Você sabe com quem tá falando?
Cesar Vanucci *
“Poucas coisas na convivência humana possuem feição tão
assustadora quanto a arrogância dos que se julgam poderosos.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)
“Você sabe com quem tá falando?” Taí uma espécie de senha universal, cunhada desde priscas eras, por um tipo de gente deslumbrada com o poder e interessada em traçar, alto e bom som, as prerrogativas de quem manda e as obrigações de quem obedece.
O exercício democrático, a disseminação de conceitos sobre direitos essenciais, a transparência (a cada dia que passa mais reclamada) nas ações de genuíno interesse coletivo contribuem para refrear, de certa maneira, essas demonstrações de prepotência, causadoras de tantos transtornos e injustiças na convivência social. Os temores de exposição pública danosa à imagem pessoal contêm, algumas vezes, os ímpetos de indivíduos com formação mandonista habituados a se fazerem ouvir sem contestações, ou segundo seu egocentrismo, a se fazerem respeitar. Mas, de quando em vez, o controle se lhes pode escapar. Os impulsos afloram e as máscaras das conveniências sociais caem. Em instantes assim, o “você sabe com quem tá falando?” irrompe com fragor de sentença.
Foi o que aconteceu, recentemente, com aquela socialite carioca pega em flagrante num delito de trânsito. Estado de espírito alterado, chamada às falas, usou primeiramente de todo charme de que se sentiu capaz para persuadir os guardas a não enquadrá-la nos conformes da lei. Apelou, ao depois, pra tentativa de suborno. Saindo-se mal na empreitada, bradou triunfalmente, por derradeiro, que sendo rica e poderosa não iria mesmo ser presa, já que cadeia é feita pra pobre e negro. Quebrou a cara. Foi recolhida, com toda sua elegante insolência, ao xilindró. Só logrou a liberdade depois de pagar fiança. Desfrutou ainda do “direito” de ter estampado o rosto bem maquiado por período razoável nas colunas. Não as sociais.
Em seu apreciado programa na Itatiaia, Eduardo Costa relatava, indoutrodia, um episódio interessantíssimo envolvendo personagem familiarizado com essas atrevidas ações intimidatórias nas relações com zelosos agentes da lei. Caso do filho de um figurão, flagrado em estado etílico ao volante numa blitz de rua. Solicitado a apresentar as carteiras de identidade e de habilitação, fez o que pôde pra sair pela tangente, argumentando, na busca de cumplicidade, ser filho de Secretário de Estado. A cada vez que o policial pedia os documentos, ele respondia, em tom categórico, dando a conversa praticamente por encerrada, com a alegação de ser filho de alguém encastelado no poder. O agente, explicando, cortez e pacientemente, já estar ciente desse seu honroso vínculo familiar, insistia na entrega dos documentos, de conformidade com as exigências legais. O rapaz, não se dando por achado, resolveu elevar o tom de voz ao declinar outra vez mais o parentesco que, em seu bestunto, lhe asseguraria a condição de poder sair incólume, quer dizer impune, da enrascada em que se meteu. A arrogância ganhou tamanha proporção que o agente da lei acabou, como se diz no popular, “queimando no golpe”. Confessando-se injuriado face à intimidação, revelou-se disposto a quebrar conscientemente, naquele momento, quaisquer que viessem a ser as consequências do gesto, o compromisso profissional, religiosamente acatado na carreira, de empregar com moderação a força física no enfrentamento de situações adversas. Substituiu o compromisso pelo prazer de aplicar um sonoro tabefe nas fuças de uma figura tão presunçosa. O sopapo teve sabor de catarse.
Essa historinha traz à tona um outro episódio transcorrido, décadas atrás, nos chamados “anos de chumbo” de tão doloridas recordações. O primogênito de um general reformado “linha dura” foi detido numa operação policial, junto com colegas, por conta de baderna aprontada num bar. Submetido aos interrogatórios de praxe no distrito, invocou na maior das insolências a condição de “filho”, encarando com ar zombeteiro os agentes.
Impactada com a revelação, a autoridade policial considerou de bom alvitre, pelo sim pelo não, confirmar o que lhe estava sendo passado. Ligou para a casa do militar graduado, pediu mil desculpas pelo adiantado da hora e expôs, meio sem graça, o que tinha acontecido. Ouviu do interlocutor, o general, a taxativa declaração de que jamais um filho seu, tendo em vista a sólida formação moral recebida no respeitável ambiente familiar, poderia ser flagrado na situação delituosa narrada. A pessoa recolhida ao xadrez seria, com toda certeza, um impostor.
