crise”. Adicionou a informação de que a “sugestão” apresentada nascera de decisão consensual de um grupo expressivo de empresários. Citou o nome do empresário Hélio Pentagna Guimarães, dirigente da Magnesita, entre muitos outros. Fábio, do outro lado da linha, pediu-lhe que confirmasse os nomes dos que estavam a “recomendar”, de forma tão enfática, por meio do solícito portavoz, sua saída. O autor do telefonema, sem rebuços e constrangimentos, “confirmou”. Fábio, então, disse-lhe: - “Espere um instante. Todos esses que você acaba de citar encontram-se aqui, neste momento, ao meu lado, num papo muito cordial. Seria bom você repetir pra eles o que acaba de dizer.” Hélio Pentgna Guimarães, que era vice da Fiemg, tomou do telefone e, em termos vigorosos, em nome dos demais, aplicou no interlocutor de Fábio Motta uma senhora descompostura. Disse-lhe poucas e boas, reduzindo a subnitrato de pó de mico, como era de costume dizer-se em tempos de outrora, a tentativa ridícula de desestabilização de Fábio, configurada na despropositada chamada telefônica.

O reduzido grupo envolvido na mal sucedida manobra permaneceu, depois dessa, mudo e quedo que nem penedo.



Retaliação pura e simples


“Estamos deixando nossos parceiros na mão.”
(Confissão do general comandante
da Força Aérea dos Estados Unidos)

Está na cara, pra quem tem olhos pra enxergar e ouvidos pra escutar, que o cancelamento pelo governo americano da compra de aviões Super Tucano da Embraer não passa de uma retaliação. As justificativas apresentadas para desfazer o contrato são pura fajutice. Conversa mole pra boi dormir, como se diz na saborosa linguagem roceira.

O próprio comandante da Força Aérea dos Estados Unidos, general Norton Schwartz, por mais que se esforçasse, não conseguiu ocultar o constrangimento, consciente da inexistência de argumentos técnicos que pudessem embasar a decisão tomada por Washington. Suas as palavras que se seguem: “Uma das coisas com as quais estou mais triste, sem mencionar a vergonha que esse fato traz para nós como Força Aérea, é que estamos deixando nossos parceiros na mão aqui.” Os parceiros deixados na mão a que se refere é a Embraer, que por conta do contrato montou fábrica na Flórida para o melhor atendimento dos clientes.

E por que mesmo a contundente represália? Elementar, dr. Watson. O governo dos Estados Unidos está mandando pra bom entendedor recado curto e grosso, quanto à disposição brasileira em promover o reaparelhamento da frota da FAB. Sem essa, é o que manda dizer, de optar por jatos franceses Rafale, ou por caças suíços. Os aviões “recomendados” são os F-18, da Boeing, disponha-se ou não essa empresa norte-americana a trazer, com os aviões, tecnologia de ponta pra sua fabricação em território brasileiro. Simples, assim. Ta bem?

Resta saber agora como o governo brasileiro irá se comportar diante dessa provocativa encenação de cunho político-comercial.

Gleisi Hoffmann, Ministra-chefe da Casa Civil da Presidência, determinou ao Ministério das Relações Exteriores que questionasse o governo do Irã sobre a prisão e condenação à morte do pastor evangélico Youssef Madarkhani. A condenação do religioso foi “motivada” pela circunstância de haver se convertido do islamismo ao cristianismo.
A grande mídia brasileira praticamente ignorou esse posicionamento brasileiro, firme e vigoroso, coerente com a política de direitos humanos, de óbvia repercussão internacional, de crítica contundente a mais esse atentado à liberdade praticado pelas autoridades persas. Muito estranhável esse procedimento dos órgãos de comunicação, sobretudo quando se tem presente que, em ocasiões recentes, muitos deles abriram as baterias para reprovar de forma acerba o governo brasileiro por “mostrar-se tolerante” com violações aos direitos fundamentais no país dos fanáticos aiatolás.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 23 de março de 2012

Profecias apocalípticas

Cesar Vanucci *


“Haverá escuridão total.”
(Princesa Kaoru Nakamaru, da casa real japonesa,
alertando para os dias de trevas que se aproximam)


Os profetas do apocalipse estão com tudo e com toda prosa. Anunciam, com fervorosa convicção, que chegado o final dos tempos. Utilizam interpretações de livros sagrados de diferentes correntes do pensamento espiritual e filosófico, de códigos ditos maias, astecas, incas, egípcios, para embasar suas teses e teorias acerca da iminência de catástrofes avassaladoras, inimagináveis.

