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"X Encontro Cultural da Academia"
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O que se quer de Francisco
Cesar Vanucci *
“A mensagem pontifícia é uma mensagem
de esperança. Não uma promessa de utopia.”
(Alceu Amoroso Lima)
A escolha do Cardeal “hermano”, agregando novo elemento de surpresa aos acontecimentos vividos ultimamente no seio da Igreja, comprovou o acerto do alerta prévio de experimentados vaticanistas, quando afiançaram que todos os cardeais festejados pela mídia como possíveis Pontífices deixam sempre a Capela Sistina, após a votação secreta, como Cardeais.
O argentino Jorge Mario Bergoglio não teve o nome lembrado nas especulações que antecederam o conclave. O noticiário apontou outros altos dignitários eclesiásticos. Do Brasil, Itália, Colômbia, Canadá, Filipinas e continente africano. Mas a designação acabou atendendo, verdade seja dita, a ardente anseio popular, nos redutos católicos e mesmo fora desses redutos, configurado na idéia de que o sucessor de Bento XVI despontasse de alguma região do planeta, que não a Europa, onde o sentimento devocional cristão se revelasse mais pujante. Sob esse aspecto, o Espírito Santo – assegura-me amigo fraternal de exemplar vivência religiosa – ouviu as nossas preces. O novo Papa, com militância sacerdotal na América do Sul,parece conhecer de sobra as necessidades e dramas dos tempos atuais. É, ao que tudo faz crer, pessoa bastante consciente dos árduos caminhos que terão de ser percorridos, como orientador espiritual, na gigantesca obra de restauração da vida espiritual, social e econômica para que a humanidade venha a desfrutar dos benefícios da liberdade e justiça social em abundância.
E nem se queira aferir dos fatos alusivos à sucessão papal, que tão ruidosa repercussão alcançaram, que as questões suscitadas digam respeito tão somente, exclusivamente, aos adeptos do catolicismo. A força espiritual e moral da Igreja sobre os destinos humanos conduz, mesmo os que não sejam cristãos ou discordem da orientação de Roma, a acompanharem com vivo interesse as ações pontifícias. De uma maneira ou de outra, elas sempre influenciam a humanidade.
É compreensível, à vista disso, portanto, que todo mundo, católico ou não, cristão ou não, se ponha a esperar de Francisco um desempenho em harmonia com as exigências cruciais da sociedade humana destes tempos conturbados. Colocar as coisas em ordem, corrigindo os desacertos e calamidades provocados pelo Banco do Vaticano, pela desídia da Cúria na avaliação dos escândalos de pedofilia e outros, afigura-se dever de casa essencial. O exame meticuloso, à luz da autêntica espiritualidade, de outras questões momentosas fazem também parte da empreitada a enfrentar. Registremos algumas delas: celibato sacerdotal (já assegurado, de há muito, pela própria Igreja Católica Apostólica Romana a clérigos do oriente); ordenação de mulheres; reavaliação de conceitos dogmáticos estratificados em função de conquistas da ciência; condenação decidida às tiranias políticas, à ordem econômica e social injusta, ao racismo desapiedado e à homofobia; às guerras do terror e ao terror das guerras. Tudo isso é parte relevante do trabalho apostólico a ser encetado. E o que não dizer da criação de uma base de sustentação sólida ao exercício permanente do ecumenismo, a partir da aceitação de que as religiões, todas elas, são caminhos diversificados que, lá na frente, convergem para um único e sublime objetivo? À Igreja Católica caberia o papel mais proeminente na coordenação dessa conjugação de esforços voltada para o ideal de uma autêntica confraternização universal.
O currículo do novo Pontífice revela que esse cidadão de sorriso simpático, lembrando um pouco João XXIII, um pouco João Paulo I, é detentor de hábitos singelos, tendo se destacado, no trabalho pastoral em seu país de origem, por atitudes vanguardeiras no plano social. Tem-se noticia também de que sua postura diante da feroz ditadura militar portenha mostrou-se um tanto controvertida. Teria sido omissa em certos momentos, a ponto de merecer acerbas críticas de respeitados ativistas políticos. Mas há relatos também de intervenções corajosas que tomou e que ajudaram a proteger vidas ameaçadas pela repressão irracional que dominou o cenário portenho.
