Justiça lerda
Cesar Vanucci *
“A justiça atrasada não é justiça.”
(Rui Barbosa)
Garimpei com boa disposição o dicionário à cata de uma palavra suficientemente apta para definir o procedimento do Judiciário diante do “massacre do Carandiru”. Considerei, de princípio, que desídia, irresponsabilidade, uma ou outra, se aprestassem a traduzir razoavelmente a estranhável morosidade, causadora de perplexidade nacional, na realização do julgamento dos “justiceiros” incumbidos de por cobro, a ferro e fogo, à rebelião dos presidiários de 22 anos atrás.
Sem menosprezar a hipótese de que um outro vocábulo se ajuste melhor na descrição do comportamento das autoridades judiciais bandeirantes, fixei-me, ao cabo da pesquisa, na expressão escárnio. A insensibilidade demonstrada na condução do processo, a ponto de tolerar essa tramitação a passo de tartaruga, não deixa de significar um escárnio, um menosprezo solene a respeitáveis postulados jurídicos, aos códigos legais que regem a convivência social, à opinião pública. Que “prerrogativa” é essa de que se arvoram servidores públicos bem remunerados de espicharem a bel prazer, por mais de duas décadas, um julgamento de configuração tão dramática? Mesmo que se aplique à situação a condescendente tese de que a Justiça revele-se sempre lenta na tomada de decisões, há que se reconhecer, nesse episódio em especial, um imperdoável extravasamento de prazo. Nessa marcha, a levar-se em conta os trâmites processuais a serem percorridos após o julgamento, muito tempo ainda irá transcorrer antes que a ação da Justiça com referência ao massacre possa se completar.
A história toda aconselha a que se chame Rui Barbosa para explicar aos juizes encarregados da causa do Carandiru que “a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.”
Ainda sobre o massacre do Carandiru um outro registro inevitável. Recolhido ao ostracismo político, o governador de São Paulo à época, Luiz Antônio Fleury, que todos imaginavam estivesse a remoer algum remorso pela notória responsabilidade moral de seu governo diante da selvageria que tingiu de sangue as paredes do presídio, não se pejou, recentemente, em declaração pública, de justificar a ação de seus comandados fardados. Algo deprimente e assustador.
A Petrobras acaba de galgar a invejável posição de vigésima empresa de maior porte do planeta. Isso ocorre no momento em que coloca em execução um plano de investimentos com valores que ultrapassam, como já revelado, o PIB de dezenas e dezenas de países. Nada obstante, nas cotações da Bolsa suas ações continuam atreladas a tímidas performances. Quem está, com toda certeza, capacitado a “decifrar” essa charada são os megaespeculadores e os que almejam, em nome de falsos conceitos liberais, a desestatização da empresa. Uma privatização, bem entendido, ao gosto do mercado. A preço de banana nanica refugada em final de feira dominical de subúrbio. Coisa assim – quem não se recorda? - já aconteceu com outras empresas, num passado não tão distante...
A má vontade em certos círculos influentes com relação à Petrobras, sabe-se lá porque cargas d’água, é notória. Ouço de abonados analistas econômicos críticas acerbas à estatal pelos resultados, por eles considerados insatisfatórios, do balanço correspondente ao primeiro trimestre do ano, dias atrás divulgado. O lucro apurado, nesse curto período, foi de “apenas” 7.7 bilhões de reais... Mas, pera lá, gente boa, se a memória não tá a fim de me trair, esse valor – média de 2 bilhões e 350 milhões por mês – não é, praticamente, igual à soma apurada no leilão de anos atrás que, debaixo de entusiásticos aplausos dos analistas e do chamado mercado financeiro, transferiu todos os colossais ativos da Vale, segunda maior empresa brasileira, maior mineradora do mundo, do patrimônio público para a iniciativa privada? E, então, José?
Entrechoque de Poderes
“Cada qual, na sua esfera de atividade, sem
invasões indébitas de responsabilidades alheias (...)”
