sexta-feira, 4 de maio de 2012

Recado curto e grosso


Cesar Vanucci *


"As grandes nações têm atuado sempre como assaltantes."
(Stanley Kubrick)


Nas relações políticas e econômicas com o resto do mundo, temos dito e repetido, as grandes potências deixam claramente configurada sua disposição imperial. "Façam o que eu digo e não o que eu faço": este o teor da determinação por elas transmitida à comunidade internacional. Nesse recado, curto e grosso, manda-se a sutileza às urtigas e escancara-se, para bom entendimento, a considerável disparidade do poderio econômico, tecnológico e militar existente entre eles e os outros.

No Conselho de Segurança das Nações Unidas, o veto de um desses países – Estados Unidos, Rússia, China, Inglaterra e França – é suficiente para tornar inócua qualquer aspiração nascida do consenso da assembléia geral, constituída de centenas de Estados. Em não poucas oportunidades, as chamadas grandes potências desafiam abertamente as deliberações de seus pares, assumindo posições unilaterais que consultam apenas seus egoísticos interesses. Não raramente também, esse tipo de ação dá vaza a alguma crítica por parte de outro componente do núcleo do veto. Mas o que acaba prevalecendo mesmo, aí, é uma espécie de "acordo de cavalheiros". A condenação acaba sendo expressa em termos que possam ser amortecidos no diálogo diplomático das chancelarias interessadas. Disso resulta uma certa condescendência recíproca com relação aos absurdos praticados por uns e outros.

Os Estados Unidos se recusaram, insensatamente, todo mundo se lembra, a firmar o "protocolo de Kyoto". O governo da Rússia foi, por outro lado, o último a apor assinatura no documento. Não é difícil calcular o tipo de pressão que estaria sendo exercida contra qualquer outro país, da lista dos emergentes e subdesenvolvidos, que se recusasse a figurar entre os signatários de uma decisão de tamanha magnitude, caso os Estados Unidos tivessem optado por apoiá-la.

No capítulo dos avanços tecnológicos espaciais e das experiências nucleares para fins pacíficos, o Brasil e outros países topam pela frente, volta e meia, com toda sorte de obstáculos e sanções externos. Procura-se impedir caminhem com as próprias pernas na busca das políticas que melhor se harmonizem com seus sagrados interesses. O monitoramento com relação ao que concebem e realizam, nesses domínios interditos, é implacável. "Façam o que eu mando e não o que eu faço". A palavra de ordem que chega, dos países com o domínio do conhecimento espacial e atômico, é incisiva. Enquanto torpedeiam com ameaças o desenvolvimento tecnológico dos outros, os "donos do mundo" entregam-se a frenéticos e, por vezes, diabólicos experimentos, ampliando as conquistas tecnológicas com vistas a bons negócios. Na guerra e na paz.

Os EUA romperam o tratado de não proliferação das armas de extermínio em massa, anunciando, logo depois, a criação de um fantástico complexo de blindagem antimíssil, sugestivamente chamado de "guerra nas estrelas". Enquanto isso, a Rússia, retomando o tom façanhudo de que havia se descartado logo após a debacle comunista, fala com espalhafato da construção de novas, inigualáveis e inimagináveis armas.

Não deixa de ser reconfortante perceber, no meio de tudo, que existe hoje uma consciência cívica coletiva altiva e aguerrida, em constante expansão, no Brasil, noutros países e, até mesmo, no seio das nações de presença hegemônica no mundo. É a sociedade humana se confessando inconformada com os rumos desvairados do planeta. Será dai, dos desejos de paz e dos anseios de progresso dominantes no sentimento das multidões, que acabarão brotando, mais na frente, transformações relevantes nas relações internacionais, na ordem econômica e na convivência social. Transformações que possam, finalmente, garantir para todos acesso pacífico aos benefícios do trabalho, do talento e da criatividade humana.