Este ano de 2012 vem sendo apontado como decisivo nessa linha de conjeturas. Algo muito sério, capaz de transformar tudo, de desmontar implacavelmente as estruturas de vida consolidadas nesta ilhota perdida na vastidão oceânica do espaço cósmico conhecida por Terra, está prestes a acontecer. As previsões mais propagadas dizem respeito a reações incontroláveis da Natureza, a conflito bélico com emprego de energia nuclear, a uma colisão inesperada do planeta com asteróide de grande dimensão.

Não deixa de ser intrigante anotar que, entre autores das predições sombrias, ao lado de estudiosos de fenômenos exotéricos, de fanáticos religiosos, figuram também conhecidos cientistas.

Chega-nos ao conhecimento, que da extensa relação dos profetas do holocausto faz parte também, curiosamente, impensável personagem da mais enraizada casa real das poucas que ainda resistem, no cenário mundial, ao sopro político renovador que sacode os tempos de hoje. Estou falando da casa real japonesa que, diferentemente de várias monarquias da Europa e de outros continentes, mais toleradas do que propriamente assimiladas, conserva ainda nos dias atuais vínculos de genuína sacralidade com a cultura religiosa da população. Imperador no Japão é figura transcendente. De descendência divina. Hiroito integrou o “eixo do mal” que desencadeou a 2ª Guerra Mundial. Ao contrário de Hitler e Mussolini, seus parceiros em façanhas abomináveis, garantiu-se tranquilamente no poder. Os vencedores do conflito não o chamaram a prestar contas dos malfeitos em Nuremberg. A veneração popular ao representante de uma monarquia milenar contou tanto ou mais quanto as estratégias geopolíticas em jogo, na decisão tomada de não se molestar Sua Alteza Imperial.

Entra aqui, agora, em cena a princesa Kaoru Nakamaru, figura respeitada da casa real nipônica. Uma mulher culta, com formação em política internacional e jornalismo, aclamada em 1973 pela revista “Newsweek” como “entrevistador nº 1 do mundo”, descrita pelo “Washington Post”, como “uma dessas raras mulheres com sensibilidade de destaque internacional”. Autora de 40 livros, empenhada na causa da paz, criou um Instituto com ramificações mundiais, entrevistando e contatando dignitários famosos, abrindo portas para conversações nos lugares mais difíceis. Para dar um exemplo, a Coréia do Norte.

Ela sustenta a tese de que o poder político, a riqueza, a fama não fazem as pessoas felizes e que a felicidade se projeta de corações abastecidos de amor, harmonia e paz.

Explicado tudo isto a respeito da princesa, vamos tomar conhecimento, em seguida, de incríveis declarações de sua autoria que acabam de vir a público e que se acham alinhadas com as profecias apocalípticas que correm mundo. Na “Pythagoras Conference Global 2012”, Kaoru jogou no ar afirmações inquietantes. Depois de dizer, clara e categoricamente, que se comunica com seres inteligentes de outros mundos e de registrar que no interior de nosso planeta existe uma civilização muito desenvolvida, Nakamaru revelou – olha só a precisão da data – que, de 22 de dezembro deste ano em diante, por três dias e três noites, quando a Terra vai passar para a quinta dimensão, a humanidade não conseguirá mais usar a eletricidade. “Haverá escuridão total, dia e noite sem sol, sem estrelas, sem mídia de massa, sem nenhuma informação.” Acrescentou que, em muitos lugares, uma pequena elite acredita que poderá ser salva, em cidades subterrâneas que estão implantando. Mas “essas pessoas não vão estar de fato seguras”, arrematou.

Às profecias já divulgadas, junte-se mais esse prognóstico estranho, com o registro assaz instigante de sua origem.



A estratégia de Serra

“O sonho da Presidência ficará adormecido.”
(Declaração de José Serra, recebida com dúvidas,
ao lançar-se candidato à Prefeitura de São Paulo)


O intuito de José Serra, lançando-se candidato à Prefeitura de São Paulo, atropelando com o estilo que o caracteriza pretendentes ao cargo em suas próprias hostes e soterrando de vez a proposta partidária de prévias para escolha de nome, é mais do que claro. O comando administrativo do mais importante município brasileiro, na hipótese da vitória sorrir ao conhecido prócer tucano nas urnas de outubro, é o cacife com o qual passará a contar para o novo voo que se mostra disposto a alçar como candidato das forças da oposição à Presidência.

A circunstância de que a almejada disputa pela função de supremo mandatário da Nação implique, na hipótese de eleito Prefeito, na interrupção do mandato, não representa, em se tratando do personagem citado, empecilho algum.

Em dois momentos administrativos recentes, Serra deixou as funções desempenhadas, na tentativa de galgar posições de realce maior na caminhada política. Quando da eleição ganha para o cargo que volta agora a cobiçar chegou a firmar até declaração em Cartório, garantindo que não interromperia, a pretexto algum, o exercício do mandato. Exibiu-a, em compromisso solene com o eleitorado, valendo-se de enorme estridência marqueteira, ao longo de toda campanha. Descumpriu o trato.