(Alexandre Gonçalves Amaral, saudoso
Arcebispo, sobre a harmonia dos Poderes)
Olhar crítico focado nessa queda de braço do Congresso com o Supremo arrasta o observador atento a desconsoladoras constatações. O Parlamento vem se omitindo, deploravelmente, na discussão dos grandes temas políticos, econômicos e sociais de interesse da Nação. A Suprema Corte volta e meia extrapola os limites de sua competência institucional, ao arvorar-se do direito de também legislar. Representantes dos dois respeitáveis Poderes são surpreendidos, com enervante constância, a exercitar diante das câmaras e microfones insuspeitados pendores para um vedetismo exacerbado, em clara dissonância com a nobre função de que se acham investidos.
Registradas estas considerações, considero oportuno relembrar aqui luminosos conceitos sobre a “encantadora harmonia de poderes diferenciados” expendidos há 50 anos atrás por Alexandre Gonçalves Amaral. O saudoso Arcebispo de Uberaba com a palavra: “A harmonia vital, no conjunto orgânico, depende de que cada órgão vivo se desempenhe de toda a sua missão que lhe é assinalada, mas somente dela. Assim é também no organismo social. Não pretendam os legisladores imiscuir-se em questões atinentes ao Poder Executivo. Não pretendam os agentes executivos invadir o campo da legislação. Não queiram os representantes do Poder Judiciário trasladar para a legislação ou para a execução a sua bela atividade de julgar. Não queiram as Forças Armadas decidir questões dos outros três Poderes. Cada qual, na sua esfera de atividade, sem invasões indébitas de responsabilidades alheias e sem fugas covardes às próprias responsabilidades, concorrerá, serena e eficazmente, para a harmonia do organismo social.”
Simples, assim, meus senhores.
Elevando a Selic em 0,25%, o COPOM cedeu um pouco, não tanto quanto almejado pelos agentes financeiros, às pressões externas. O melhor seria que não tivesse cedido coisa alguma. Os anseios do sistema financeiro são claros: aumento da Selic de forma a ensejar juros sempre maiores nas operações que pratica.
A expectativa de setores do governo é no sentido de que o Copom se atenha a ações comedidas, alinhadas com o pensamento expresso pela Presidenta Dilma Rousseff, quando deixa claro que “jamais voltaremos a ter aqueles juros em que qualquer necessidade de mexida os elevava para 15% porque estavam em 12%.
Inteiro-me, perplexo, de declarações feitas recentemente por dois cartolas influentes do futebol mundial. O presidente da FIFA, Joseph Blatter, e o secretário geral da entidade, Jérome Valcke. Eis o que foi dito pelo primeiro deles: “Fiquei feliz com a vitória da Argentina na Copa do Mundo de 1978, pois houve uma reconciliação do povo com o sistema político militar da época.” A época referida é a da ditadura comandada pelo general Jorge Videla, sentenciado a prisão perpetua pelas atrocidades do regime.
Eis o que foi dito pelo outro manda-chuva esportivo: “Vou dizer algo que é maluco: mas menos democracia às vezes é melhor para se organizar uma Copa do Mundo. Quando você tem um Chefe de Estado forte, que pode decidir, assim como Vladimir Putin poderá ser em 2018, é mais fácil para nós, organizadores, do que para um país como a Alemanha, onde você precisa negociar em diferentes níveis.”
Se ele houvesse mencionado o Brasil ao invés de Alemanha o tamanho da panaquice seria o mesmo. E imaginar que elementos com essa mentalidade obtusa comandam, com força total incontestada, a entidade responsável pela coordenação da atividade esportiva mais incrementada no planeta!
Mode evitar que a dupla continue, pelo menos até a Copa de 2014, a praticar, com atos ou palavras, mais desmandos, aconselha-se aos torcedores de convicção religiosa que invoquem os bons ofícios de Dom Bosco, venerando santo padroeiro do futebol.
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