sexta-feira, 18 de outubro de 2013


Arapongagem universal

Cesar Vanucci*

"O humanismo é a nossa razão de viver.”
(Otto Maria Carpeaux)

Há 12 anos, neste mesmo espaço do DC, divulguei uma sequência de artigos focalizando a ameaça representada para o mundo do “Projeto Echelon”, implantado pelos órgãos de segurança dos Estados Unidos.

Considerada a extrema atualidade do tema, peço licença aos benevolentes leitores para reproduzir na íntegra, a partir de hoje, os conceitos então expendidos. A titulação e a frase que encimam o comentário são as mesmas do artigo inaugural da série, publicado em 24 de maio de 2001.

Muitos se recusam a acreditar. Tudo não passaria de papo furado. História fantasiosa. Já houve até quem rotulasse o projeto de “conto da carochinha”.

Mas, a verdade verdadeira é que o Echelon existe. E, sob todos aspectos, mete medo. Dispõe de condições para materializar as sombrias previsões (não seriam predições?) de George Orwells. O criativo escritor, no instigante “1984”, descreve o clima asfixiante de uma sociedade futurista, onde as pessoas são alvo de feroz monitoramento. A narrativa é uma versão ficcional do Echelon. O livro fala de formidando complexo eletrônico de coleta de informações, que não poupa nem mesmo a intimidade dos lares, e que garante ao “Grande Irmão” o controle absoluto de tudo. Até das vidas. O cinema aproveitou o tema em filme estrelado por Richard Burton, ator inglês falecido, que foi casado com Elizabeth Taylor.

Tem-se, pois, que o Echelon não é ficção. Fruto de notáveis avanços tecnológicos, com as operações centralizadas nos Estados Unidos, numa agência de informações qualificada, a NSA, o Sistema opera a partir de satélites aperfeiçoadíssimos. Além dos EUA, que desfrutam sobre os parceiros de privilégios na utilização do material coletado, fazem parte do projeto países como a Inglaterra, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia. O esquema tem acesso a todo som e imagem produzidos em qualquer parte e que estejam conectados às redes de alcance mundial, telefonia e Internet incluídas. O Echelon trabalha no atacado com base em palavras-chave, não importando os idiomas. As palavras podem traduzir, teoricamente, intenções e procedimentos capazes de afetar os interesses dos países usuários. O acompanhamento à distância desse incalculável volume de dados, postos a circular bilhões de vezes diariamente, poderá representar em alguns momentos preciosa ajuda na identificação de situações que constituam ameaças à coletividade. Como no caso, por exemplo, de eventuais ações terroristas. Mas, como diz o ditado, madeira que dá em Chico, dá também em Francisco. O processo pode se aprestar, assim, a outras conveniências desprovidas de nobreza. Enquadradas no “vale-tudo” do jogo geo-político-econômico das grandes potências, em seu obsedante empenho por supremacia hegemônica.
Vai daí que armações seguramente serão articuladas pelos Estados poderosos, valendo-se das vulnerabilidades alheias, em áreas de movimentação financeira e setores onde são definidas estratégias políticas dos demais países, alcançando até mesmo lideranças regionais “suspeitosas” aos olhos “vigilantes” dos “donos” do Echelon. Ou, nesta versão moderna da vida imitando a arte, aos olhos do “Grande Irmão”.


Voltando ao Echelon

A realidade é mais assustadora do que se poderia supor.”
(Aldo Novak, jornalista)

Nosso papo de hoje reproduz na íntegra o segundo artigo que escrevi em maio de 2001, há mais de doze anos portanto, sobre os riscos que o “Projeto Echelon”, de arapongagem eletrônica, representa para a humanidade. Título e frase prefacial são os mesmos.