História escabrosa

 “O grupo era altamente estruturado
para cometer crimes graves.”
(Juiz Paulo de Lima)

Considerando as informações já juntadas pelo noticiário nosso de cada dia, essa história das aprontações de Carlinhos Cachoeira e seus comparsas da máfia composta de “gente bem”, não é tão escabrosa quanto se está a imaginar. É, em verdade, muito mais escabrosa do que jamais se conseguirá imaginar.

As engrenagens montadas pelo poderoso chefão, com forte respaldo em alguns figurões inescrupulosos nas esferas do poder, são reveladoras de que a organização criminosa desbaratada incorreu praticamente em quase todos os ilícitos capitulados nos Códigos. Lavagem de dinheiro, corrupção, peculato, evasão de divisas, contrabando, prevaricação, chantagens, achaques, violação de sigilos por meio de arapongagem eletrônica sistematicamente praticada. E, bem provavelmente, outras muitas malfeitorias ainda em vias de serem devidamente apuradas nas operações saneadoras da Polícia Federal e na CPI do Congresso. O grupo, na avaliação do juiz Paulo de Lima, personagem que deu contribuição valiosa para que as investigações fossem conduzidas a desfecho satisfatório, “era altamente profissionalizado, estável, permanente, habitual, estruturado, montado para cometer crimes graves”. Mantinha, de acordo com o magistrado, “estrutura organizacional e piramidal complexa (...), entranhada no seio do Estado com, inclusive, a distribuição centralizada de meios de comunicação para o desenvolvimento das atividades, visando o objetivo de inviabilizar a interferência das agências sérias de persecução.”

Foi com todo esse descomunal aparato que a quadrilha envolveu, de acordo com informações liberadas pelo inquérito policial, um senador da República, um ou dois governadores, políticos (notadamente do Estado de Goiás) de diferentes siglas, agentes públicos dos diversos poderes e, até mesmo – desoladoramente para uma categoria profissional que tem assumido na cena brasileira, com fervor e idealismo, posição decisiva no combate aos “crimes de colarinho branco” – alguns poucos jornalistas, deslumbrados com os sedutores métodos de aliciamento utilizados por Cachoeira. As interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça registram centenas de ligações trocadas pelo chefe da quadrilha com repórteres ávidos por informações extraídas fraudulentamente, com fitos claros de chantagem, pelo sistema de arapongagem eletrônica ilegal por ele implantado, há anos, em Brasília.

Carlinhos Cachoeira – e não apenas ele – valia-se nas operações de uma rede de gravações clandestinas operada há muitos anos por outras sinistras figuras. Um de seus eficientes comparsas nessa aterrorizante empreitada, já recolhido ao xilindró, é o ex-agente público militar Idalberto Martins de Araújo, também conhecido por Dada.

De acordo com a Polícia Federal, o esquema de espionagem por eles montado estendeu os tentáculos em tudo quanto é direção. Gravou telefonemas em repartições e domicílios, acessou dados sigilosos da Receita Federal e dos mais variados órgãos do Governo federal e dos Governos estaduais. E, igual ou bem pior que isso, estruturou e manteve com cuidadoso zelo um sistema permanente de ligações espúrias, para troca de informações sigilosas, com políticos graduados, agentes públicos, exercentes de funções de confiança no Executivo, Judiciário e Legislativo. Esse perverso intercâmbio favoreceu a elaboração de dossiês brandidos ameaçadoramente nas ações de subornos, chantagens, corrupção (e por aí vai...) desencadeadas pelos salteadores engravatados.

A CPI mista do Senado e Câmara dos Deputados, recentemente aprovada, tem condições plenas de poder deslindar, em todos os pormenores, essa vasta conspiração subversiva contra os interesses democráticos e republicanos. Representa um passo a mais nessa caminhada resoluta da sociedade no sentido de passar a limpo a vida pública, na busca do fortalecimento sempre crescente das instituições nacionais.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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