Sequência de “Casablanca”
Cesar Vanucci *
"O cinema é infinito – não se mede."
(Vinicius de Moraes)
“Casablanca” é titulo obrigatório em qualquer lista que se elabore de filmes que deixaram marca para sempre na memória dos espectadores. Por essa razão a noticia de que produtores de Hollywood cogitam reviver, numa super produção, a atmosfera romântica inolvidável das cenas protagonizadas por Humphrey Bogard e Ingrid Bergman, lançando uma sequência da fita onde possa ocorrer o reencontro dos personagens perdidamente enamorados, por força do destino irremediavelmente separados, não deixa de ser acolhida com interesse e, até mesmo, simpatia.
Como, anos atrás, num artigo intitulado “Revisitando Casablanca”, andei fazendo algumas elucubrações como cinemeiro, a respeito da hipótese de uma reaproximação do casal, considerei de bom alvitre reproduzir aqui o texto então lançado. Vamos lá.
A Rede Globo, que detém entre as concorrentes em escala mundial a supremacia absoluta em dramaturgia de qualidade, possui um setor dedicado a consultas aos telespectadores, levantando opiniões quanto ao destino dos personagens nas novelas. Não sei honestamente dizer se tal intervenção é boa ou não para o enredo. Mas sei que as impressões colhidas têm peso no desfecho das tramas. Acontece, às vezes, de o autor ser induzido a reformular a trajetória inicialmente traçada. Parcerias românticas podem ser, desse modo, desfeitas ou compostas, para gáudio da fiel torcida.
Imagino, vez por outra, embora divisando, já ai, dificuldades bem maiores na execução do esquema de apuração das tendências do público, como seria bacana para os cinemeiros, caso pudessem, também, a seu turno, influir na condução das histórias de seu agrado, envolvendo heróis, heroínas e vilões. A única fórmula que me ocorre, danada de complexa, de fazer as coisas acontecerem, aplicável a fitas de sucesso, seria garantir, com sugestões e palpites do espectador, a continuidade da história numa outra película. Algo no gênero, sem a participação obviamente do público, foi feito na impecável trilogia de "O Poderoso Chefão". De tão bem realizada, dá até pra pensar numa quarta película. Ao Andy Garcia seria oferecida a oportunidade de ouro de retomar a saga Corleone, alimentada nas marcantes representações de Robert de Niro, Marlon Brando e Al Pacino.
Pode ser que isso seja de todo inexeqüível. Mas, como eu, muita gente cheia de idéias arde, por exemplo, de curiosidade pra saber como acabaria sendo o primeiro encontro da doce Ingrid Bergman com o carrancudo Humphrey Bogart, finda a guerra, depois do dia do adeus dolorido no aeroporto de Casablanca. E pra saber também o que poderia acontecer com o Claude Rains, caso os nazistas se inteirassem de ter sido ele, não "os suspeitos de sempre", o responsável pelos disparos que livraram os judeus e os resistentes franceses de mais um algoz.
Mudando de um filme para outro, seria interessante pacas também contribuir com sugestões que ajudassem o aventureiro Clark Gable e a ambiciosa Vivien Leigh a se reconciliarem na sequência de "O vento levou", largando no esquecimento a troca de desaforos do passado.
Se o esquema proposto pudesse algum dia funcionar, gostaria também de saber como o Bertolucci definiria com quem afinal acabaria ficando, num eventual segundo tempo do filme, aquela belíssima criatura cor de ébano que viveu magistralmente o duplo papel de estudante de medicina e faxineira, no excelente "Assédio sexual".
E indo mais adiante um tiquinho, quem sabe mesmo se, nos desdobramentos de uma das tramas cinematográficas sobre o atentado de Dallas, não se pudesse chegar à elucidação dos detalhes escabrosos do complô contra Kennedy, apontando-se os nomes dos verdadeiros assassinos e mandantes, pondo-se, assim, ponto final na monumental farsa que, há quase 60 anos, vem sendo imposta à opinião pública mundial.
Outros desfechos de filmes
"O cinema não tem fronteiras, nem limites.
É um fluxo constante de sonho.”
(Orson Welles)
A primeira sugestão é de um leitor que aposta no sucesso de uma produção que reabra o caso narrado no excelente "O desaparecido", estrelado pelo impecável Jack Lennon. O ator faz o papel de um cidadão americano que perde o filho nas masmorras da ditadura chilena, descobrindo, horrorizado, a participação conivente na trágica ocorrência de adidos militares de seu próprio país.
Nas cenas concebidas para o segundo filme, Augusto Pinochet seria colocado no banco dos réus. O próprio, se já não houvesse desencarnado, seria o interprete ideal para viver na tela a sinistra trama. Afinal de contas, o cara tinha lá seus méritos como ator. Não vamos nos esquecer de que naquela quarentena que lhe impuseram em Londres, fruto de um pedido de extradição da Justiça espanhola, ele fez jus, cá pra nós, ao "Oscar". Viveu esplendidamente o papel de um homem sofrido, sucumbido pela senilidade, praticamente já com um pé do lado de lá. Ou seja, do lado pra onde remeteu, em seu reinado de terror, milhares de desafetos. Seu desempenho, como sabido, comoveu os juizes britânicos, que se confessaram, ao depois, estupefatos com sua rapidíssima recuperação, quando o viram desembarcando, logo após a ordem de soltura, obtida com a prestimosa ajuda de dona Margareth Thatcher, todo lépido e fagueiro, em meio às festas arrumadas pelos correligionários, no aeroporto de Santiago. Nesse imaginário desdobramento do filme teria que prevalecer uma regra canônica que, por largo espaço de tempo, norteou os enredos em Hollywood: o vilão é exemplarmente punido. A questão agora é achar um sósia para o papel. Ou alguém do grupo que ainda curta as reminiscências dos “tempos gloriosos” em que o Chile não era regido por essa “bagunça democrática”...