Os riscos que a Humanidade corre com o Echelon, sistema de arapongagem eletrônica mundial, vêm sendo avaliados, em acesos debates e em denúncias incandescentes, no Parlamento europeu, no próprio Congresso estadunidense e na imprensa internacional. No Brasil, o tema já trouxe inquietação a diferentes segmentos sociais e profissionais, com repercussão nos meios parlamentares e de comunicação.

O conceituado jornalista Aldo Novak revelou, recentemente, num palpitante trabalho, que por meio do Echelon, a Agência de Segurança Nacional (NSA) pode acessar todas as transmissões de televisão, emissões de rádio, inclusive portáteis e de curta distância, e informações veiculadas através de faxes e correio eletrônico.

Dois episódios, do recente noticiário, ilustram os perigos que o Sistema carrega. O Vaticano denunciou o que foi classificado por um porta-voz de violação da intimidade do Papa João Paulo II. Todos os indícios de inominável devassamento dos domínios domésticos pontifícios apontaram na direção do “Projeto Echelon”.

Num outro incidente, pacata família estadunidense teve a casa subitamente invadida por tropas de choque, à cata de terroristas e de bombas de alto poder destrutivo. Desfeito o mal-entendido, apurou-se que tudo brotara de inocente conversa telefônica, em que a palavra-chave “bomba” fôra utilizada mais de uma vez. Decodificada pela parafernália eletrônica, a conversa de duas comadres soou, aos ouvidos de zelosos agentes, especializados no combate a práticas terroristas, como tenebrosa conspiração. Acionar a SWAT foi a emergência recomendada, meu santo Euzébio!

O “Grande Irmão”, meus amigos, está aí, firme nos arreios, como se diz na saborosa linguagem roceira. Prontinho da silva para levar a cabo sua “sacrossanta missão”.

Governantes, humanistas, a sociedade, todos temos que nos pôr, também, atentos aos desdobramentos desse desconcertante esquema de espionagem. Dele podem nascer conseqüências inimagináveis em matéria de “arapongagem” eletrônica.

O Echelon está a exigir a criação de regras jurídicas poderosas, que coloquem ao abrigo de sinistras maquinações a dignidade do ser humano. Sem o que, estaremos todos contribuindo para que conquistas milenares, de conteúdo humanístico e espiritual, sejam arrastadas de roldão nas correntezas do obscurantismo e da insensatez, estimulados por uma ciência e por uma tecnologia que vêm sendo, volta e meia, flagradas em descompasso com os valores éticos.


Ogivas, antraz e Echelon

 “Se a preocupação na Europa é com a espionagem industrial,
 a dos americanos é com a intromissão na vida das pessoas”.
(Argemiro Ferreira, jornalista )

Em 25 de março de 2000, treze anos passados, sob o título “Ogivas, antraz e Echelon”, escrevi um artigo focalizando temas palpitantes da realidade internacional, com realce para o tenebroso esquema representado pelo “Projeto Echelon”, operação de bisbilhotice eletrônica montado pelas agências de segurança dos Estados Unidos.

Considero oportuno reproduzí-lo, nesta hora em que a espionagem eletrônica praticada em alta escala pela Casa Branca frequenta destacadamente as manchetes.

No Oriente Médio, aquela desavença milenar, quase insanável, envolvendo os primos - irmãos judeus e árabes. Menos insanável agora do que antes, quando o cargo de primeiro - ministro de Israel era ocupado pelo ultra radical e nada simpático Benjamin Netanyahu. (Abra-se parêntese para lembrar que este artigo foi publicado no ano 2000 e que Benjamin Netanyahu ocupa, hoje, novamente, o cargo de primeiro Ministro de Israel)

