Sintonia com a mensagem evangélica
Cesar Vanucci
“Não sendo um dogma, pode ser discutido livremente.”
(Pietro Paralin, Secretário de Estado do Vaticano, sobre o celibato sacerdotal)
Os setores religiosos ultra conservadores, aglutinando um bocado de indivíduos que se crêem mais católicos que o Papa, já não mais se esforçam por esconder o tremendo desconforto que lhes andam causando as falas e gestos de Francisco.
Em sua esclerótica interpretação da aventura humana, esses setores costumam identificar nas mensagens e posturas pontifícias graves riscos doutrinários. Riscos – acreditam - capazes de subverter a ordem religiosa constituída. Por ordem religiosa constituída entenda-se, na linha do rançoso entendimento integrista, um catálogo inesgotável de vetos à celebração da vida. Um compêndio de preceitos medievais inspirados na intolerância, revelador da incapacidade dos que os adotam de participarem da construção humana pelo diálogo respeitoso e partilhamento de ações e idéias com grupos que rezem por cartilhas diferentes das suas.
Assim sendo, soa-lhes sacrílega, por exemplo, a decisão de Francisco em acolher carinhosamente uma mulher islamita num ritual habitualmente reservado a fiéis católicos. Escandalizam-se com a determinação de Francisco em deslocar-se até um porto marítimo que ancora embarcações de africanos escorraçados pelas guerras tribais, para levar-lhes uma palavra de alento e fazer explicita condenação aos sistemas de espoliação de que esses refugiados se tornaram indefesas vítimas.
Arrepiam-se pra valer quando o Papa, respondendo a uma consulta de um renomado intelectual italiano ateísta (Eugenio Scalfari), revela de forma lapidar, em tom fraternal, que os cidadãos devem seguir os impulsos generosos da própria consciência quando não professam uma crença. Rangeram, por certo, os dentes ao ouvirem a recomendação papal no sentido de que os fiéis ponham fim ao clima de obsessão reinante à volta das discussões sobre aborto, união estável entre pessoas do mesmo sexo e outros temas candentes.
Sentiram-se, também, com certeza, abalados com a declaração de Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano recém-nomeado, relativa ao celibato dos padres. Não sendo um dogma, pode ser discutido amplamente, foi o que ele disse, abrindo a perspectiva de uma mudança de rumos capaz de trazer de volta aos púlpitos enorme contingente de cidadãos vocacionados para o ministério sacerdotal.
Esses setores religiosos fundamentalistas refratários a idéias remoçantes receberam também com desagrado a utilização por Francisco da cátedra universal pontifícia para criticar com veemência a ordem econômica e social injusta imposta às multidões deste planeta azul. Bem como para condenar as guerras que pipocam por diversos continentes e são, por vezes, apresentadas enganosamente como confrontos entre as forças do bem e do mal, quando não passam, segundo a mensagem atualizada de Roma, de mero e repugnante negócio para venda de armas e sustentação de esquemas iníquos de opressão.
Em toda essa história, o que mais importa, todavia, é saber que a atuação de Francisco está em sintonia com a mensagem evangélica que vem do começo e do fundo dos tempos e que isso ajuda a manter acesa a esperança humana num mundo melhor.
Obama afogou-se nas contradições
“Não podemos aceitar esse tipo
de comportamento entre parceiros e aliados.”
(François Hollande, presidente da França,
criticando a política de espionagem dos EUA)
Por tudo quanto é canto deste mundo conturbado pessoas de todas as etnias e crenças se perguntam, em clima de compreensível estupefação, o que aconteceu com Barack Obama. Quais as razões dessa chocante guinada de 180 graus dada por um cara que ascendeu aos cumes do poder em jornada cívica empolgante, enfrentando percalços de toda ordem. E que, arrostando virulentas incompreensões, nascidas da intolerância mais descabida, e justamente por isso, andou acumulando credibilidade e simpatia como nenhum outro estadista mundial em tempos recentes.
