O poetaço Vinicius
Cesar Vanucci *
“O material do poeta é a vida.”
(Vinicius de Moraes)
Temo, sinceramente, que a expressão
poetinha, aplicada carinhosamente a Vinicius de Moraes por legiões de fãs
brasis afora, seja também empregada desembaraçadamente em certos redutos
acadêmicos obsessivamente focados em cânones literários herméticos, como
tentativa de restringir a extraordinária importância da obra artística desse
poetaço. Uma obra que assegura ao personagem mencionado o sagrado direito de
figurar com realce na lista dos maiores poetas da língua.
Na minha desajeitada percepção
revelam-se indisfarçáveis os sinais de que setores intelectuais com algum grau
de influência na vida literária encontram dificuldades em reconhecer o papel
exponencial de Vinicius no amplo espectro de nossa cena cultural. Não deixam, é
certo, de festejá-lo pelos notáveis méritos acumulados como inspirado
compositor e autor de versos encantadores lançados em inesquecíveis canções. Nem
de aplaudi-lo, com entusiasmo, pela demonstração pujante de seu talento no
território da música popular brasileira. Mas reservam, falar verdade, tempo de
menos para celebrar o fascínio impactante de sua fala poética. De sua fala
romântica. De sua fala social. Uma espécie de conspiração de silêncio parece
envolver o todo da invulgar criatividade desse artista da palavra. Um poeta,
escritor, cronista que soube fazer-se intérprete de generosos sentimentos e
anseios. Sentimentos que povoam a alma humana, nas manifestações de cunho
romântico produzidas. Anseios sociais genuínos brotados das vivências
comunitárias, registrados em suas vibrantes manifestações de teor social.
Homem de seu tempo, um contemporâneo do
porvir, com percepção aguda das coisas de sua terra e de sua gente, poeta
universal de todos os tempos, o saudoso Vinicius de Moraes, ora merecidamente homenageado
em verso, prosa e música pelo transcurso do centenário de nascimento, foi em
vida um dos intelectuais mais bem providos de dons desse país. Não há exagero
em se aponta-lo como um gênio da raça. Um cultor das letras que se lembrou do futuro,
como proposto num mimoso conceito de Jean Cocteau. Um poeta singular cujo olhar
“girando em delírio, vai do céu para a terra, de terra para o céu e, no que a imaginação
vai tomando corpo, usa da pena para cativar a essência das coisas,
moldando-lhes a forma e dando a um nada construído no ar um nome e um ponto de
referência”, como na descrição de Shakespeare em o “Sonho de uma noite de
verão”.
Enfim, um poeta e tanto e compositor
magnifico que entendeu que seu material de trabalho deveria ser sempre a vida,
“com tudo que ela tem de sórdido e sublime”. Alguém compenetrado de que a missão
abraçada em seu nobre ofício “é a de ser expressão verbal rítmica ao mundo,
informe de sensações, sentimentos e pressentimentos dos outros com relação a
tudo o que existe ou é passível de existência no mundo mágico da imaginação”, conforme
as próprias palavras com que descreve sua participação no jogo da vida.
Vinicius de Moraes, na música, no verso,
na crônica, foi simplesmente um poetaço.
Repúdio universal
“Os Estados Unidos já não têm
mais aliados. Só alvos e vassalos!”
(Deputado francês Jean-Jacques Urvoas)
A credibilidade da Casa Branca, junto
com a imagem de bom mocismo de Barack Obama, vem despencando ladeira abaixo de
forma estrepitosa. A acumulação ruidosa de evidencias a respeito da xeretagem
eletrônica mundial posta a funcionar a pleno vapor, com o solerte intuito de
promover trapaças comerciais, políticas e financeiras, acendeu a luzinha
vermelha indicativa da ultrapassagem inaceitável dos limites éticos e legais.
Dilma Rousseff foi a primeira a exprimir
indignação diante dos estarrecedores fatos. Pediu na ONU, debaixo de aplausos,
a implantação de um marco regulatório universal que seja capaz de deter o
traiçoeiro processo de invasão da privacidade executado pelas agências
estadunidenses de espionagem.