A maioria dos observadores políticos não põe fé nenhuma, por essa e por outras, no anúncio dado, ao confessar-se candidato a Prefeito, de que o sonho de Presidência da República vai ficar adormecido até 2016. Até mesmo porque, a toda hora, em reações políticas de leitura inequívoca, parte da grande mídia paulista e grupos poderosos altamente representativos da elite quatrocentona bandeirante não fazem por onde esconder sua ardente aspiração em poder alojar alguém de estrita confiança e simpatia, fiel aos seus interesses, na curul presidencial.

Fica claro que a estratégia de Serra e companheiros está sujeita a chuvas e trovoadas. Comporta riscos, devidamente calculados, supõe-se, pela cúpula pessedebista da paulicéia. Uma derrota no pleito municipal, que começa a partir dessa definição a adquirir contorno de prévia para o prélio presidencial, sepultará pra todo sempre as ambições do ex-governador paulista de se tornar Presidente. Em caso contrário, ou seja, na hipótese de que consiga infligir derrota ao candidato a ser apoiado por Lula e pelo PT na eleição para a Prefeitura, o que acontecerá, inapelavelmente, como dois e dois são quatro, sabe-se disso, com absoluta certeza, do Oiapoque ao Chui, é a reapresentação em grande estilo, pompa e gala, do nome de Serra, numa imposição irresistível dos setores paulistas acima identificados, como disputante, uma vez mais, para o que der e vier, da chefia do Governo Federal. Ele continua sendo, pelo visto, o personagem que desfruta da preferência desses articulados setores paulistanos para empunhar, em 2014, a bandeira da oposição, fazendo frente ao nome que venha a ser apoiado por Lula, por Dilma. Talvez até a um desses dois, quem sabe?

Esperar pra ver.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 16 de março de 2012

Processo perverso

* Cesar Vanucci *

Os funcionários vítimas de assaltos não devem reagir,
preservando sua segurança e dos familiares.”
(Recomendação expressa das autoridades policiais)

O fim da picada! Nada como uma expressão doutros tempos, da saborosa linguagem popular, para retratar a dimensão correta de minha perplexidade e indignação face à revelação trazida pela repórter Joana Suarez, nas páginas de “O Tempo”.

Pensava, cá com meus botões, que aquela atordoante história das duas bancárias de Contagem que foram destituídas de suas funções em razão de haverem, mediante ameaças de morte no curso de um sequestro, aberto o cofre da agência, constituísse episódio isolado na crônica dos assaltos a bancos. Ledo engano deste escriba. A coisa não é bem assim, atesta a repórter mencionada. Outros servidores, de outras instituições de crédito, que se viram compelidos, num dado momento, sob coação irresistível, a entregar, digamos assim, o “ouro para os bandidos”, já passaram, também, pela vexaminosa situação de ser “contemplados” com o temido “bilhete azul”, sob a inimaginável alegação de mau procedimento profissional. Quer dizer, depois de experimentarem a traumática sensação de vítimas inocentes em assaltos a mão armada, ainda são apontados, por empedernidos superiores hierárquicos, no próprio ambiente onde se desenrolaram lances decisivos de suas vidas, como proscritos, indesejáveis. E tudo isso pela “simples razão” de não terem sabido atender, “tremendos ingratos”, nos devidos conformes, às expectativas dos patrões. Ou seja, reagindo, desassombradamente, à moda Rambo, à custa, se necessário – por que não? – de vidas preciosas, às ameaças de assaltantes armados, por vezes encapuzados, sob a mira de metralhadoras. O gesto de “submissão” desses bancários às exigências dos bandidos tem sido recebido, nas altas esferas de decisão gerencial, como uma quebra da confiança generosamente depositada em sua ação laboral. Algo indesculpável, irretratável, a ser exemplarmente punido, que sirva pra sempre como lição pedagógica para os demais, de forma a que aprendam a enfrentar, destemidamente, de peito aberto, contrariando até mesmo as recomendações reiteradas da polícia, quaisquer tentativas de sequestro e assalto. Em outras palavras, tratem todos, para garantir emprego, de se compenetrarem ser de seu primordial dever impedir, não importem as consequências da estóica resistência recomendada, que os bandidos armados se apoderem dos sagrados valores recolhidos ao cofre. Valores esses, diga-se de passagem, de ressarcimento devidamente garantido pelas apólices de seguro.

São numerosas as situações, de acordo com o que explica o Sindicato dos Bancários, em que funcionários de diferentes bancos, vítimas diretas do assalto, receberam avisos de dispensa sob a fajuta alegação de “baixa performance”, mesmo que batendo as metas de produção das empresas. A Justiça do Trabalho tem reconhecido, lucidamente, os direitos dos empregados, ordenando sua readmissão, até com estabilidade, pelo que também se conta na reportagem.