Pela inominável façanha de tentar passar-se por filho de uma figura tão proeminente e conceituada, o rapaz comeu “o pão que o diabo amassou” em sua passagem pela cadeia. Não fosse pela oportuna intervenção dos irmãos, informados, só horas mais tarde, dos singulares pormenores da história, o “corretivo” que se lhe foi aplicado madrugada afora poderia perfeitamente ter-se estendido, sem choro nem vela, manhã (e, talvez, tarde) adentro.
Um presídio desumano
“Guantânamo não pode e não deve existir.”
(Ângela Merkel, chanceler alemã)
Guantânamo continua sendo um osso atravessado na garganta de Barack Obama. O presídio estadunidense instalado em solo cubano, considerado pela ONU um local que dispensa tratamento “cruel, desumano e degradante” aos prisioneiros, abriga 166 pessoas até hoje sem acusação formal e sem julgamento, algumas delas encarceradas há mais de dez anos.
O titular da Casa Branca reconheceu, desde sua primeira campanha eleitoral, a violação permanente às convenções internacionais e aos direitos fundamentais dos seres humanos configurada na existência da prisão. Prometeu, então, fechar as portas de Guantânamo e montar processos legais com relação aos presos ali recolhidos tão logo assumisse. Não fez neca de pitibiriba. Pelo menos até agora, já no início do segundo mandato. Culpou o Congresso por desautorizá-lo a promover as medidas anunciadas. Fez, ao mesmo tempo, ouvidos moucos a relatórios produzidos por sua própria assessoria na área de segurança, onde se proclama que a maior parte dos presos não representa risco algum que justifique a detenção. Para agravar a situação, dezenas de detidos, em greve de fome há quase três meses, vêm sendo alimentados na base da força bruta, processo também condenado com veemência pela ONU e outros organismos engajados na defesa dos direitos civis.
A Líbia após Kadafi continua tão violenta e enigmática quanto a Líbia da era do ditador apeado do poder. Grupos de diferentes tendências se engalfinham por posições de comando, espalhando o terror por tudo quanto é canto. No Egito e demais países sacudidos pela assim chamada “primavera árabe”, pelo que se está sabendo, alguma reforma de araque veio a ser feita com o aparente propósito de não se fazer reforma alguma, de acordo com o sibilino receituário de Maquiavel. As aterrorizantes vociferações daquele governante coreano amalucado deixaram, de repente, de frequentar as manchetes. O programa nuclear dos aiatolás raivosos da antiga Pérsia, foco de acesa celeuma que já dura anos, andou também tomando “chá de sumiço” no noticiário nosso de cada dia.Tudo isso é assaz intrigante.
Fruto, talvez, de irremediável ingenuidade, carrego comigo atroz curiosidade, que imagino jamais possa ser satisfeita. Que fatores misteriosos serão mesmo esses que, nos bastidores, regulam o incremento súbito ou, contrariamente, o silêncio tumular em torno dos confusos e perturbadores acontecimentos registrados nessas e noutras paragens notórias pela permanente ebulição política e social?
Com os bolsos e bolsas abarrotados de dólares, adquiridos nas falcatruas praticadas aos tempos de seu reinado à frente das entidades que presidiram, João Havelange e o fiel escudeiro e ex-genro Ricardo Teixeira descalçaram finalmente as chuteiras. Cascaram fora dos cargos efetivos e honorários que vinham ocupando e que, afinal de contas, acabaram desonrando com atos de deslavada corrupção. Nessa retirada de cena do palco futebolístico foram acompanhados de um outro parceiro renomado, igualmente flagrado na maracutaia apurada pela Justiça (suíça). Nicolas Leoz, paraguaio, viu-se também compelido, pelas mesmíssimas razões dos brasileiros, a renunciar à presidência da Conmebol.
Nos círculos esportivos e nas manchetes o defenestramento dos célebres paredros não teve a repercussão que fazia por merecer. Talvez pela circunstância de que ambos, ao longo de suas movimentadas carreiras, mantiveram relacionamento estreito com os demais dirigentes esportivos e componentes dos esquemas de divulgação vinculados ao assim chamado esporte bretão.
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