O que nos pomos, todos, com esperança, a aguardar, é que, no tocante à política de direitos humanos, ele assuma sempre, sem hesitações, doa a quem doer, a defesa intransigente dos valores que conferem dignidade à aventura humana. O Papa que adotou o nome de Francisco – numa sugestiva evocação a dois Santos da especial devoção popular, um deles comprometido com a inclusão humana e social e o outro engajado no titânico esforço de desfazer incompreensíveis malquerenças religiosas – parece forjado a promover o desencadeamento do vasto e complexo processo de realinhamento da Igreja, fiel aos princípios espirituais e humanísticos, com os mais ardorosos e generosos desejos dos homens e mulheres de boa vontade que povoam este planeta azul. A esperança de todos é vê-lo, do alto de sua cátedra, empenhado na construção de uma ordem política, social e econômica que seja capaz de assegurar a universalidade do bem estar social e da paz duradoura.
Peagadês em maracutaia
Cesar Vanucci *
“Patifes, sim, mas sem mais abrir mão da postura
Austera dos cidadãos honrados acima de qualquer suspeita!”
(Antônio Luiz da Costa, acerca dos bandidos do “colarinho branco”
responsáveis pelo escândalo da “bolha imobiliária”)
Documentário estadunidense exibido noite dessas na televisão brasileira deixou gravada no espírito das pessoas a estranha sensação de que, em matéria de crimes do “colarinho branco”, os malfeitores tupiniquins talvez não passem de simplórios alunos de jardim de infância, quando comparados com seus êmulos norte-americanos. Estes, sim, no duro da batatolina, peagadês laureados em safadezas cometidas com o dinheiro do contribuinte. (Que a comparação não seja de molde, contudo, para produzir qualquer tipo de consolo, é o meu desejo sincero).
O relato ocupa-se da monumental maracutaia que se fez universalmente conhecida por “bolha imobiliária” e que impactou de roldão a economia de dezenas de países, com sequelas até aqui incicatrizáveis. Mostra que as fraudes foram executadas com consciência plena do horror que estavam fadadas a desencadear. Contaram com a omissão criminosa das autoridades e conivência descarada dos órgãos institucionalmente encarregados do monitoramento e regulamentação das atividades negociais, o que desmente frontalmente a tese da existência de legislação severa naquelas bandas - coisa de que o Brasil, por exemplo, se ressentiria - para coibir agressões virulentas à economia popular. Junção de conveniências espúrias colocou de um mesmo lado grupos financeiros poderosos, lideranças políticas, agências de risco “respeitáveis”. Essas mesmas que vivem aporrinhando com suas pontuações manipuladas a paciência dos países emergentes. O inocultável propósito dessa “tchurma”, considerada “acima de qualquer suspeita”, foi o de aplicar um golpe de colossais proporções. Centenas de bilhões de dólares (há quem fale em trilhões) foram, assim, dissipados do Tesouro, da poupança popular, dos fundos de pensão, nos Estados Unidos e noutros países, para atender à voracidade insaciável da megaespeculação acionada pelo sistema financeiro, que fomentou no capricho a crise e dela conseguiu sair ileso, largando conta pesada a ser paga pelo Erário e população.
Da vasta conspiração – fica-se sabendo com detalhes - participaram também elementos de projeção nos círculos acadêmicos estadunidenses. Pensadores econômicos de renome, recrutados em Universidades famosas, prestaram valiosos serviços à inglória causa. Remunerados a peso de ouro, contrapuseram-se aguerridamente às tentativas de regulamentação, esboçadas antes, durante e depois da crise, do despoliciado setor financeiro. Contribuiram com seus conceitos e teses rançosos em favor da liberdade de iniciativa (leia-se libertinagem no lugar de liberdade) para que o sistema bancário pudesse, na busca frenética por ganhos vorazes, agir com o despudorado desembaraço que caracterizou o seu desempenho nas patifarias perpetradas.
As averiguações sobre os gravíssimos acontecimentos ocorridos na terra do Tio Sam trouxeram, uma atrás da outra, revelações sempre estarrecedoras. O setor financeiro valeu-se ostensivamente do eficiente concurso de três mil qualificados lobistas junto ao Congresso, a fim de fazer prevalecer suas teses desabridas sobre economia de mercado. Os grandes responsáveis pela debacle, todos “cidadãos ilibados”, com os prontuários devidamente levantados, permaneceram com as fortunas intactas. Não poucos ainda, entre eles, receberam, das respectivas organizações – envolvidas na megatramoia – vultosas quantias a título de bonificação, pela “boa gestão dos negócios” no período agudo em que grassou a pandemia das fraudes hipotecárias. O socorro do Tesouro, uma nota preta, beneficiou as corporações causadoras do abalo, mas não as milhares de famílias que perderam por inteiro seus haveres. Desses milhares, uma verdadeira multidão, a partir do momento em que se viu despojada de suas moradias, passou a habitar tendas em vias públicas, numa versão tipicamente americana de “moradores de rua”.
