Assim, na democracia
Cesar Vanucci *
“A democracia é, antes de tudo, um estado de espírito.”
(Pierre Mendes France)
Ø A lei da ficha limpa representou um extraordinário avanço no processo de consolidação da democracia brasileira. A opinião pública soube reagir, com justa veemência, às solertes manobras feitas em alguns momentos por grupos e pessoas comprometidos com malfeitos repudiados pela consciência nacional no sentido de revogá-la ou de procrastinar indefinidamente sua aplicação. Ela despontou como resposta vigorosa da sociedade brasileira a abusos administrativos que todos almejamos ver, algum dia, banidos para sempre da cena pública.
Deixando evidenciada sincera e bem intencionada aspiração de ver a legislação aplicada em sua inteireza, doa a quem doer, muita gente vem chamando a atenção nas redes sociais para alguns personagens já devidamente caracterizados como incontestes “fichas-suja”. Dessa circunstância vem também tirando proveito uma minoria de ativistas, pescadores de águas turvas, que se vale maliciosamente dessa faculdade para promover inclusões indevidas, juridicamente incorretas, de nomes de desafetos e adversários, nas relações que têm sido amplamente disseminadas.
Esse procedimento maldoso pede muita cautela e atenção do distinto público, para que o processo não seja desvirtuado de seus reais objetivos, contaminado por manobras solertes a serviço de desforras, vinditas, perseguições mesquinhas.
Pelas regras, “ficha suja” é aquele individuo responsável por ação de improbidade ou de outro delito grave, indiciado, julgado e condenado em instância colegiada. Uma notícia solta, expondo alguém de militância pública não implica obrigatoriamente em sua culpabilidade. Esta só se configura em processo normal de apuração dos fatos, garantidos aos acusados sempre o direito de defesa. É assim que as coisas funcionam na Democracia.
Ø O Senador Aécio Cunha tem todo o direito do mundo de ocupar a tribuna parlamentar para tecer, como fez, enaltecedoras referências à atuação como homem público do Senador Demóstenes Torres, alvo neste momento de gravíssimas acusações. A liberdade de opinião é apanágio da democracia. A opinião pública tem todo o direito do mundo de criticar, como vem também fazendo nas redes sociais, o posicionamento do Senador Aécio Cunha. É assim que as coisas funcionam numa democracia. Já a grande mídia brasileira não tem o menor direito, quaisquer que sejam suas razões, de silenciar ou de simplesmente registrar com descomedida discrição um pronunciamento desse gênero, tendo-se em vista o peso da liderança de quem o formulou e as circunstâncias que rodeiam o momentoso episódio de que o parlamentar goiano é protagonista. Tal posicionamento passa léguas de distância do dever atribuído à comunicação social dentro do contexto democrático.
Ø Muita gente supunha que seria difícil pacas pintar no pedaço, a longo prazo, alguma celebridade, política ou não, em condições de superar o notório doutor Paulo Salim Maluf como “cara de pau” mor da República. As declarações e alegações do senador Demóstenes Torres, prestimoso parceiro do todo poderoso chefão Carlinhos Cachoeira, concorreram para que se esboroassem pra sempre essas suposições.
Ø O torcedor que conserva na lembrança as deslumbrantes imagens da coreografia traçada nos gramados do mundo pelo Cruzeiro dos tempos de Tostão, Dirceu Lopes, José Carlos, Piazza, Raul não pode deixar de sentir-se em tremendo desconforto com o padrão de futebol que o clube vem mostrando nesta melancólica fase de agora. Na partida com o Náutico, os atletas do time cometeram, com o seu atual estilo feio e retranqueiro, 46 faltas, recorde difícil de ser igualado. Que horror! As regras do futebol deveriam ser alteradas em casos assim. Deveriam fixar para excesso de faltas uma punição à altura. No curso da própria disputa. Com cobranças de pênaltis, que tal?
Números surpreendentes
“Surpreender-se, estranhar, é começar a entender.”
(Ortega y Garret)
Ø Minas continua a proporcionar incríveis surpresas com relação aos números que projetam suas contas públicas. Indoutrodia tomávamos conhecimento, incrédulos, dos valores de uma dívida pública colossal, insuspeitada da maioria.
De repente, não mais do que de repente, diria o poeta, o “déficit zero” da marquetagem caprichada e ultraeficiente, saiu precipitadamente do ar, cedendo lugar para que despontasse, com toda sua tintura dramática, uma dívida pública de quase 70 bilhões para com a União e uma outra dívida de mais de 5 bilhões com a Cemig, ambas oferecendo em face dos juros e correções cobrados aterrorizante tendência de crescimento. E não é que, agora, trazido à divulgação pelo Sindifisco, chega-nos, mais uma vez, outro número desnorteante! Vejam só: a dívida ativa acumulada do Estado de Minas Gerais, que de 27 bilhões em 2009, caiu ligeiramente para 26 bilhões e 700 milhões de reais em 2010, fechou no ano passado em 29 bilhões, 551 milhões, 541 mil, 302 reais e 36 centavos. A revelação é acrescida de que são de 24 bilhões, nos assentamentos do balanço patrimonial do Estado, as presumíveis “perdas de devedores duvidosos.”
São dados – ta na cara – que reclamam esclarecimentos mais completos de quem de direito. Algumas perguntas inevitáveis assomam como ponto de partida para discussão: Os valores podem ser classificados como “impagáveis”? Como está mesmo composta a relação de devedores? Quem são os maiores devedores, pessoas, empresas, setores? Não será o caso de fazer-se uma divulgação dos nomes dos devedores mais notórios? 30 bilhões – seja frisado – correspondem a quase a metade das dívidas oficiais do Estado.
Ø Não tenho, evidentemente, como confirmar a veracidade da informação. Mas como ela foi colhida em fontes que nós, repórteres, costumamos classificar genericamente de “confiáveis” animo-me a repassá-las aos poucos (posto que leais) leitores destas maldatilografadas. Aquele cara que andou dando chilique no aeroporto até ser intimado a cascar fora do avião debaixo de apupos, após vociferar seu azedo inconformismo diante do fato do comando do vôo ter sido confiado a uma pilota, acaba de ser distinguido com convites internacionais procedentes da Arábia Saudita, Afeganistão e Paquistão. Os autores dos convites confessam-se jubilosos com a possibilidade de tê-lo como expositor oficial em congressos e cursos organizados com o edificante propósito de divulgar os extraordinários benefícios proporcionados à coletividade pela prática permanente de atos que exaltem a supremacia machista no cotidiano de suas progressistas comunidades. Isso aí.
Ø O Ministro Gilmar Mendes acusou o ex-Presidente Lula de fazer-lhe proposta descabida atinente ao chamado mensalão. O ex-Presidente Lula reagiu, indignado, à denuncia. O ex-Ministro Nelson Jobim, única testemunha do encontro de Lula e Gilmar, negou a versão do segundo a respeito do teor da conversa. A grande mídia, deixando claramente expressa uma tendência, está dando guarida ampla nos comentários e noticiários aos argumentos de Gilmar. Noutras palavras: para ela Gilmar está certo, Lula está errado.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
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