Depois disso, chegou a vez de Angela
Merkel chiar. Em nome do governo alemão, a chanceler não poupou críticas
ásperas aos “muy amigos” que, há anos, andam monitorando seus passos e os das
autoridades e cidadãos de sua pátria. Considerou naturalmente afrontoso tal
procedimento. Nota oficial do governo de Berlim, cobrando explicações de Obama,
assinalou que “entre amigos próximos, como têm sido Alemanha e Estados Unidos
por décadas, não deveria haver vigilância.”
O Presidente François Hollande, da
França, também manifestou enorme irritação com a conduta dos “leais aliados”
norte-americanos. Foi secundado no protesto pelo presidente da Comissão de
Legislação da Assembleia Nacional francesa, Jean-Jacques Urvoas, que num
comunicado, entre outras coisas, disse o seguinte: “Os Estados Unidos já não
têm mais aliados. Só alvos e vassalos.” Pelas apurações feitas, a Agência de
Segurança Nacional (NSA) grampeou nada mais nada menos do que 70 milhões e 300
mil ligações telefônicas e e-mails no território francês em apenas um mês,
transmitidas pelas redes Wanadoo e Acatel.
Igualmente vítima das sherloqueanas
trapalhadas, o governo espanhol engrossou o coro dos protestos, a um só tempo
que a imprensa internacional revelava ter havido monitoramento constante das
ações de Felipe Calderon, presidente mexicano, pelas “agências de segurança” de
seu mais próximo vizinho. Das reações mexicanas com relação a esse caso
específico de arapongagem pouco se conhece. Acontece que o México mantém uma
relação muito peculiar com os Estados Unidos. Não dispomos de condições para
saber se a situação absurda que nos propomos agora a relatar ainda persiste. Mas,
até bem pouco tempo, os consulados mexicanos exigiam estranhavelmente de
turistas estrangeiros que requeressem visto de entrada em seu belo país um
compromisso formal no sentido de não virem a utilizar a liberação concedida
para alcançar, posteriormente, o território estadunidense. Esses órgãos
operavam, pelo que estava à vista, como repartições anexas ao serviço consular
dos Estados Unidos, algo que, com presumível certeza, desgastava e constrangia
os cidadãos mexicanos. Não fica fora de propósito imaginar que de sabujices do
gênero é que tenha nascido aquele intrigante desabafo do líder mexicano
Porfirio Dias registrado pela história: “Pobre México, tão longe de Deus e tão
perto dos Estados Unidos!”
As flamejantes denúncias vindas a furo
sobre a espionagem norte-americana envolvendo 35 (ou mais) chefes de Estado dão
conta ainda da existência de relatórios em que as agências estadunidenses
classificam, cinicamente, a internet de “instrumento valioso de trabalho” por
permitir ao governo do país “conduzir negociações bem sucedidas em assuntos
políticos e planejar investimentos internacionais”. É o caso de dizer: Valha-nos
Deus, Nossa Senhora!
Enquanto os aliados dos Estados Unidos
do lado de cá expressam inconformismo com relação às escutas clandestinas,
aliados do lado de lá, do Oriente, lamentam um outro tipo de ação executada
pela Casa Branca que tem dado causa a mortes violentas no seio da população civil.
Na caça a combatentes terroristas, os chamados “drones”, veículos aéreos não
tripulados, vêm despejando misseis mortíferos em áreas habitadas por civis
inocentes que nada têm a ver com os inimigos apontados como alvos. Isso vem
suscitando onda de revolta contra a política estadunidense nas regiões
atingidas pela vigilância aérea.
Todos esses fatos explicam as
articulações que diversos países fazem no momento no sentido de controlar um
pouco os ímpetos norte-americanos. Como no caso das interceptações telefônicas,
que levaram à proposta apresentada pelo Brasil, já agora endossada pela
Alemanha e outros membros da ONU, em favor da criação de um marco regulatório
internacional para a internet. Órgãos internacionais apelaram ao Brasil para que
organize um encontro mundial sobre governança na internet com o objetivo de
estabelecer regras de controle sobre a rede, de modo a impedir sejam
desvirtuados seus objetivos originais em favor da construção do bem-estar
humano.
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