O verdadeiro foco da questão
Cesar Vanucci *
“Mesmo assim, ninguém quer ir.”
(Henrique Prata, administrador do Hospital Oncológico
de Barretos, aludindo à remuneração de R$ 30 mil reais
oferecida a médico que se disponha a trabalhar em Porto Velho )
O passionalismo político de alguns e o corporativismo exacerbado de outros vêm concorrendo, em não poucos momentos, para a deturpação do verdadeiro sentido do programa “Mais Médicos”, em boa hora instituído pelo Ministério da Saúde. O foco central da questão que tem provocado acesos debates é a reconhecida carência de atendimento básico de saúde nas regiões distantes e periferias dos grandes centros urbanos.
Criar condições razoáveis para que esse atendimento exista é tarefa que demanda solução urgente em resposta a um clamor angustiante de milhões de brasileiros. Designar médicos para prestar serviços em milhares de lugarejos desassistidos deste país de dimensão continental e em postos de saúde desprovidos da presença de profissionais em saúde pública é o alvo que se pretende louvavelmente atingir. É claro que as vagas disponíveis nos locais de atendimento terão que ser oferecidas, prioritariamente, a médicos brasileiros que se disponham a ocupá-las. Se o número de interessados, entre médicos que atuam no país, revelar-se insuficiente, aí, sim, já numa segunda etapa da operação, os postos remanescentes deverão ser reservados a médicos vindos de outras plagas. Estamos todos diante de uma inocultável realidade. Para os imensos contingentes de usuários espalhados por tudo quanto é canto faz baita diferença, para bem melhor evidentemente, as situações de terem que enfrentar o silêncio frustrante e duradouro de um consultório fechado ou o som acolhedor com (ou sem) sotaque de um profissional de saúde com plantão definido num posto de saúde próximo de onde vivem.
No inicio deste ano, uma pesquisa do IPEA, envolvendo consultas a clientes do SUS (Sistema Único de Saúde) apontou, contundentemente, que o problema nº 1 confrontado pelos brasileiros que recorrem ao atendimento da rede pública é a falta de médicos. A pesquisa mostrou coisas tremendamente sérias. Nada menos que 700 municípios - 15% do total – não contam com um único profissional de saúde sequer. Por outro lado, em quase 2 mil municípios, o número de médicos a postos corresponde a menos de um para cada grupo de 3 mil pacientes em potencial. Imaginem só as circunstâncias dramáticas que podem envolver uma eventual consulta médica com base nesses atordoantes dados estatísticos!
O médico Henrique Prata, administrador do complexo oncológico de Barretos, São Paulo, referência nacional na especialidade, faz uma revelação surpreendente sobre a carência de profissionais médicos. As cinco unidades que administra atendem hoje cerca de quatro mil pacientes por dia, todos pelo SUS. O número de atendimentos poderia ser bem maior, assevera. “Estamos atendendo 30% a 40% menos pacientes do que seríamos capazes se conseguíssemos mais médicos. E olhem que ele está se referindo às atividades de um centro médico super equipado, pertencente a uma organização modelar que oferece remuneração de até R$ 30 mil mensais. Este valor, por sinal, está sendo ofertado a médicos que se disponham a trabalhar em Porto Velho , no norte do país. “Mesmo assim, ninguém quer ir.” Com amplo conhecimento de causa, ele acrescenta a informação de que em todo o Estado de Rondônia existem apenas dois especialistas em oncologia, ambos vinculados à rede privada de assistência médica.
Outra informação valiosa que tem sido divulgada pelo Programa “Mais Médicos” diz respeito aos gastos elevados do SUS com o tratamento das complicações de enfermidades que poderiam ser melhormente controladas em postos de saúde que garantissem atendimentos médicos básicos. Um número esclarecedor: somaram R$ 3,6 bilhões em 2012 os dispêndios governamentais apenas com o tratamento de situações enfermiças associadas à obesidade.
Resumo da ópera: o deslocamento de médicos para o interior desprotegido representa uma relevante e indesviável empreitada social. O debate a ser travado em torno da momentosa questão, visando a implantação e o aprimoramento gradativo do esquema de atendimento traçado, não poderá jamais perder de vista seu foco central.
Giro por este mundo maluco (I)
“Loucura, sim, mas há método nela.”
(William Shakespeare, “Hamlet”, Ato II,
Palavras de Polônio, texto selecionado por Paulo Rónai)
O Brasil, com este baita “trensalão” que explodiu em São Paulo , também conhecido por “panamá do metrô”, não é o único país do mundo alvejado pelos atos de corrupção praticados em alta escala pelo cartel de megaempresas do setor de transportes. No momento em que as investigações em torno dos trambiques promovidos por aqui avançam, revelando situações escabrosas envolvendo “cidadãos acima de qualquer suspeita”, noutras partes do mundo esquemas de corrupção semelhantes, de menor monta talvez, estão sendo também desmontados. À Siemens, por exemplo, vem sendo atribuído no noticiário internacional um total superior a 4 mil pagamentos eivados de suspeição implicando na liberação de propinas de valor avultadissimo a políticos influentes da Argentina, Rússia, Israel, Venezuela, China, além naturalmente do Brasil.
