sexta-feira, 26 de abril de 2013

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Terroristas avulsos

Cesar Vanucci *

“As pessoas estão conscientes de que o terrorismo
é uma ameaça real e há muito pouco a fazer para evitá-lo.”
(Brooke Rogers, professora do Departamento de
Estudos de Guerra do King’s College, de Londres)

Quem vê cara, não vê coração. Os dois tresloucados chechenos responsáveis pelo horror da maratona de Boston revalidaram o conhecido ditado. Quem conseguiria imaginar, fitando semblantes quase angelicais, aquele jeitão adolescente dos dois, inteirando-se de seus padrões de conduta na comunidade, que nas profundezas da alma de ambos, naturalmente inacessíveis à percepção das pessoas próximas, pudessem se alojar uma concepção radical tão furibunda sobre a vida e sobre o mundo, uma inclinação fratricida tão desesperada?

A ocorrência de Boston adicionou à crônica terrorista novo e inesperado ingrediente. Impactante tanto quanto qualquer outro. A figura do “terrorista avulso” está entrando em cena atabalhoadamente sem pedido de licença. Desconectado aparentemente das grandes “centrais terroristas”, propõe-se a tocar uma “guerra particular” contra a humanidade. Deixa explícito o desejo de agir solitariamente, seguindo unicamente os ditames de sua mente doentia. Recorre a uma tecnologia de destruição que pode ser tida como artesanal, de fácil confecção.

Arma uma bomba simplória, de efeitos devastadores, na cozinha doméstica. Bota pra fora, preparando-se psicologicamente para a desvairada “missão” ressentimentos acumulados, instintos vis, mórbidos recalques. De repente, dá por concluído um projeto que seja capaz de causar muita dor e desolação.

Cabe, aí, então, ao desvairado guerreiro sem causa lançar-se a campo à cata de uma aglomeração popular, de um evento concorrido. Ajeita-se no meio da multidão, aciona um dispositivo eletrônico banal, mas de efeito letal, dando vaza aos seus instintos de perversidade. Atinge com eficácia o objetivo almejado de espalhar o pavor a varejo.
E a tragédia se consuma, com vidas ceifadas e dilaceradas.

Mesmo não desconhecendo que o terror da guerra possa estimular a guerra do terror, reconhecendo, também, como abomináveis uma e outra coisa, a esmagadora maioria de criaturas que, no cotidiano, cultivam valores de exaltação da dignidade humana ficam apoderadas da maior indignação cada vez que se deparam com essas cenas de dor produzidas pelo terrorismo desalmado.

Boston tornou-se referência cruel, a mais recente, de uma história sinistra. Uma história que passa ao cidadão comum a arrepiante sensação de que, na escalada das diversas variáveis do terrorismo neste mundo endoidecido, poderá haver sempre uma situação inimaginável a encarar. Uma história, portanto, muito difícil de ser enfrentada. Revolta, magoa e deixa sumamente infelizes bilhões de seres humanos.


Você sabe com quem tá falando?

 “Poucas coisas na convivência humana possuem feição tão
assustadora quanto a arrogância dos que se julgam poderosos.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)

“Você sabe com quem tá falando?” Taí uma espécie de senha universal, cunhada desde priscas eras, por um tipo de gente deslumbrada com o poder e interessada em traçar, alto e bom som, as prerrogativas de quem manda e as obrigações de quem obedece.

O exercício democrático, a disseminação de conceitos sobre direitos essenciais, a transparência (a cada dia que passa mais reclamada) nas ações de genuíno interesse coletivo contribuem para refrear, de certa maneira, essas demonstrações de prepotência, causadoras de tantos transtornos e injustiças na convivência social. Os temores de exposição pública danosa à imagem pessoal contêm, algumas vezes, os ímpetos de indivíduos com formação mandonista habituados a se fazerem ouvir sem contestações, ou segundo seu egocentrismo, a se fazerem respeitar. Mas, de quando em vez, o controle se lhes pode escapar. Os impulsos afloram e as máscaras das conveniências sociais caem. Em instantes assim, o “você sabe com quem tá falando?” irrompe com fragor de sentença.

