Os tons prediletos do leitor
Cesar Vanucci *
“Pornô para mulheres”.
(Definição do crítico inglês Charles Burton
sobre o livro “Os cinquenta tons de cinza”)
No aeroporto, à espera de embarque, surpreendo, até onde a vista alcança, oito passageiros absorvidos na leitura de livro. O título do livro é o mesmo em todos os casos. Na agência de revistas e jornais, concluindo uma compra, deparo-me, na fila do caixa, com três pessoas pedindo embrulho pra presente de exemplares de uma mesma publicação, retirada de uma pilha exposta com grande visibilidade na estante central. Na sorveteria sofisticada, provida de produtos de primeira linha, onde os preços de uma casquinha para um grupo de seis pessoas, em lazer domingueiro, quase se equiparam ao valor de uma entrada de apartamento na zona sul, duas adolescentes, o exemplar exposto na mesa, trocam idéias, animadamente, sobre um trecho do livro. No mesmo dia, sou presenteado por alguém de meu círculo de amizades com o tal livro. Em todas as situações descritas os personagens fazem parte do outrora chamado sexo frágil.
Hora de citar o título do livro: “Os cinquenta tons de Cinza”, da escritora inglesa Erika Leonard James. Os lances que testemunho constituem amostra exuberante de um fenômeno editorial que ganhou, como fico sabendo, extensão mundial. O agora mais procurado romance nas livrarias do mundo inteiro já acusa a incrível façanha de 2 milhões e 500 mil exemplares, distribuídos em versões correspondentes a dezenas de idiomas.
Mas, afinal de contas, que obra tão especial é essa que está a provocar, sobretudo em redutos femininos, onda de interesse tão avassalador? Uma apreciação crítica singela, de fôlego curto, revela, à simples leitura dos primeiros capítulos, que não se trata de nenhuma produção primorosa, em condições de identificar na autora personagem em condições de galgar as culminâncias do talento criativo literário, como poderia parecer, a princípio, frente ao estonteante sucesso de vendas. Nada sugere na trama e no estilo narrativo os traços de um romancista fulgurante, digno de reverencias por parte do público leitor.
Definido como um “pornô para mulheres” por críticos literários irreverentes, que se revelaram compreensivelmente intrigados com a contaminante reação do público, tudo faz crer que esse fenômeno literário nasceu de um boca-a-boca incrementado que acabou ganhando inacreditável proporção mundial, bem administrado nas eficientes estratégias marqueteiras da editora.
“Os cinquenta tons de cinza” é, em suma, um tipo de publicação que poderia ter passado perfeitamente desapercebida às atenções dos adeptos da leitura, desde que todos nos ativéssemos a avaliá-la estritamente pelo mérito literário. O enredo reporta-se a uma ligação afetiva com características mórbidas. Garota pacata, de aparência comum, vida quase nula no quesito relacionamento, afeiçoa-se a um magnata acostumado a subjugar as pessoas ao seu redor. Ambos envolvem-se em práticas desvairadas daquilo que se convencionou designar pela sigla de BDSM, ou seja, bandagismo, dominação, sadismo e masoquismo, temas abordados com extrema crueza no linguajar. Algo que pode ser descrito como cenas exacerbadas e de muita vulgaridade de “sexo explicito”, permeadas de blablablá romântico, de algum modo até pueril, diálogos que roçam as fimbrias da chulice.
Acerca da obra diga-se ainda que é baseada na trilogia da controvertida história vampiresca de “Crepúsculo”, pra meu gosto e de muita gente, uma história de babaquice sem tamanho.
O êxito espantoso do livro, talvez não previsto de início pela autora e nem pela editora, vai seguramente fazer desse best-seller, não demora muito, um filme. Com toda certeza, de grande bilheteria. Aguardar pra ver.
Depardieu e Bardot
“Quando o dinheiro fala, o bom senso fica mudo.”
(Provérbio belga)
Que baita papelão o deste ator francês, Gérard Depardieu! Recorrer a asilo político para não ter que pagar imposto sobre fortuna adquirida é o fim da picada. Astro de filmes como “Cyrano de Bergerac” e “Green Card – Passaporte para o amor”, Depardieu reagiu com furor, a exemplo de outros bilionários franceses, ao anúncio do governo de seu país no sentido de elevar a alíquota de impostos para pessoas que ostentem rendimentos mensais superiores a 1 milhão de euros, ou seja, quase 3 milhões de reais. Adquiriu propriedade na cidade belga de Néchin, refúgio tradicional de franceses ricos que querem fugir da tributação. Confessou, ao depois, inabalável disposição em abdicar da cidadania francesa. Tudo por causa da ameaça de mordida do “leão”. Cientificado de que essa condição só é permitida ao cidadão que possua título de naturalização em outro país, recorreu a Vladimir Putin. O dirigente moscovita, mais do que depressa, em ato de vulgar oportunismo, assinou decreto concedendo a naturalização pleiteada.
Depardieu, além de ator, por sinal excelente, conhecido pela interpretação da figura cômica Obelix e, mais recentemente, do místico russo Rasputin, é empresário bem-sucedido, dono de vinhedos e restaurantes.
Seu gesto, como não poderia deixar de ser, pegou mal à beça. Deixou nódoa de pusilanimidade em seu currículo. O ator optou por alinhar-se com a legião de pessoas muito endinheiradas que, no mundo inteiro, nos Estados Unidos de modo especial - como se viu agora nas eleições –, consideram um despropósito e até mesmo intolerável invasão de privacidade a taxação de tributos contra ganhos elevados, ora, veja, pois...
Bem diferente a postura da Brigitte Bardot, musa de gerações aos tempos de atriz, hoje respeitada líder conservacionista. Ao ameaçar seguir o exemplo de seu compatriota e colega de profissão e requerer também a cidadania russa age de forma imprudente, denotando ausência de bom senso. Mas a justificação apresentada encerra um certo toque de grandeza: Brigitte está a se insurgir contra a crueldade sistemática a que são submetidos os chamados animais irracionais. Mas como essa prática perversa é universal, o que restaria mesmo para ela fazer seria requerer cidadania marciana.
Eu já andava intrigado pacas com o “chá de sumiço” tomado por aquela garotinha do São Benedito, moradora na rua que divide os municípios de Belo Horizonte e Santa Luzia. Volta e meia, alguém ligado à dita cuja, Marildinha o seu nome, trazia-me episódio referente à curiosidade, traduzida muitas vezes em perguntas consideradas desconcertantes, conforme o ambiente até mesmo irreverentes, expressa pela menor diante de situações que não consegue entender e que as pessoas encontram, geralmente, dificuldades em explicar.
O fato é que, dia desses, pelo que fiquei sabendo, numa reunião a que esteve presente um membro da comissão organizadora da Copa, Marildinha deixou cair, de repente, a seguinte pergunta: - Escuta aqui, a venda de bebida alcoólica é proibida nos Estádios durante a realização de jogos de futebol?
Diante da resposta afirmativa, ela retornou a carga: - “E por que essa proibição vai deixar de existir na Copa? Os “hoolligans” das torcidas estrangeiras bebem menos e são mais comportados do que os nossos?”
Fogo essa Marildinha.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
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