O clamor suscitado por esse perverso comportamento está levando a Assembléia Legislativa de Minas, por iniciativa do deputado Adelmo Carneiro Leão, a promover uma audiência pública destinada ao exame dos casos denunciados. Oportunidade excelente, sem dúvida, para que a opinião pública se informe, com pormenores, da deplorável conduta, no plano das relações de trabalho, de algumas casas bancárias.

Comecei o artigo evocando uma expressão popular para falar de meu espanto. Valho-me de outra expressão, da saborosa linguagem das ruas, igualmente muito empregada noutros tempos, pra fechar o comentário. Será que os executivos engravatados, responsáveis pelas demissões dos bancários nas circunstâncias descritas, conseguem dormir, ter sono tranquilo, com um barulhão desses?



A culpa (não) é dos gregos


“Despejam quatro trilhões e 700 milhões
 de dólares de forma muito perversa.”
(Comentário da Presidenta Dilma Rousseff sobre a estratégia utilizada pelos países desenvolvidos no combate à crise financeira)

Há algo de podre no “reino” da Grécia! É o que insistentemente se propaga mundo adentro, em sentenciamento shakespeariano vertido para os dias de hoje, por eficientes arautos de forças neoliberais em seu culto desvairado ao “deus” dinheiro. Essa proclamação sombria e perversa conta com a cumplicidade de uma mídia desencorajada de exercer a contento sua tarefa institucional de avaliação crítica dos fatos políticos, sociais e econômicos desta conturbada quadra da história.

Sob o sufoco da avalancha de informações desfavoráveis ao comportamento dos gregos, o mundo não liga a mínima à dívida colossal, certeiramente impagável, contraída com a sabedoria helênica eterna, pela influência preponderante que teve no processo civilizatorio de todos nós. Só tem olhar recriminatório e comentário desairoso para a dívida, incomparavelmente menor, de certa maneira até, liliputiana, contraída pelos gregos com os bancos internacionais. Um pacto negocial sabidamente leonino, como tantos outros estabelecidos com comunidades desprotegidas por aí afora, onde a cupidez desenfreada de banqueiros e megaespeculadores inescrupulosos, enredados com políticos laureados em cambalachos, dita regras e normas que fazem dos credores reféns sem chance de resgate a curto e médio prazos.

A tragédia grega atual é um clássico exemplo dos descaminhos que podem ser trilhados por uma ordem econômica injusta. Desatrelada dos valores essenciais que conferem dignidade a aventura humana. É amostra eloquente dos danos irreparáveis produzidos por uma economia desregulamentada, entendida por muitos, equivocadamente, como um fim em si mesma. E não como um instrumento, um meio para se atingir um objetivo maior, transcendente, representado pela construção humana. Ou seja, um fim social correspondente aos legítimos anseios e interesses da sociedade.

O que se anda querendo cobrar do chefe de família grego, da dona de casa grega, do empresário e do operário gregos é parte da conta dos desatinos econômicos e sociais cometidos, obviamente sem seu consentimento ou conhecimento, por instituições envolvidas em manobras especulativas por ganhos vorazes. Manobras essas que mergulharam boa parte do mundo numa crise recessiva com pesados ônus de natureza social.

O empenho dos dirigentes dos chamados paises superdesenvolvidos em proteger prioritariamente os haveres das organizações que provocaram a crise leva-os a promoverem aquilo que a Presidenta Dilma Rousseff definiu tão apropriadamente como a estratégia do “tsunami monetário”. Injetam, a fundo perdido, recursos fabulosos nessas organizações, para que não soçobrem, em detrimento de políticas de bem estar social, agredindo a economia de países vulneráveis, praticando uma política monetária inconsequente que gera condições desiguais de competição nos mercados internacionais. E, via de consequência, transferem o peso da dívida para outros ombros.

Resumo da história: a culpa pela dívida não é dos gregos. Falar verdade, nem dos troianos.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 9 de março de 2012

Dilema atroz

Cesar Vanucci *

“Não ia deixar minha família morrer por causa de dinheiro.”
(Maria Silva, ex-gerente de Banco, depois da demissão)

O espanto foi de tal tamanho, que me embaralhei todo na compreensão, de imediato, do que veio relatado com clareza no jornal. Precisei ler mais uma vez, devagarzinho, colocando redobrada atenção no texto.

A santa indignação do início acabou dando causa a um dilema atroz. Trago-o à consideração dos diletos leitores na expectativa de que consiga deslindá-lo com sua prestimosa ajuda.