Foi o que aconteceu, recentemente, com aquela socialite carioca pega em flagrante num delito de trânsito. Estado de espírito alterado, chamada às falas, usou primeiramente de todo charme de que se sentiu capaz para persuadir os guardas a não enquadrá-la nos conformes da lei. Apelou, ao depois, pra tentativa de suborno. Saindo-se mal na empreitada, bradou triunfalmente, por derradeiro, que sendo rica e poderosa não iria mesmo ser presa, já que cadeia é feita pra pobre e negro. Quebrou a cara. Foi recolhida, com toda sua elegante insolência, ao xilindró. Só logrou a liberdade depois de pagar fiança. Desfrutou ainda do “direito” de ter estampado o rosto bem maquiado por período razoável nas colunas. Não as sociais.

Em seu apreciado programa na Itatiaia, Eduardo Costa relatava, indoutrodia, um episódio interessantíssimo envolvendo personagem familiarizado com essas atrevidas ações intimidatórias nas relações com zelosos agentes da lei. Caso é que o filho de um figurão, flagrado em estado etílico ao volante numa blitz de rua, foi solicitado a apresentar as carteiras de identidade e de habilitação. Fez o que pôde pra sair pela tangente, argumentando, na busca de cumplicidade, ser filho de Secretário de Estado. A cada vez que o policial pedia os documentos, ele respondia, em tom categórico, dando a conversa praticamente por encerrada, com a alegação de ser filho de alguém encastelado no poder. O agente, explicando, cortez e pacientemente, já estar ciente desse seu honroso vínculo familiar, insistia na entrega dos documentos, de conformidade com as exigências legais. O rapaz, não se dando por achado, resolveu elevar o tom de voz ao declinar outra vez mais o parentesco que, em seu bestunto, lhe asseguraria a condição de poder sair incólume, quer dizer impune, da enrascada em que se meteu. A arrogância ganhou tamanha proporção que o agente da lei acabou, como se diz no popular, “queimando no golpe”. Confessando-se injuriado face à intimidação, revelou-se disposto a quebrar conscientemente, naquele momento, quaisquer que viessem a ser as consequências do gesto, o compromisso profissional, religiosamente acatado na carreira, de empregar com moderação a força física no enfrentamento de situações adversas. Substituiu o compromisso pelo prazer de aplicar um sonoro tabefe nas fuças de uma figura tão presunçosa. O sopapo teve sabor de catarse.

Essa historinha traz à tona um outro episódio transcorrido, décadas atrás, nos chamados “anos de chumbo” de tão doloridas recordações. O primogênito de um general reformado “linha dura” foi detido numa operação policial, junto com colegas, por conta de baderna aprontada num bar. Submetido aos interrogatórios de praxe no distrito, invocou na maior das insolências a condição de “filho”, encarando com ar zombeteiro os agentes.

Impactada com a revelação, a autoridade policial considerou de bom alvitre, pelo sim pelo não, confirmar o que lhe estava sendo passado. Ligou para a casa do militar graduado, pediu mil desculpas pelo adiantado da hora e expôs, meio sem graça, o que tinha acontecido. Ouviu do interlocutor, o general, a taxativa declaração de que jamais um filho seu, tendo em vista a sólida formação moral recebida no respeitável ambiente familiar, poderia ser flagrado na situação delituosa narrada. A pessoa recolhida ao xadrez seria, com toda certeza, um impostor.

Pela inominável façanha de tentar passar-se por filho de uma figura tão proeminente e conceituada, o rapaz comeu “o pão que o diabo amassou” em sua passagem pela cadeia. Não fosse pela oportuna intervenção dos irmãos, informados, só horas mais tarde, dos singulares pormenores da história, o “corretivo” que se lhe foi aplicado madrugada afora poderia perfeitamente ter-se estendido, sem choro nem vela, manhã (e, talvez, tarde) adentro.


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