Em boa parte da já tão flagelada África e no Haiti, a falta d’água inclemente soa como um SOS dramático. Em outros lugares deste planeta azul, inclusive na Europa, que tanto se jacta de sua supremacia cultural, continuam acontecendo as guerras tribais de sempre. E estão, também, aí, o racismo, a intolerância religiosa e o neo-nazismo redivivo, com sua catadura feroz; a fome e as condições de vida sub humanas de multidões colossais de irmãos nossos, excluídos dos benefícios sociais desta era paradoxal, de crescente esplendor tecnológico. A registrar, ainda, as agressões ao meio ambiente e aos direitos fundamentais da criatura humana; a corrida armamentista que exaure recursos que poderiam ser melhor aproveitados na solução de problemas cruciais do momento. Lembremo-nos, em seguida, das guerras regionalizadas, laboratórios para instrumentos de destruição cada vez mais requintados; do neo-colonialismo embutido nas propostas do neoliberalismo com sua globalização fajuta, uma contrafação à autêntica universalização dos interesses, sentimentos e direitos das aspirações humanas.

Tudo isso e muitas coisas mais, de registro perturbador na crônica contemporânea, já seriam mais do que suficientes para manter a humanidade inteira desconfortavelmente ansiosa. Mas existe, ainda, um punhado de situações, iguais ou mais alarmantes, conservadas deliberada e estranhavelmente distantes do conhecimento público.

Uma delas diz respeito ao destino ignorado (e amedrontador) que se deu, após o desmantelamento do tirânico império, a parte do arsenal nuclear dos tzares bolchevistas. Onde foram parar as 84 ogivas nucleares, capazes de produzirem vários Armagedons, subtraídas dos estoques? O responsável pela revelação acerca do sumiço das bombas, foi o ex-ministro da Defesa da Rússia. As ogivas estão hoje em poder de quem? Será que de países dominados por extremistas, nalgumas dessas áreas conflituosas nevrálgicas do mapa? Não serão os atuais guardiães dos artefatos terroristas a serviço do ódio religioso ou racial?

Outra situação insatisfatoriamente divulgada está ligada a insuspeitados e inimagináveis recursos bélicos bolados com vistas a uma eventual guerra bacteriológica. Influentes cientistas manifestaram temor quanto a que possa cair em mãos erradas (excluída por eles a hipótese de que já esteja) um produto químico chamado Antraz. Para se ter idéia do poder mortífero do produto basta este aterrador prognóstico. Um frasco de 300 miligramas de Antraz lançado na atmosfera de uma cidade do porte de Nova Iorque dizima toda a população em duas semanas. Olha aí a realidade suplantando a ficção do mais imaginativo filme de terror!

Um outro petardo devastador desferido contra a sociedade indefesa, recordando a figura simbólica e assustadora do “Grande Irmão”, extraída da fecunda criação literária de George Orwells, ficou conhecido pela denominação de Echelon. Poucos sabem do que se trata. Manipulada pela NSA, uma organização secretíssima, dotada de poderes superiores aos da CIA, é a denominação dada a uma rede global de satélites e computadores estruturada para espionar tudo, em todos os rincões. Conforme denunciou o programa “60 minutos”, da CBS, a Echelon dispõe de sofisticadíssimo complexo de satélites em condições de fotografar, de grandes altitudes, com incrível nível de definição, cenas que ocorrem na superfície de qualquer recanto do globo. Está preparada para captar, também, mediante processos eletrônicos avançadíssimos, informações de qualquer esquema, o mais protegido, de processamento de dados por computador. Intromete-se, abertamente, na vida de qualquer cidadão. Um diálogo sigiloso de João Paulo II e Madre Tereza de Calcutá foi reproduzido pelo aterrorizante meio. A casa de uma pacata família americana foi invadida por agentes policiais, com base numa informação, mal assimilada, de que o garoto, filho do casal, levara à escola bombinhas juninas. O buscapé virou, na decodificação de inofensiva mensagem, bomba de alto poder explosivo.

É assim, de sobressalto em sobressalto, produzidos pela insensatez e insanidade, que se vai montando a história destes tempos complicados. O jeito que tem, para os simples e de bom senso, é atentar para o aconselhamento evangélico: vigiar e orar. Sobretudo orar.

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