Uma tese sobre buzinação
Cesar Vanucci *
“Todo buzinador inveterado carrega dentro de si
uma alma gentil ávida por mudança de sexo.”
(Professor Adamastor Abaeté)
Na tevê, são apontados os ruídos mais desagradáveis. Um deles: o estrondo de britadeira rasgando asfalto. Choro de bebê na calada da noite entra na lista. Riscar com as unhas a superfície verde das lousas antigamente conhecidas por “quadros-negros” é outro som indicado como capaz de quebrar o sossego público, no grau supliciante mais extremado.
Essa relação de barulhos incomodativos parece insuficiente. Não foram incluídas, pelo menos, três outras práticas atentatórias - quanto as que mais o sejam - aos bons costumes. Suscetíveis, por esse motivo, de atraírem sanções, na forma de degredo, a escolher entre o charme de Cabul e a hospitalidade de Bagdá. Primeira: as batidas belicosas do róqui bate-estaca. Segunda: o ruído arrepiante, de dar calafrio até em múmia egípcia, de dedo molhado deslizando no espelho. Terceira: a enlouquecedora buzinação que motoristas desvairados, a pretexto nenhum, aprontam no alucinante tráfego urbano.
O buzinaço remete à figura do professor Adamastor, dono de insólita tese acerca dos riscos à saúde decorrentes do emprego descontrolado da buzina. Antes de falar da tese, contemos algo sobre o autor. Adamastor, natural de Catas Altas da Noruega, é sociólogo, com mestrado em Kuala Lumpur , onde residiu à época em que o pai exercia função diplomática. Acompanhando o genitor em sua peregrinação profissional, morou em dezenas de países. Aprendeu idiomas, entre eles o mandarim. Em momento de desencanto, ruptura de casamento (quinto de longa série) com uma atriz croata, alistou-se na Legião Estrangeira, indo servir no Saara tunisiano. Da convivência com culturas do oriente nasceu provavelmente sua inclinação para vivências ocultistas. Prestou serviços como escafandrista em Luxor. Foi pintor de quadros na Riviera. Atuou, ainda, como sertanista, no Roncador. Em Belô, onde residiu por alguns anos, ali por volta do sétimo casório, andou ministrando aulas de física quântica e esperanto. Cometeu livro de versos e se envolveu na preparação de um filme nunca rodado. Sumiu, ao depois, do mapa. Uns dizem que se recolheu a monastério na Capadócia. Outros garantem que anda por aqui mesmo, curtindo as bem-aventuranças ecológicas de uma próspera quinta recebida como herança, lá nas bandas de São José do Mantimento.
Chegamos, finalmente, à tese do polimorfo ensaista. Juntando conceitos de gente respeitada em estudos de comportamento com pesquisas e intuições pessoais, o homem sustenta, com ardorosa convicção, a idéia de que a buzinação é conseqüência fatal de insopitável anseio, do desalmado buzinador, de que se possa operar, algum dia, uma radical mudança sexual em sua anatomia. Até mesmo, pegando ao pé da letra o significado médico do verbo, recorrendo aos préstimos profissionais daquele cirurgião do Paquistão que adquiriu sólida fama mundial em operações transexuais.
O professor entrega copiosa argumentação. Casos de buzinadores inveterados, por ele próprio, exaustivamente, acompanhados. Um deles: rapaz de família abastada, morador do Carmo-Sion. Dono de frota de carros, marido de socialites. De repente, não mais que de repente, chutou tudo pra corner. Mandou-se para Paris, depois de apoquentar, anos a fio, os ouvidos alheios e a tranqüilidade das ruas com diabólicas partituras de buzina. Buzinava sem parar. Saindo e chegando. Pra chamar a atenção de alguém. Nos cruzamentos e sinais, exigindo passagem. Comemorando sempre não se sabe bem o quê. Lá onde reside ocupa, prazerosamente, o cargo de presidente do Sindicato dos Travestis da praça Pigale. Mais um caso: o de uma jovem do Calafate. Cumpria, também exemplarmente, por onde circulava, a sina inapelável da buzinadora frenética. O berro emitido era do estribilho do hino do clube de sua paixão. Largou amigos e familiares. Foi bater com os costados em Manila. Convolou núpcias com uma halterofilista filipina, de origem cigana. Participa, na atualidade, de disputas de sumô, enfrentando galhardamente avantajados especialistas japoneses.
A tese, damas e cavalheiros um tanto quanto chegados à buzinação imoderada, é da responsabilidade exclusiva do Adamastor. Sua, a frase prefacial destas maltraçadas. Esse desajeitado escriba não tem nada a ver com isso.
O discurso do Senador
“Usa-se uma entrevista que não houve para,
mais uma vez, tentar indigitar o ex-Presidente.”
(Senador Roberto Requião)
O pronunciamento do Senador Roberto Requião, solidarizando-se com o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva diante da avalancha de insultos pesados com que vem sendo alvejado por parte de alguns oposicionistas e de grupos midiáticos poderosos, faz por merecer uma boa reflexão.