Seguinte: a gerente e a tesoureira de uma agência de poderosa organização bancária, com ramificações espalhadas por tudo quanto é canto do país e atuação marcante em praças no estrangeiro, foram exemplarmente punidas – bota aspas nisso – por conduta profissional inadequada – aspas, de novo – em virtude de não terem sabido oferecer resistência física, galhardamente, a assalto cinematográfico praticado contra o estabelecimento onde prestavam, há anos, bons serviços, por uma quadrilha de facínoras da mais alta periculosidade. Facínoras – registre-se – que carregavam nas mãos, ameaçadoramente, “convincentes” instrumentos de intimidação.

A gangue monitorou, por bom tempo, os passos da gerente. Localizou-lhe a residência. Identificou com intuitos perversos seu núcleo familiar. Marido, filhos menores. Tomou-os como reféns, trancafiando-os sob a mira de revólveres, escopetas e metralhadoras. “Persuadiu”, na sequência, a servidora bancária a “cooperar” com os “nobres propósitos” do bando em apoderar-se do dinheiro trancado no cofre. Os “argumentos de persuasão” utilizados pelos “pacíficos” personagens levaram a gerente e a tesoureira da agência a atender o que, de forma tão “amável” e “fraternal” se lhes foi “suplicado”.

A reação do Banco diante dos acontecimentos foi de “rara nobreza”. “Altiva” e “vigorosa”. Foi tomada quando da volta das funcionárias ao batente, depois do período de repouso que lhes foi recomendado em consequência do lance traumático que marcou suas vidas. O anúncio da demissão de ambas por “mau procedimento”, à vista de haverem cedido, nas circunstâncias descritas, à pressão dos bandidos ocorreu, coincidentemente, na ocasião em que o Banco festejou, com compreensível alarde, notável proeza: atingiu lucro sem precedentes nas operações anuais de sua vitoriosa trajetória empresarial.

O resumo dessa desconcertante “melódia” deixa-nos informados de que a gerente e a tesoureira da agência perderam os empregos pelo motivo de não terem sabido enfrentar, com o “desassombro” exigido pelos superiores, seus cordatos captores. Ambas, as duas, recusaram-se, por sentimentos, naturalmente egoísticos, no modo de entender dos patrões, a assumir o papel estóico das heroínas dos filmes de ação. Negaram-se, denotando “falta de profissionalismo”, a trocar, num passe de mágica, como acontece nas fitas, a singela vestimenta de servidoras bancárias pela indumentária blindada da “Mulher Maravilha”, partindo, resolutas, para o enfrentamento dos sequestradores, subjugando-os e afastando, zelosamente, o risco da subtração da sagrada mufunfa sob sua guarda.

Sem dúvida alguma, a nos basearmos na escrupulosa avaliação dos executivos bancários, um bem muito mais precioso do que as vidas humanas sob a mira das armas.

Cabe falar, agora, do dilema atroz que me aflige. Dos estimados leitores rogo se manifestem de maneira a permitir decifrá-lo. Será que no capítulo das ocorrências desalmadas que alvejam a dignidade humana existirão diferenças substanciais nos procedimentos dos que coagiram e dos que desempregaram as duas moças?



Estigma e preconceitos descabidos

A enfermidade não é contagiosa.”
 (De um folheto distribuído pela “Associação Mineira de Epilepsia”)

A lembrança mais recuada que tenho de manifestação da doença em alguém transporta-me a uma reunião de escoteiros no pátio do antigo quartel da Polícia Militar. Uberaba, tempos da escola risonha e franca. A unidade militar funcionava nas instalações do antigo Liceu de Artes e Ofícios, à época desativado. Um imponente conjunto de pavilhões erguido graças ao espírito empreendedor do inolvidável Fidelis Reis. Sobre o Liceu, seja mencionado ainda que um dos pavilhões foi doado por Henry Ford. O complexo, dominando quarteirão inteiro no comecinho do chamado Alto São Benedito, modernizou-se, adquiriu roupagens novas, abrigando hoje dependências do Sesi e do Senai. Constitui, na paisagem urbana uberabense, maiúscula referência cultural, educacional e social.

Voltemos ao registro inicial do comentário. Percorrendo as calçadas da memória, revejo a cena do instrutor do agrupamento de escoteiros, um simpático e dedicado oficial militar, pra espanto e receio de toda a meninada reunida à volta, acometido inesperadamente de mal súbito misterioso, numa crise convulsiva arrepiante . Um adulto, ao lado, explicou-nos tratar-se de “ataque de epilepsia”. Foi a primeira vez que ouvi a expressão. Pouco tempo transcorrido, em plena sala de aula no Colégio Triângulo, um colega de turma viveu crise semelhante, sob os olhares sobressaltados de professores e alunos.

