Tempestade de areia
“Está entrando areia na Primavera Árabe”.
(Antônio Luiz da Costa)
A tempestade de areia que ora tolda os horizontes políticos da Nação dos faraós parece passar desapercebida às grandes potencias e à grande mídia internacional. Enigmáticos que nem a Esfinge de Gizé, apegados ferrenhamente às suas egoísticas conveniências geo-político-econômicas, esses setores recusam-se a emitir qualquer palavra de condenação, de critica mais inflamada, de censura por vias diplomáticas às inocultáveis peripécias antidemocráticas praticadas pelos verdadeiros “donos do poder” no Cairo.
Enquanto isso, imersa numa guerra civil marcada pela rotina do terror, a Síria põe à prova a impotência da comunidade das nações para achar saídas na crise humanitária de tremendas proporções que se abate sobre uma região estratégica dominada por bestial despotismo e antagonismos tribais enraizados. O massacre sistemático de civis, conduzido pelas forças leais ao ditador Bashar al-Assad, já com quase dois anos de duração, comportando represálias virulentas dos opositores, tal qual aconteceu na Líbia, causa perplexidade e indignação, sem todavia gerar ações diplomáticas eficazes capazes de porem cobro à terrível situação.
Os esforços da ONU no sentido de uma trégua esbarram em intransigências, vetos e conveniências variadas, no momento intransponíveis.
O apavorante conflito encerra, na verdade, aspectos deveras singulares. Entre os oponentes do déspota que se agarra, a exemplo dos generais egípcios, ao desejo de se perpetuar no poder está a sinistra Al Qaeda. Esta circunstância leva não poucos observadores a sustentarem a tese de que a intenção secreta de alguns é deixar tudo como está pra ver como é que fica. A incandescente retórica de condenação aos atos da ditadura síria não passaria assim de uma espécie de camuflagem face aos rumos imprevisíveis que a apavorante contenda pode acabar assumindo. A geopolítica, sempre ela, comporta coisas assim, gente boa.
Senhores de direitos e deveres
“Consideramos estas verdades como evidentes por si: que todos os homens s
ão criados iguais; que são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis;
que entre esses direitos estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade.."
(Thomaz Jefferson 1743-1826, Declaração da Independência Americana)
A vida em sociedade cobra deveres e prodigaliza direitos. Uma coisa conectada naturalmente com a outra coisa. Ambas traduzindo valores indissociáveis na convivência. Todo o arcabouço social repousa em tais vigas mestras: o cumprimento do dever e o respeito aos direitos humanos. Augusto Comte fala magistralmente dessa simbiose que preside a ação humana: “Ninguém possui outro direito senão o de sempre fazer o seu dever”.
Está visto que o exercício da cidadania só pode vicejar e florescer em ambientes onde se possa respirar o oxigênio das liberdades públicas. Os regimes despóticos aborrecem a cidadania. Conspurcam-na. Negam-na como atributo da personalidade e dignidade humana.
Em nossos tempos, a força da cidadania vem crescendo de forma auspiciosa. Da conjugação de vontades de multidões interessadas na construção de um mundo melhor e, justamente por isso, desejosas de estender seu exercício aos limites máximos permitidos pelo bom senso e consciência humanos, têm nascido conquistas preciosas. Há um entendimento cada dia mais universalizado de que os direitos pessoais, como propunha Thomas Paine, são uma espécie de propriedade do tipo mais sagrado. Aceitar que o outro é portador desses direitos é uma forma de fazer reconhecida a condição idêntica de que somos também investidos.
A milenar sabedoria indiana, refletida na palavra de Sai Baba, fala-nos de um instante histórico singular, dominado não pelas trevas, ao contrário do que muita gente supõe, mas por uma luminosidade ofuscante. As consequências positivas desse estado de espírito universal estão evidenciadas na “tolerância zero” da sociedade humana dos tempos atuais em relação a atitudes comportamentais defeituosas até algum tempo atrás aceitas sem maiores questionamentos. Defeitos esses recebidos em meio a sussurros condenatórios, mas de qualquer forma complacentes com o erro, lançados automaticamente debaixo do tapete das conveniências mundanas.
No mais, buscando um roteiro para essa pugna permanente que a prática da cidadania nos exige, esforcemo-nos por proceder como recomenda, liricamente, o poeta Ledo Ivo: “Teu dever é este: lembrar, sendo antigo; amar, sendo humano; morrer, sendo vivo; e cantar o mundo com uma linguagem que é comum tesouro de todos os homens.”
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
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