Não faltaram, em meio à implantação paulatina da catástrofe financeira, os alertas de setores lúcidos da opinião pública. Mas os executores do danoso projeto não se tocaram em nada. Diante da chegada iminente do tsunami se limitaram a sugerir, como lembrou alguém, algumas opções sobre o tipo de maiô a ser usado na praia.
E da água brotou estrela
“Não procurem entender os desígnios de Deus.”
(Padre Francisco, de saudosa memória)
No livro “Um certo Dom”, em que retrato passagens da lendária história do grande brasileiro e saudoso Arcebispo Alexandre Gonçalves Amaral, falo das visitas periódicas que o ilustre Prelado fazia, espichando as viagens a Belo Horizonte, a um refugio de paz, amor e orações chamado Mosteiro Nossa Senhora da Glória, localizado em Macaúbas.
Quem costumava levá-lo de carro até aquelas paragens era minha esposa Addi, que acabou ficando conhecida das religiosas do lugar como a “chofer de Dom Alexandre”.
Tal circunstância permitiu-lhe aproximação extremamente grata com uma figura humana maravilhosa, acrisolada de dons muito especiais, a Irmã Maria da Glória. Essa meiga criatura, que fez da vida, pela oração e com demonstrações contínuas de amor ao próximo, um diálogo permanente com Deus, nutria por Dom Alexandre filial afeição. Ele, a seu turno, dispensava-lhe, bem como às suas companheiras de clausura, paternal solicitude. Esse entrelaçar de relacionamento fraternal e afetividade criou o pano de fundo propício a uma situação cheia de encantamento, se bem que misteriosa, que acabou colocando em nossas mãos, minhas e da esposa, um presente inesperado. Um relicário muito valioso.
No livro já mencionado prometo contar, noutro momento, o que se passou. Cumpro, agora, a promessa.
A respeito da Irmã Maria da Glória é bom registrar que, à sua volta, independentemente – como é obvio supor – de sua vontade, estabeleceu-se, por força de edificantes lições de vida, uma poderosa e contaminante onda de empatia popular, que não deixou de tomar, com os tempos, a clara feição de uma devoção. Para um contingente apreciável de pessoas, a trajetória da freira de Macaúbas pela pátria terrena ganhou timbre de santidade. A crença comunitária a esse respeito brotou da postura humilde, impregnada de humanismo e espiritualidade, assumida, vida afora, pela religiosa. As informações transmitidas, boca a boca, relativas a graças alcançadas com sua intermediação, eram e continuam sendo numerosas. Muitas das notícias reportam-se a fatos considerados prodigiosos, na avaliação singela dos devotos.
Tudo começou, neste episódio que estou em condições de relatar, com um frasco de água benta trazido do Mosteiro, depois de um encontro com a saudosa Irmã. Porções do conteúdo do frasco foram oferecidas, no curso de algum tempo, a amigos e conhecidos. O restante do líquido foi deixado num copo de cristal que permaneceu guardado por meses num armário. Quando, num belo dia, o copo foi retirado da prateleira, deparamo-nos em casa, entre perplexos e comovidos, com surpreendente e instigante revelação. A água benta havia se evaporado toda. Mas no fundo do copo de cristal podia ser claramente distinguida uma crosta de forma circular com enigmática sinalização: muitas estrelas e cruzes. Uma pergunta desconcertante nos acorreu de pronto: figurações geométricas podem surgir de um processo de evaporação numa superfície de vidro? Pusemos água benta, de variadas procedências, e água de filtro noutros copos idênticos e ficamos esperando pelos resultados. Nada ligeiramente parecido aconteceu. A história do copo foi levada ao conhecimento da própria Irmã Maria da Glória antes que ela “partisse primeiro”.
A resposta que deu ao pedido de explicação acerca do – chamemos assim – intrigante fenômeno tomou a forma de um sorriso franco, escancarado, encharcado de suavidade e santa ternura, algo muito seu.
Um venerável sacerdote da comunidade da Boa Viagem, Padre Francisco, já falecido, examinou os incríveis caracteres do copo, brindando-nos com observação igualmente enigmática: “Não procurem entender os desígnios de Deus.”
Desfecho da história: com alguns sinais já esmaecidos pelo perpassar dos anos, o copo é conservado, ainda hoje, como um precioso relicário.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
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