Percebo que, à falta de informações adequadas e de esclarecimentos corretamente transmitidos de modo geral, boa parte das pessoas que, ainda hoje, se deparam com uma situação desse gênero são impelidas a reagir com a mesma sensação de impotência e desconforto que experimentei naqueles dois momentos. E já não mais se justifica continuem as coisas a correr assim, como demonstra, com exuberância de dados, de forma didática, a Associação Mineira de Epilepsia, coordenadora de magnífico trabalho de desmitificação da doença.

Esclarecendo que a epilepsia é cercada de estigmas e preconceitos totalmente injustificáveis, a Amae informa que duas em cada 100 pessoas, de acordo com as estatísticas, podem contrair a doença. Ela se manifesta em qualquer idade, raça ou classe social, por motivações múltiplas. Às vezes, o começo de tudo venha associado a um golpe na cabeça, a uma infecção cerebral, ao uso abusivo de álcool ou drogas. A origem pode ser também encontrada em circunstâncias anômalas registradas na gestação. De qualquer forma, as causas, em variados casos, permanecem desconhecidas. Mas com fundamento no que já se tem como consolidado no conhecimento científico, pode-se afiançar que a enfermidade não é, definitivamente, contagiosa e que também, é bastante reduzida a possibilidade da transmissão derivar de fatores hereditários.

A epilepsia é uma alteração no funcionamento do cérebro não ocasionada por febre ou distúrbios metabólicos. O chamado “ataque epiléptico” persiste por alguns poucos segundos ou minutos. É temporário e reversível. Passada a crise, o cérebro volta a funcionar normalmente. As manifestações são controláveis com o uso de medicamentos apropriados. O tratamento correto revela-se eficaz, dando condições às pessoas de cumprirem as atividades rotineiras, no trabalho e fora dele. O preconceito costuma gerar condições desfavoráveis ao aproveitamento de portadores do mal no mercado de trabalho. E isso concorre negativamente em sua qualidade de vida. Mulheres com epilepsia podem se engravidar normalmente, desde que medicadas. A frequência à escola proporciona uma integração social benéfica para o desenvolvimento psicossocial das crianças, adolescentes e adultos. A prática esportiva é aconselhável e relevante. Algumas modalidades esportivas requerem certa atenção. A cirurgia de epilepsia e a chamada dieta cetogênica constituem opções para pacientes que não consigam estabelecer, pelo uso de medicamentos, o controle das crises.

Temos aqui listadas outras informações de utilidade que vale a pena saber:

O que fazer quando alguém tiver uma crise?

Mantenha-se calmo e procure acalmar as outras pessoas; ponha algo macio sob a cabeça do paciente; afrouxe sua roupa; remova objetos próximos que possam oferecer perigo; coloque a pessoa em crise deitada de lado. Isso ajuda na respiração; fique ao seu lado até que a respiração volte ao normal e se levante; leve-a para casa, caso ela não esteja segura de onde se encontra, pois algumas pessoas ficam confusas após uma crise; na maioria das vezes as crises são passageiras e terminam espontaneamente; caso a crise persista por mais de cinco minutos, chame uma ambulância e leve a pessoa ao hospital para receber cuidados médicos.

O que não fazer: não apavorar-se; não restringir os movimentos do paciente; não introduzir nada na boca do doente; não tentar “desenrolar” a língua; não sacudir o paciente; não dar líquidos para beber; não esfregar álcool, amoníaco ou outras substâncias no corpo da pessoa; a “baba” é apenas e simplesmente saliva em excesso e não transmite epilepsia.

*Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sábado, 3 de março de 2012

Decisão republicana e democrática

Cesar Vanucci *

“Compartilho do pensamento de Louis Brandeis:
 “Nas coisas do poder, o melhor detergente é a luz do sol.”
(Ministro Carlos Ayres Brito, prestes a assumir a Presidência do STF, numa declaração em que assevera que ganho acima do teto é inadmissível)

A momentosa decisão do Supremo Tribunal Federal rejeitando, mesmo por placar apertado, a forte pressão de alguns órgãos representativos da categoria dos magistrados e conservando incólume a autonomia de investigação constitucionalmente assegurada do Conselho Nacional de Justiça, fez muito bem à Democracia. Desfez em parte o indisfarçável mal-estar produzido perante a opinião pública por certas reações corporativistas de claro achincalhe às decisões moralizadoras do Conselho.

Tais decisões – recordemo-nos -, inicialmente adotadas pelo corregedor Gilson Dipp e, mais adiante, com maior ênfase, pela corregedora Eliana Calmon, trouxeram a lume chocantes revelações. Revelações acerca de salários pagos que afrontam as regras gerais de remuneração estabelecidas para os servidores públicos. Revelações referentes a movimentações financeiras suspeitosas e a pagamentos milionários despropositados, à guiza de ajuda de custo, atribuídos a juízes e funcionários.

