sexta-feira, 19 de julho de 2013

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Arapongagem e consciência cívica

Cesar Vanucci*

“O Estado não pode ser o Grande Olho, o Grande Irmão,
aquele que sabe tudo das pessoas e inibe as pessoas.”
(Presidenta Dilma Rousseff)

Ninguém me contou. Fui eu que vi e ouvi, com esses olhos e ouvidos que a terra algum dia vai comer, só que, dependendo de minha vontade, daqui um bocado de tempo. O que vi na telinha, tomado de compreensível espanto, foram dois formadores de opinião, de diferentes prefixos, expendendo críticas num tom de quase deboche ao posicionamento do Governo e do Parlamento diante da gravíssima denúncia acerca do esquema de espionagem eletrônica implantado pelos Estados Unidos no território brasileiro, vasculhando segredos de Estado, coletando informações relevantes sobre nossas instituições oficiais, mundo empresarial e personagens políticos influentes. Nas reações críticas citadas, as atitudes oficiais de repúdio à conduta da Casa Branca foram classificadas de uma espécie de “jogo de cena para as arquibancadas”, um expediente maroto para desviar as atenções da opinião pública das momentosas questões sociais levantadas nas passeatas populares recentes.

Nessa inconcebível manifestação, subestimou-se levianamente a extrema seriedade do assunto tratado pelas autoridades brasileiras. Fingiu-se desconhecer, de forma indesculpável, que a questão do justo clamor público por reformas urgentes levado às ruas e a questão da operação da arapongagem detectada com escusos fitos comerciais e políticos representam pautas distintas, que exigem, todas elas, separadamente, procedimentos firmes e responsáveis da parte dos detentores do poder, em nome da dignidade da Nação.

Não há outro jeito de enxergar a coisa. Ridicularizar a atitude tomada pelo governo e parlamentares, por sua firme repulsa ao esquema denunciado, equivale a uma confissão pessoal de rematada indigência cívica, ausência de sentimento nacional, síndrome derrotista, ou, ainda, passionalismo político partidário exacerbado, ou de tudo isso misturado. Trata-se de reação que não enaltece, jeito maneira, a inteligência e o grau de percepção individual das prerrogativas de cidadania dos autores das críticas.

Os brasileiros estão aptos a tratar com lucidez e correto senso de medida as duas situações. De um lado, impulsionados por justo inconformismo, ávidos por mudanças que acelerem o processo de resgate das dívidas sociais acumuladas, não se mostram dispostos a abrir mão, a pretexto nenhum, da censura às ações (e omissões) dos dirigentes políticos e comunitários que venham retardar o desenvolvimento do país em termos de prosperidade e bem-estar social.

Doutra parte, conscientes de sua condição de cidadãos ciosos de seus direitos e deveres cívicos como habitantes de uma Nação democrática e soberana, sentem-se possuídos de desconforto e injuriados com as revelações vindas à tona a propósito dessa espionagem lesiva aos respeitáveis interesses nacionais. Continuarão cobrando providências nas duas frentes: na expectativa de que as reformas almejadas sejam executadas em ritmo mais veloz, no aguardo de que surtam efeito as deliberações tomadas contra essa invasão intolerável da privacidade alheia com a qual a Casa Branca parece haver pretendido fazer de bons e leais aliados simples vassalos.

Todos estamos persuadidos também de uma outra verdade: a alegação conformista, feita com o objetivo inocultável de minimizar o problema, de que a espionagem eletrônica é algo comum, bastante conhecido, sendo numerosos os países que a praticam em larga escala, não elide coisissima alguma a suprema seriedade da denúncia específica que nos diz respeito. A denúncia em questão descreve com detalhes perturbadores a implantação de uma base de bisbilhotice cibernética operacionalizada em Brasília durante certo período, por órgãos de inteligência estrangeiros. Um atentado a direitos insofismáveis devidamente configurado.

Nosso governo soube adotar, na hora certa, providências cabíveis, para exprimir o desagrado e mal-estar da Nação diante desse gesto gratuito de hostilidade cometido por um parceiro sempre acatado e prestigiado pelo Brasil. A proposta no sentido de que a questão da espionagem seja debatida em foros internacionais, de modo a se poder estabelecer um marco regulatório para a comunicação eletrônica destes tempos globalizados, afigura-se, assim, sensata e construtiva.