Os militares golpistas do Egito estão calvos de saber que nada de concreto será feito, no frigir dos ovos, pela comunidade internacional no sentido de conter as barbaridades que vêm praticando. A ajuda financeira substanciosa assegurada pelos Estados Unidos e países europeus, que deveria ser automaticamente cancelada em consequência da interrupção do processo dito de transição democrática, jamais ser-lhes-á sonegada. E se isso, surpreendentemente, viesse a acontecer, é mais do que certo que as tirânicas monarquias feudais do mundo árabe, com a Arábia Saudita à frente, cuidariam de preencher com rapidez – prestimosas aliadas que são das grandes potências ocidentais – o “vazio” que poderia surgir de uma inimaginável ruptura na cooperação estadunidense-egipcia.
Laboram em rotundo engano as pessoas de boa fé que identificam nas condenações veementes ouvidas a cada momento contra a ferocidade da ditadura síria o sincero propósito das grandes potências em se verem livres da presença incômoda do déspota Bashar al Assad no conturbado cenário do Oriente Médio. As críticas à ação do governo de Damasco não passam de jogo retórico pra inglês ver... A chancelaria britânica, pra não falar nas de outros países, conhece essa cantilena enganosa de cor e salteado: o país é um dos fornecedores de armamentos às forças militares que enfrentam os rebeldes sírios. A “lógica” das grandes potências se concentra nos temores de que a eliminação do ditador sírio, por mais abominada que seja sua atuação, poderia favorecer a chegada ao poder de grupos radicais ainda mais nocivos, se é que isso seja ainda possível acontecer. O que fazer? As estratégias geo-politico-econômicas são sempre assim: indigestas e perversas.
No Irã, país dos aiatolás raivosos e seus fanáticos seguidores, dez mil eleitores da cidade de Qazvin apontaram a bela jovem Nina Siakhali Moradi, de 27 anos, para representá-los na Câmara Municipal. A posse da moça foi contestada pelos clérigos sob a alegação de ser ela possuidora de atributos físicos capazes de desencadearem “comportamentos não condizentes com os valores religiosos e os bons costumes”. Pelas barbas do profeta!
Giro por este mundo maluco (II)
“A violência e arrogância estão
invariavelmente entrelaçadas com a mentira.”
(Soljenitsin, ao receber o Nobel da Paz)
A detenção, por nove horas, do jornalista brasileiro David Miranda na escala de duas horas em Londres, voltando de Berlim para o Rio de Janeiro, não passou de um ato de prepotência com fitos de intimidação. Agiu bem o Itamaraty ao condenar a arbitrariedade e convocar o embaixador britânico para esclarecimentos.
O lastimável incidente obedece ao padrão instituído arrogantemente pelas grandes potências valendo-se de métodos típicos dos regimes autoritários que alegam combater. Antes dessa detenção, como se recorda, o avião presidencial de Evo Morales foi submetido a ultrajante busca, ao pousar em aeroporto europeu, sob a falsa alegação de que estava transportando a La Paz o ex-agente da CIA que desnudou os detalhes da operação de espionagem mundial praticada por agências do governo americano. A intimidação ao jornalista baseou-se na circunstância de possuir informações, obtidas como profissional de imprensa, pertinentes aos implacáveis arquivos de Edward Snowden (ora asilado na Rússia) sobre a xeretagem eletrônica daqueles órgãos.
Faça a experiência numa roda de amigos e conhecidos. Coloque na pauta do papo descontraído o caso do ex-agente estadunidense da CIA Edward Snowden. Aquele mesmo que deu conhecimento ao mundo dos detalhes da vasta operação de espionagem, visando o monitoramento das comunicações telefônicas e pela internet, promovida pelo governo dos Estados Unidos dentro e fora de seu território. Pergunte à patota reunida se ela considera Snowden um cara legal ou um cidadão norte-americano desnaturado, como insistem em configurá-lo dirigentes governamentais de seu país. É certo que a quase totalidade dos consultados venha cravar “x” na primeira hipótese. Snowden é visto, pela maioria das pessoas, como um idealista que assumiu atitude crítica com relação à violação dos direitos humanos cometida pelos dirigentes de sua grande nação. Uma nação que, debaixo dos aplausos de muita gente, reportando-se ao notável desempenho que teve no desmantelamento da ameaça nazista na 2ª Guerra Mundial, faz questão de brandir no cenário mundial, como nenhuma outra, o estandarte da liberdade e dos direitos civis como “atributos inalienáveis” da condição humana.
O desmesurado empenho dos superiores hierárquicos do soldado estadunidense Bradley Manning em desqualificá-lo, com insistentes revelações acerca de suas opções sexuais após a condenação pela corte marcial, não invalida em nada a gravidade das denúncias por ele formuladas. Aquelas cenas do helicóptero metralhando civis desarmados, “confundidos” com terroristas, são contundentes demais da conta. Uma perguntinha que não pode deixar de ser feita: os militares que apertaram o gatilho serão levados também à corte marcial?
O governo israelita acaba de dar mais uma prova concreta de sua “resoluta disposição” em promover, por meio de atos e diálogo, a paz com os palestinos. No preciso instante em que, sob a mediação dos Estados Unidos, representantes do Israel e da Palestina se sentavam à mesa de negociações em Washington para reabrir as negociações em torno dos candentes problemas do Oriente Médio, dirigentes de Telavive autorizavam uma nova frente de implantação de assentamentos de colonos judeus na Faixa de Gaza. Tá danado.
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