As auditorias efetuadas permitiram a descoberta de que no Estado do Rio de Janeiro, pra ficar num exemplo, alguns desembargadores, por conta de incabíveis benefícios que eles próprios resolveram se outorgar, chegam a apropriar-se de vencimentos mensais de até 150 mil reais, quantia infinitamente superior aos 26 mil reais instituídos como teto oficial remuneratório para agentes públicos. Teto esse, por sinal, que corresponde à remuneração atribuída ao presidente da mais alta Corte Judiciária do País.

Ainda falando do que acontece apenas no Rio de Janeiro, um servidor judiciário de posto elevado, cujo nome vem também associado a atividades fraudulentas múltiplas, foi pilhado em movimentações na conta pessoal da ordem de 283 milhões de reais, num único exercício. Tem mais: essa avultada soma é parte de um montante apurado de quase 600 milhões de reais em transações bancarias “consideradas atípicas”. São operações que envolvem 205 integrantes do setor judiciário em vários Estados, consoante levantamento feito pelo Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), por determinação do Conselho Nacional de Justiça.

Diante dos dados enunciados e de outras irregularidades não menos perturbadoras, outra não poderia ser, em verdade, convenhamos, a atitude dos doutos Ministros, senão preservar o poder de decisão investigatório do CNJ. Seu posicionamento, à altura das melhores tradições da judicatura brasileira, revelou bom senso, sentimento republicano, desejo de saudável transparência e crença nos valores democráticos. Rechaçou argumentos pueris, nascidos de caprichos e excessos corporativistas. Respondeu satisfatoriamente ao clamor altivo da sociedade como um todo. E, certeiramente, atendeu à aspiração da imensa maioria dos magistrados brasileiros. Uma maioria, estamos certos, que vê nessa ação desvirtuada de uma minoria enredada em procedimentos contrapostos aos padrões éticos e retilíneos desejáveis na atuação da nobre categoria um fator de intranquilidade social. Uma gritante distorção, a ser convenientemente extirpada, da imagem impoluta que a opinião pública conserva, por razões de sobra, de sua conduta profissional.

Nessa história toda há que se louvar ainda a postura destemida da Corregedora Eliana Calmon. Os agravos e doestos de que tem sido alvo por parte de um reduzido grupo não ofuscaram, afortunadamente, o brilho do trabalho por ela executado. Um trabalho que rendeu reconhecimento para que pudesse ocupar, com todo mérito, um lugar de realce na admiração e  apreço das ruas.

O que todos os setores sinceramente engajados na discussão do palpitante tema passam a desejar, a partir dessa resolução do Supremo, é que a Reforma Judiciária seja apressada. Seja incluída, ao lado da Reforma Política, da Reforma Tributária e de outras mais, no rol dos estudos prioritários exigidos, neste momento, pela ânsia brasileira de progresso, em nome do aprimoramento do exercício das coisas públicas em nosso País.


Avanço extraordinário

“Essa lei é fruto da saturação do povo
com os maus tratos infligidos à coisa pública.”
(Ministro Ayres de Brito)

Foi um extraordinário avanço, como não? Se num ou noutro item a coisa ainda não se situou nos devidos conformes, como questionam alguns, a posição do Supremo Tribunal Federal, também neste capítulo da assim chamada “Lei da Ficha Limpa”, respondeu satisfatoriamente aos anseios da sociedade. Como diagnosticou com lucidez o Ministro Ayres Brito, próximo presidente da Corte, os dispositivos legais que passam a vigorar revestem-se de um tônus de legitimidade ainda mais denso quando se tem em conta a circunstância de terem derivado de uma iniciativa popular que plenifica a democracia. “Essa lei – asseverou – é fruto do cansaço, da saturação do povo com os maus tratos infligidos à coisa pública.” Irretocável o conceito.

Valendo já para as eleições deste ano, abrangendo inclusive ilícitos praticados no passado, antes da aprovação da norma pelo Congresso em 2010, a “Lei da Ficha Limpa” vai impedir a participação no prélio sucessório vindouro de políticos condenados em decisões colegiadas da Justiça (instância de 2º ou 3º grau), cassados pela Justiça Eleitoral, ou que renunciaram a cargos eletivos na iminência do enfrentamento, à época, de eventual processo legal de cassação de mandato. Uma horda de elementos, sem qualquer dúvida, indesejável num processo político democrático!

A cidadania acolhe jubilosamente a decisão. Ela já vem tarde. Como bem explicitou o já citado Ayres Brito, a palavra candidato tem que estar forçosamente entrelaçada com a idéia de depuração, de limpeza, de transparência, de conduta ética inquestionada. Um individuo que desfile pela passarela quase inteira do Código Penal, ou da Lei da Improbidade Administrativa não tem como ser lançado pelos partidos na telinha da tevê, a pedir voto de eleitor.