Para outro estimado leitor, um desfecho que também carece ser modificado é o do filme "A princesa e o plebeu". Fala-se aqui, evidentemente, da primeira versão. Em preto e branco, com o excelente Gregory Peck e a deslumbrante Audrey Hepburn. Não dá, definitivamente, para aceitar a separação da princesa e do plebeu depois daquela romântica peregrinação pelo convidativo cenário de Roma. Impõe-se juntá-los, para a felicidade geral do povo e da nação. Ele poderia ser contratado como adido de imprensa do Palácio Real e posto a acompanhar a rainha num périplo ecológico preparado por agência de viagem brasileira. Começaria por Manaus e terminaria no Vale do Jequitinhonha, passando antes pelos Lençóis Maranhenses, Jericoaquara, no litoral cearense, Fernando de Noronha, Pantanal, Airuoca (Sul de Minas), Lavras Novas e Serra do Cipó, lugares de lindezas incomparáveis, desconhecidas de muitos dos nossos próprios patrícios. Em Araçuaí, numa capelinha adornada por flores silvestres, o Frei Xico cuidaria de abençoar nossos heróis para que fossem felizes para sempre, na alegria e na dor. Tudo isso ao som das vozes dos cantores mirins da cidade, com músicas de Milton Nascimento. Bacana né?
Tem mais, adiante, reformulações de filmes que deixaram saudade.
Mais epílogos de filmes
(Vinícius de Moraes)
Outro filme que a turma manifesta vontade de ver com final modificado é o "Exterminador do futuro". Ele traz no papel central aquele ator de nome Arnold e de sobrenome complicado de dizer, quanto mais de escrever. Como o enredo lida com sutilezas e perspectivas de cunho ostensivamente mágico, criando condições para que os personagens se desloquem no tempo, pra frente e pra traz, seria extremamente desejável que, no prosseguimento das ações, em novo filme, Arnold fosse surpreendido num momento anterior ao de seu ingresso na política, antes mesmo de sua eleição para governador da Califórnia. Toda atenção da produção teria que ficar concentrada no salutar objetivo de convencer o musculoso intérprete a permanecer, quem sabe até no exercício do posto máximo de comando, lá mesmo em Marte, combatendo com a valentia costumeira seus pertinazes inimigos. Uma definição dessas teria o condão de produzir onda de alivio muito grande. Já pensaram só no risco desse cidadão, seguindo a trilha de outro ator festejado do passado, de predicados artísticos por sinal equivalentes, enfiar de repente na cuca, desguarnecida de idéias, a aspiração de galgar degrau superior na carreira política? Sai de baixo!
"Contatos imediatos" é mais um celulóide que muitos apreciariam ver em nova versão. O diretor, Steven Spielberg, extremamente criativo e competente, desfruta de respeito nos círculos místicos como abalizado estudioso de fenômenos transcendentes. Saberá imprimir a um segundo filme, baseado na mesma fascinante temática, o toque eletrizante que deixou como marca registrada na película anterior, estrondoso sucesso de público e de crítica. Sendo igualmente pessoa de espírito aberto e de acurada sensibilidade social, creio que não lhe será difícil acolher algumas sugestões na elaboração da nova trama.
Estamos imaginando, para o apoteótico final, uma nova descida daquela nave de colossais dimensões. O OVNI emitiria aqueles hipnóticos sons que a extinta Rede Manchete buscou emprestado para se contrapor ao plim plim da Globo. No deserto imenso, personagens famosos do enredo humano contemporâneo seriam vistos a aguardar, com emoção, o sinal dos alienígenas, para ocuparem seus lugares no aparelho, num passeio pela noite cósmica. Seria acertado previamente, entre todos, sob a égide da ONU, uma trégua em suas desavenças cotidianas. E, agora, lado a lado, esperam pelo chequim a ser feito por alienígenas não tão graciosas, reconheçamos, quanto as gurias dos balcões das agências aéreas da Pampulha. Intrépidos senhores da guerra, caras que não querem, de um e de outro lado, que se estabeleça jeito maneira a paz no Oriente Médio, ditadores em exercício e aposentados são chamados pelo alto-falante a tomar assento nos camarotes executivos.
Os demais passageiros escolhidos assumem, em seguida, seus confortáveis lugares na categoria econômica. Lá estarão, majestáticos, dirigentes de organizações terroristas, de corporações responsáveis pela crise econômica, notórios megaespeculadores, corruptores e corruptos, torturadores, pedófilos, fabricantes e traficantes de drogas, radicais fundamentalistas de todos os matizes, exploradores de tudo quanto seja capaz de gerar sofrimento e servidão humana. Ao som de trepidantes marchas marciais, a nave inicia suavemente a decolagem, arrancando um prolongado oh de admiração das multidões. Tudo ao vivo e a cores.
O aparelho ganha distância, vira um ponto luminoso diminuto e desaparece na escuridão do céu. Uma legenda explica, no arremate, aos deslumbrados expectadores, que o retorno da nave só se dará daqui a 10 mil anos.
Sejam honestos, sinceros e francos: dá pra alguém conceber epílogo mais eletrizante?
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