Ainda com respeito à candente questão, cabe, por derradeiro, anotar que a opinião pública brasileira espera de Brasília, na hipótese de confirmada a desleal participação na tramóia de empresas transnacionais ou nacionais de telecomunicações, a aplicação de punições severas, compatíveis com a gravidade do ato de banditismo perpetrado.


Brado de alerta

 “O imoral não pode ser tornado moral por meio de leis secretas.”
(Edward Snowden)

Os Estados Unidos aplicam-lhe a pecha de traidor. Snowden diz que a decisão de falar foi a coisa correta a fazer e que não se arrepende da posição assumida. A opinião pública mundial rodeia o ex-técnico da CIA e da Agência de Segurança Nacional (NSA) de uma crescente e irresistível onda de simpatia, num claro prenuncio, ao que tudo faz crer, do veredicto inapelável que a história vai emitir a respeito de sua desassombrada conduta. A alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, dá o tom das reações gerais: “O caso Snowden mostra a necessidade de proteger pessoas que expõem informações com implicações para os direitos humanos, assim como a importância de garantir o respeito ao direito à privacidade. O direito à privacidade, o direito ao acesso à informação e à liberdade de expressão acham-se estritamente ligados. O público tem o direito democrático de participar de assuntos públicos e esse direito não pode ser exercido apenas com base em informações autorizadas.”

As palavras do jovem destemido que resolveu denunciar a conspiração cibernética que estendeu seus tentáculos mundo afora, não poupando amigos e parceiros, dão o que pensar. A maquiavélica operação de espionagem teria sido arquitetada, de princípio, com o intuito de resguardar os interesses da grande potência norte-americana diante das ameaças terroristas de implacáveis inimigos. Mas acabou se transformando num instrumento incontrolável, insaciável, de violação dos direitos humanos, da soberania de outros paises, de invasão da intimidade das pessoas com fitos de estratégia política e comercial.

Foi por causa disso que irrompeu o brado de alerta que agora chama à reflexão toda a humanidade. Um desabafo que, além da denuncia acerca de malfeitos cometidos contra sagrados interesses alheios, reflete o inconformismo que grassa solto na atualidade, arrebatando corações e mentes, contra as imposturas e hipocrisias dominantes na convivência internacional. E que, via de consequência, projeta de maneira clara e insofismável, em nome do bom senso, a imperiosa necessidade das lideranças do mundo se agarrarem com empenho, antes que seja tarde demais, à construtiva tarefa de refazer os desvairados rumos trilhados pela civilização contemporânea.

Vale a pena conhecer o que o moço estadunidense, que tão bem encarna hoje as melhores tradições democráticas e os mais autênticos valores da cidadania de sua gente, tem pra dizer:

“Olá. Meu nome é Ed Snowden. Há pouco mais de um mês, eu tinha família, um lar no paraíso, e vivia com grande conforto. Também tinha a possibilidade de, sem qualquer mandado, apreender e ler suas comunicações. As de qualquer um, a qualquer momento. Isso é o poder de mudar o destino das pessoas.
É também uma séria violação da lei. A 4ª e 5ª Emendas da Constituição do meu país, o Artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e numerosos estatutos e tratados proíbem sistemas de vigilância maciça. Apesar de a Constituição dos EUA considerar esses programas como ilegais, meu governo argumenta que decisões tomadas em tribunais  secretos, aos quais o mundo não tem acesso, de alguma forma legitimam uma conduta ilegal. (...) O imoral não pode ser tornado moral por meio de leis secretas.
Acredito no princípio declarado em Nuremberg em 1945: "Indivíduos têm deveres internacionais que transcendem as obrigações nacionais de obediência. Portanto, cidadãos têm o dever de violar leis nacionais para prevenir crimes contra a paz e a humanidade (...)"
Fiz o que acreditei ser certo e iniciei uma campanha para corrigir estes malfeitos. Não quis enriquecer. Não quis vender os segredos dos EUA. Não me aliei a nenhum governo estrangeiro para garantir minha segurança. Ao contrário, levei o que eu sabia para o público, para o que afeta a todos poder ser discutido por nós todos à luz do dia, e pedi ao mundo justiça.
A decisão moral de falar ao público sobre a espionagem que afeta a todos custou caro, mas foi a coisa certa a fazer e não me arrependo.
Anuncio a minha aceitação formal de todas as ofertas de apoio ou asilo que me fizeram, e a quaisquer outras que possam ser oferecidas a mim no futuro. (...) A disposição de Estados poderosos em agir fora da lei representa uma ameaça a todos, e seu sucesso não deve ser permitido. (...) Obrigado."

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