Números eloquentes das privatizações

 “A privatização, nos casos específicos em que se faça recomendável,
só pode ocorrer com o ressarcimento a valores justos dos bens transferidos.
 Afinal, são bens pertencentes ao patrimônio da Nação.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)

Os números – bem como as cartas, conforme assevera com fervorosa convicção uma conhecida, fissurada em práticas esotéricas – não mentem. Exprimem verdades nuas e cruas. Colocam o preto no branco, como era de costume dizer-se outrora. Propiciam análise objetiva de fatos, mesmo quando a alquimia distorcida da palavra se esforce por escamoteá-los.

Vejam só os números, considerados fantásticos por gente entendida, das mais recentes privatizações levadas a cabo no País! Aludimos, obviamente, às privatizações dos aeroportos de Brasília, Guarulhos e Campinas, acolhidas compreensivelmente em atmosfera de feérico entusiasmo. Renderam uma fábula. Transpuseram longe as expectativas gerais. Carrearam para os cofres públicos colossal soma. Correspondente, praticamente, à metade do valor estipulado pelo governo nos cortes orçamentários para o exercício. Pelo que se informou largamente, a outorga à iniciativa privada das concessões de exploração de Guarulhos, Campinas e Brasília resultou num ágio, em média, de 347 por cento. Tomados apenas os valores oferecidos pela concessão de Brasília, o índice do acréscimo apurado entre o lance mínimo fixado pra começo de conversa e a importância final ofertada à hora da batida do martelo, pelo consórcio que irá administrar o aeroporto, foi da ordem de 673 por cento.
Algo, sem sombra de dúvida, formidável.

A privatização de Guarulhos – maior aeroporto da América Latina, com 30 milhões de passageiros/ano – custou aos investidores 16 bilhões, 213 milhões de reais. A de Brasília, 4 bilhões e 501 milhões. A de Viracopos (Campinas), 3 bilhões, 821 milhões.

Além dos valores consignados no leilão, a serem quitados em prestações anuais, de acordo com o prazo de cada concessão, definido no edital, e que serão reajustadas pelo IPCA, uma outra contribuição, de caráter variável, em função das operações, será direcionada para o erário público. Trata-se de um percentual da receita bruta dos terminais, estipulado em 10 por cento no caso de Guarulhos; 5 por cento no caso de Campinas; e 2 por cento no caso de Brasília.

A dinheirama procedente das duas fontes será aplicada no Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC), destinando-se basicamente a projetos de desenvolvimento e fomento da aviação civil. Noutras palavras, será utilizada na modernização e expansão dos demais aeroportos sob comando estatal.

O sucesso dessa bem sucedida privatização vem levando as autoridades a planejarem futuros leilões na faixa aeroportuária, envolvendo provavelmente os terminais do “Galeão” (Rio de Janeiro), “Confins” (região metropolitana de Belo Horizonte), e “Salgado Filho” (Porto Alegre).

Tudo isso devidamente posto, sobra para meditação de todos nós algumas inescapáveis constatações. Privatização não precisa ser encarada como um “bicho de sete cabeças”. Situações podem surgir em que a privatização se torne recomendável. Nessa hipótese, assumindo o compromisso de promovê-la, os gestores da coisa pública terão que se esmerar para que o processo se timbre por rigorosa transparência. Muito mais do que isso: não podem, de modo algum, permitir que a operação se revele prejudicial ao interesse público. Ou seja, não podem deixar que ativos pertencentes ao patrimônio da Nação sejam cedidos, em operações suspeitosas, a empreendedores particulares, por valores abaixo da realidade. De outra parte, muitas atividades em que o Estado se acha engajado, identificadas como estratégicas, não podem e nem devem, em nome do interesse nacional, ser transferidas das mãos do governo para particulares. A exploração do petróleo sob o controle da Petrobras representa, nessa linha conceitual, um sonoro exemplo brasileiro. Querem um exemplo estrangeiro? A exploração do cobre, no Chile, que nem o governo Pinochet, com sua fúria privatizante, tão intensa quanto a repressão desencadeada contra adversários políticos, ousou desestatizar.

Fica restando, por derradeiro, uma pergunta que não quer calar: se o aeroporto de Guarulhos foi avaliado, em leilão, por mais de 16 bilhões de reais, sem contar a participação a ser adicionada aos cofres públicos sobre o resultado bruto das operações, porque cargas d’água, então, a Vale do Rio Doce inteirinha, segunda maior empresa brasileira, maior empresa minerária do mundo, foi transferida no governo FHC a grupos privados, porteira fechada, por 6 bilhões e 300 milhões de reais?  Hein?

*  Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

A SAGA LANDELL MOURA

Privatização que não deu certo

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