O ex-Governador do Paraná é veemente nas afirmações. Colocando pingos nos iis, assegura que os ataques são ditados por oportunismo, irresponsabilidade, ciumeira e ressentimento. Acrescenta que os responsáveis pela desabrida campanha são pessoas que jamais “desculparão” a chegada “do retirante nordestino à Presidência da República.” “A ascensão do metalúrgico talvez fosse aceita, mas não a do pau-de-arara! Este, não!”- exclama.
Contundência não falta, é de se ver, no discurso. Mas contundência também não tem faltado, verdade seja dita, em manifestações da mídia anotadas, como exemplos, por Requião, por ele classificadas de desrespeitosas e grosseiras ao ex-Presidente e à atual chefe da Nação.
Um lance específico, da mais pura baixaria, é mencionado. “Por vários dias, a nossa gloriosa grande mídia deu enorme destaque às peripécias de uma pobre mulher, certamente drogada, certamente alcoolizada, certamente deficiente mental que teria tentado invadir o Palácio do Planalto, dizendo-se “marido” da Presidente.” Requião conta que “sem qualquer pudor, sem o menor traço de respeito humano”, jornal de grande circulação nacional transformou “a infeliz em personagem, em celebridade”, chegando mesmo ao absurdo de “destacar repórter para “entrevistar” a mãe da tal mulher, meu Deus!”
Na avaliação do ex-Governador do Paraná, o que parece menos contar, hoje, na oposição, são os partidos, bastante fragilizados. “O que mais conta, o que pesa mesmo, o que é significante, é a mídia”, ou seja, segundo suas palavras, um seleto grupo de jornais, televisões e rádios “que consome mais de 80 por cento das verbas estatais de propaganda”. Acentua, a esse respeito, que um “conjunto de articulistas e blogueiros desfrutáveis” responde na atualidade pela “posição oposicionista nos meios de comunicação”. Usa “uma entrevista que não houve para, mais uma vez, tentar indigitar o ex-Presidente”. Recorda o Senador que, anteriormente, “tivemos o famosíssimo grampo sem áudio”, que levou a uma situação bastante hilária: “a transcrição do áudio inexistente mostrava-se extremamente favorável aos grampeados”. Acrescenta: “Um grampo a favor. E sem áudio. Lembram? Houve até quem quisesse o impeachment de Lula pelo grampo sem áudio e a favor dos grampeados. Houve até quem ameaçasse bater no Presidente.”
Às tantas de sua fala, reportando-se à circunstância de que seu mandato como governador coincidiu com o período dos oito anos da gestão Lula, Roberto Requião faz questão de sublinhar que, “por diversas vezes, inúmeras vezes, manifestei discordância com sua forma de governar, com suas decisões ou indecisões, especialmente em relação à política econômica, à submissão do país ao capitalismo financeiro, aos rentistas.” Mas isso, garante, não o impede, agora, de reconhecer que “não foi pouco o que Lula fez para os pobres.” “Apenas corações empedrados por privilégios de classe, apenas almas endurecidas pelos séculos e séculos de mandonismo, de autoritarismo, de prepotência e de desprezo pelos trabalhadores podem explicar esse combate contínuo aos programas de inclusão das camadas mais pobres dos brasileiros ao maravilhoso mundo do consumo de três refeições ao dia.”, assevera, na complementação dessa parte das considerações.
A crítica do Senador ao comportamento escancaradamente hostil de boa parte da mídia a Lula e Dilma – mídia essa que finge não saber da simpatia e gratidão que a grande maioria da sociedade brasileira comprovadamente devota a ambos – volta-se para dois aspectos bem sugestivos. Um deles: revelam-se assustadores os “pontos de contato entre o jornalismo e o colunismo de antes de 64 e o jornalismo e o colunismo político dos dias de hoje.” O outro aspecto reportado diz respeito a comparações entre o que se tenta fazer agora com Lula, por conta das políticas sociais, com o que se tentou fazer, no passado, com Vargas, “quando criou a CLT, o salário mínimo, as férias e descanso remunerados, a previdência social”, ou com Juscelino, “quando ele decidiu afrontar o FMI e suas infamantes condições para liberação de financiamento.” Todos esses governantes foram falsa e impiedosamente acusados pela mídia de ações de improbidade.
Arremata o parlamentar: “Qualquer coisa que beneficie os trabalhadores, que dê um sopro de vida e de esperança aos mais pobres, que compense minimamente os deserdados e humilhados, qualquer coisa, por modesta que seja, que cutuque os privilégios da casa grande, é imediatamente classificada como populismo.”
As palavras de Requião são de molde a fomentar discussões acaloradas. Mas, também, chamam todos os militantes da nobre atividade da comunicação social, a uma reflexão aprofundada sobre o sentido da missão institucional que lhes toca no contexto político do País.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
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