Que diabo de coisa é essa que provoca num homem vocacionado para a liderança repentina mudança de atitudes de tamanha proporção? Que ínvios caminhos foram esses no percurso percorrido que levaram personagem tão fascinante, um cidadão amável, de porte altivo e desassombrado, verbo chamejante, preciso nas conceituações alusivas a um processo de construção humana bem estruturado, defensor impreterito dos direitos civis, a abdicar de suas alardeadas convicções humanísticas? A botar clamorosamente pra escanteio a chance de assumir, ao lado dos patrícios Roosevelt e Luther King e de cidadãos do mundo como Gandhi e Mandella, um lugar de proeminência na história contemporânea?
Quando da chegada à Casa Branca, Obama soube como ninguém reacender a chama da esperança por um mundo melhor em bilhões de corações generosos. Por onde circulou, nos numerosos locais visitados, arrancou aclamações entusiásticas de verdadeiras multidões.
Mas, pouco a pouco, esse clima de contaminante euforia à volta do líder providencial, foi sendo desfeito, em razão dos atos praticados contradizerem contundentemente a retórica retumbante. Obama enveredou por um cipoal de contradições e vacilos. Desmentiu-se um bocado de vezes. Pisou na bola. Afogou-se em contradições.
Candidato a Presidente, garantiu repetidamente, debaixo de ovações populares, que iria por fim ao terrorismo das escutas telefônicas executado pelo seu belicoso antecessor, o xerife George Bush. Não cumpriu nada do que prometeu. A arapongagem eletrônica estadunidense foi ampliada a níveis que se fizeram a cada dia mais intoleráveis. Que o digam o Brasil e os brasileiros.
Assegurou que conteria os impulsos belicistas dos falcões que enxameiam os corredores do Pentágono. O que se viu, pelo contrário, foi uma extensão mortífera das intervenções por parte das poderosas forças armadas estadunidenses. Sempre em aberto desafio aos sentimentos da opinião pública e às recomendações expressas da comunidade das nações.
Asseverou, seguidamente, que riscaria do mapa o campo de concentração de Guantânamo, restabelecendo a ordem jurídica na apreciação dos casos dos detentos recolhidos ali e em penitenciárias clandestinas implantadas nalguns países do leste europeu. Paises esses que não escondem mórbido saudosismo dos tenebrosos tempos da KGB e órgãos de repressão assemelhados disseminados pelo extinto império bolchevista. Tudo, nessa questão tormentosa, não passou também de retórica oca.
Ganhou antecipadamente, tal a expectativa formada à volta das credenciais exibidas, um – vê-se agora com cristalina clareza – imerecido Nobel da Paz. Num dos lastimáveis vacilos cometidos, estimulou Lula e o primeiro ministro turco Tyyiq Erdogan a promoverem entendimentos com o regime dos aiatolás raivosos do Irã, numa tentativa de apaziguamento dos ânimos com relação ao controverso programa desenvolvido pelo país no melindroso campo da energia nuclear. As gestões foram concluídas com razoável sucesso. Mas Obama deixou os dois prestimosos aliados desguarnecidos, a falarem sozinhos em meio à tormenta.
Espalhou rastro inapagavel de decepções em tudo quanto é lugar, chocando aliados e seguidores. O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, traduziu isso em incisivo comentário: “É chocante que os Estados Unidos atuem contra os seus aliados mais próximos de forma comparável as medidas tomadas no passado pela KGB, da União Soviética.”
Obama vem demonstrando também inabilidade perturbadora na condução do processo de paz no conflagrado Oriente Médio. Dá mostras continuas de antepor-se ao projeto, irresponsavelmente protelado há décadas, de constituição da pátria palestina. A um só tempo em que, da boca pra fora, derrama-se em louvores às políticas de fortalecimento da democracia e de difusão dos direitos fundamentais, confere apoio irrestrito a ditaduras feudais no convulsionado mundo árabe.
Todo esse amontoado de insanáveis contradições acabou – fica evidente – por derrubá-lo do pedestal em que foi colocado, por largo espaço de tempo, no conceito da opinião pública mundial. Que pena!
Um comentário:
Muito bom, meu amigo Cesar, seu texto: "Sintonia com a mensagem evangélica". Lúcido, corajoso e encorajador. Grande abraço. Jamil
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