sexta-feira, 24 de maio de 2013


Mas isso também é terrorismo

 Cesar Vanucci *

 “O terror pode assumir, nestes
tempos amalucados, múltiplas formas.”
(Antonio Luiz da Costa, professor)

 O edifício de nove andares que desabou em Daca, capital de Bangladesh, provocando mais de mil mortes e mais de dois mil feridos, abrigava um complexo industrial ligado ao setor de confecções. Marcas famosas mantinham unidades de produção no local, empregando grande contingente de operários. Mais de três mil.

 Bangladesh é, depois da China, o polo de fabricação de peças de vestuário mais ativo do planeta. Essa atividade representa sua principal fonte econômica. O prédio que veio ao chão foi erguido em condições irregulares. Estava plantado numa zona vedada a construções desse porte. Mesmo assim, desrespeitando as posturas, os proprietários da edificação arrancaram, por meio de jogo de influência e propinas, alvarás de funcionamento. Mais: passando por cima de recomendações técnicas expressas, foram acrescentando mais andares à estrutura, ao longo dos anos. Ao aparecerem fendas nas paredes, diante da recusa dos operários em continuarem comparecendo ao trabalho em condições tão arriscadas, a Prefeitura de Daca ordenou a interdição do edifício. A proibição, por força de forte pressão, foi revogada dias depois. Os trabalhadores receberam intimação de retornar ao trabalho sob ameaça de demissão e suspensão de salários. A contragosto, acataram as ordens hierárquicas. Deu no que deu. Vinte e quatro horas depois o edifício caiu estrepitosamente. Milhares de costureiros, costureiras e centenas de crianças, recolhidas a creches, encontravam-se em seu interior na hora fatídica.

 Os salários pagos nas fábricas eram em média de 99 reais mensais, por 72 horas semanais.

Pouco antes dessa pavorosa ocorrência, outra construção insegura, também de nove andares, abrigando empresa de confecção, pegou fogo em Daca. Não haviam saídas de emergência. A estatística tétrica, desta feita, apontou 117 mortos e 200 feridos. As tragédias levantaram nas ruas acesos protestos populares, reprimidos com violência.

 A notória insensibilidade do setor industrial de confecções que atua em Bangladesh, representativo de grifes que ornamentam lojas de luxo nas praças comerciais mais sofisticadas do planeta, vem sendo, com toda razão, equiparada à violência dos fanáticos terroristas que agem em grupo ou por conta própria. Afinal – argumenta-se –, a forma de agir de uns e outros, igualada no desprezo a valores humanos sagrados, é terrorismo.

 E se a gente procurar com afinco e olhar crítico atilado vai acabar descobrindo, certeiramente, em muitos outros cantos deste mundo do bom Deus onde o diabo costuma fincar também seus encraves outras desalmadas situações terroristas em potencial, parecidas com as de Bangladesh, prontas para explodir.

 
Repositório vivo da arte de raiz

 “Afinal este senhor de alma festiva mora no Folclore.”
(Juliana Arantes, sobre Gilberto de Andrade Rezende)

 “Catira, a poesia do Sertão”, conforme palavras do próprio autor, Gilberto de Andrade Rezende, é uma contribuição para o resgate de uma das mais tradicionais danças folclóricas do Brasil Central, chamada de Catira no Estado de Minas Gerais e de Cateretê no Estado de São Paulo.

Graças a lavra poética do sertanejo – é Gilberto quem estende a explicação – pôde ser composto um opulento registro de manifestações folclóricas. Elas exerceram importante papel na formação da cultura popular do meio rural nos dois últimos séculos. “Nas modas e recortados do Catira, os poetas sertanejos expressaram seus mais puros sentimentos, trazendo alegria aos homens do campo e entrosando patrões e empregados numa dança onde nunca existiu hierarquia social,” assinala ainda.

Ninguém no Brasil conseguiu ir mais fundo do que Gilberto de Andrade Rezende em matéria da pesquisa nesse fascinante segmento folclórico. O consistente trabalho realizado conferiu-lhe a invejável condição de ocupar, com todo merecimento, lugar no time titular das figuras exponenciais do movimento folclórico nacional. Personagens que tomaram a si a tarefa de construir o acervo respeitável da cultura de raiz que tão bem exprime os sentimentos e as emoções da gente brasileira.

Consta das façanhas de Gilberto, nesse campo de atuação, o levantamento meticuloso de centenas de modinhas e recortados, com indicação dos autores, entoados e coreografados nos terreiros rurais ao longo de décadas pelos intérpretes catireiros. E, ainda, a listagem preciosa dos numerosos grupos, espalhados pelo sertão, que encontraram nessa modalidade de divulgação artística uma forma de exprimir a poesia que povoa a alma sertaneja. Seja recordado que, na esplêndida Casa do Folclore, criada e mantida por Gilberto em Uberaba, e em outros recantos, a lindíssima coreografia da catira ficou imortalizada por dançadores da estirpe de Romeu Borges, ainda hoje em plena atividade. Esse dançador contracenou, de certa feita, em palco carioca, com a famosa bailarina Ana Botafogo, num soberbo e arrepiante espetáculo.

O que sobra pra dizer mais sobre Gilberto está consignado no depoimento, reproduzido na sequência, que fiz no livro em que 80 amigos festejaram sua chegada aos 80 anos de idade.

“Esse cara é um colosso!” Ouvi esta frase, pelo menos em duas ocasiões diferentes, aplicada à figura do Gilberto, da boca de ninguém mais, ninguém menos, que o Zé Alencar. Nosso saudoso Vice-Presidente apreciava utilizar a expressão “colosso” para classificar personagens e ações que lhe despertassem simpatia e admiração.

 Recordei-me, de pronto, dessa circunstância ao receber o amável convite para juntar este singelo depoimento aos de outros amigos diletos do Gilberto Andrade Resende, no momento em que esse cidadão, que tem a cara de Uberaba, rodeado do carinho de um mundão de gente, celebra pela segunda vez consecutiva 40 anos de vida bem vividos.

 Ostento, nesse rol ilustre, a condição especial de “amigo de infância” do dito cujo. À conta disso, valendo-me de registros retidos na memória velha de guerra, em décadas de convivência fraterna, asseguro sem vacilações que o vocábulo empregado por Alencar ajusta-se como luva à personalidade do homenageado. Quem acompanha a história de Uberaba, sobretudo das transformações culturais, econômicas e sociais ocorridas a partir dos anos 50, sabe muito bem que o Gilberto, como homem de ação, como intelectual e como empreendedor empresarial, vem deixando suas marcas impressas num “colosso de coisas”. Ora, com presença realçante nos feitos. Ora, com trabalho eficiente e discreto de bastidores. Gilberto tem sido um tenaz guerreiro em boas causas de interesse coletivo vinculadas aos avanços experimentados por Uberaba em sua insofreável vocação conquistadora do futuro.

 Na esfera da cultura, não há como olvidar o repositório vivo que se tornou das tradições mais genuínas da arte de raiz. Seus estudos e investigações, notadamente no mundo encantado do folclore, podem ser equiparadas ao que de melhor e mais consistente se fez ou se faz a qualquer tempo, em diferentes lugares, da parte dos pesquisadores mais qualificados da arte popular.

São marcas, essas todas, com sentido de perenidade.

Encurtando razões, que o espaço é curto: justas, muito justas, de conseguinte, todas essas manifestações de apreço que estão sendo prestadas ao Gilberto em todos os segmentos da valorosa comunidade uberabense!

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