sexta-feira, 17 de janeiro de 2014


XX ENCONTRO CULTURAL DA ACADEMIA


São números surpreendentes

Cesar Vanucci *

“Em matéria de recursos públicos, o que se desperdiça
constitui verdadeira afronta aos direitos humanos.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)

Uma das teclas mais marteladas na rebelião das ruas em junho passado foi o gasto exagerado com a construção e adaptação de estádios para a Copa. E não é que os manifestantes estavam entupidos de razão? Dados e números de fontes qualificadas, recentemente trazidos ao conhecimento público, provam a procedência do clamor popular. Levantamento da consultora suíça HPMG sustenta que os gastos brasileiros com a preparação dos estádios superam os das últimas edições da Copa. A de 2006, na Alemanha, e a de 2010, na África do Sul.

A avaliação toma por base, nos cálculos procedidos, a quantidade de assentos disponíveis nas arenas esportivas. Estabelece, consoante com tal metodologia, um ranking em matéria de custos que mostra nosso país, numa lista de 20, com a metade dos estádios mais caros do mundo.

O “Mané Garrincha”, de Brasília, figura no terceiro lugar da relação, atrás de dois estádios ingleses, o Wembley e o “Emirates Stadium”, pertencente ao Arsenal. Sua construção, de acordo com o critério apontado, chegou aos R$20.770 por assento, enquanto que os valores despendidos nos dois outros estádios citados foram respectivamente de R$32.480 e R$23.370.

Na sétima colocação, o Maracanã custou R$15.640. A Arena da Amazônia, décima posição, custou R$13.780. O Itaquerão, em São Paulo, vai ficar em 12º lugar: R$12.820 por assento. Em 13º, a Arena Pantanal (R$11.860); em 14º, a Arena Pernambuco (R$11.540); em 15º, a Fonte Nova, Bahia, com R$10.570; em 19º, o Mineirão, com R$10.250; em 17º, o Castelão (R$8.970); e em 20º, a Arena das Dunas (R$7.690,00).

Um estudo paralelo concernente ao mesmo tema, este elaborado pelo Instituto Braudel em colaboração com a ong “Play the Game”, ambas também europeias, revela que cada assento nos doze estádios brasileiros que sediarão jogos do Mundial custaria R$13.500. As médias apuradas por assento nas arenas das Copas da África, Alemanha, Japão/Coreia foram, respectivamente, de R$12.100, R$7.900 e R$11.600,00.

Esses levantamentos todos apontam outras cifras para efeitos comparativos. O novo estádio Wembley, na Inglaterra, ficou em R$ 2 bilhões, 920 mil reais. O estádio de Brasília tem custo estimado de R$ 1 bilhão, 430 mil reais. Na nova arena da Juventus (Itália), incluída no ranking em 18º lugar (R$9.290 por assento), foram aplicados R$ 384 milhões de reais.

Esses dados e números suscitam algumas considerações e interrogações. Vamos lá a algumas, das mais chamativas. Por que cargas d’água, essa decisão de se construir o Itaquerão, em São Paulo? Não seria mais correto, e provavelmente, bem menos dispendioso optar-se pela modernização de um estádio já pronto? Caso, por exemplo, do Morumbi? Adiante. Em Manaus e Natal ocorreram fatos totalmente desprovidos de um mínimo de bom senso. Colocou-se abaixo, na capital amazonense, um estádio de 40 mil lugares, implantado em 1970 dentro de concepção arquitetônica bastante elogiada na época, para erguer-se uma outra arena. Algo similar ocorreu no Rio Grande do Norte. Uma arena nunca utilizada na plenitude de sua capacidade foi jogada no chão, para ser substituída por um estádio com o dobro de assentos. Como explicar isso?

O tema clama por outras observações. Os custos do Maracanã e do Mineirão são – pra dizer o mínimo – surpreendentes. Afinal de contas, ambas as arenas, de feição arquitetônica moderna, majestosas, em condições de acolher multidões, já tidas antes de envergarem suas novas e vistosas roupagens como marcos referenciais entre os estádios do mundo, passaram por um processo de adaptação danado de dispendioso, envolvendo cifrões superiores aos de outras arenas nascidas do nada. Precisava ser mesmo assim? O Comitê Organizador da Copa está na obrigação de prestar à opinião pública os esclarecimentos necessários acerca dessas elevadas aplicações nas obras de reforma desses estádios. Aliás, falar verdade, os esclarecimentos por todos aguardados terão que abranger o conjunto inteiro das ações levadas avante com o aplaudido objetivo de fazer da Copa de 2014 um evento histórico.

A circunstância de parte dos recursos investidos derivarem de fontes privadas não desobriga, de maneira alguma, os órgãos governamentais do dever de oferecerem à apreciação da sociedade uma prestação de contas de transparência solar. Até porque não se pode deixar de lado a marcante a participação do BNDES e de outros Bancos oficiais nos investimentos.

De outro lado, os dirigentes do Comitê Organizador do torneio necessitam, também, se conscientizarem de um indeclinável dever. A abertura, com urgência, dos debates a respeito do que poderá ser feito, tão logo concluídos os jogos, no sentido de impedir que alguns estádios se transformem em “elefantes brancos”. Ou seja, em afrontosos monumentos ao desperdício.

Violência urbana

“Por conta da estupidez humana, as grandes cidades,
não importa o país, banalizaram de tal forma a violência
 que os moradores acabam se sentindo, às vezes,
em certos lugares, protagonistas de filmes de terror.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)

A informação registrada a seguir não pode servir, jeito maneira, de consolo pra ninguém, como dado comparativo pertinente à violência urbana imperante aqui ou alhures. Vale simplesmente como uma amostra assustadora a mais do clima de sobressalto que alveja hoje de forma impiedosa o ser humano. Não apenasmente e tão somente em terras brasileiras, mas em tudo quanto é canto deste convulsionado planeta azul.

Caso é que um jovem brasileiro, de Uberlândia, Minas Gerais, desapareceu no mês de novembro passado, em circunstâncias alarmantes, na cidade de São Francisco, Estados Unidos. Intelectualmente bem dotado, dominando fluentemente quatro idiomas, perspectivas de carreira brilhante, ele fazia ali curso de especialização em desenho industrial. Pessoas da família e amigos, além da própria policia do lugar, receberam em derradeiros contatos ligações telefônicas dele, dizendo-se perseguido e clamando por socorro. Muitos dias angustiantes transcorreram sem qualquer informação que levasse ao seu paradeiro. Só agora, no finalzinho do ano, o corpo do moço acabou sendo finalmente localizado na baia da cidade. Para chegar até ai, a família viu-se compelida a acionar gente importante do governo. Conseguiu desse modo apressar as investigações.

Naturalmente traumatizados com a dolorosa ocorrência, sem se inteirarem ainda dos detalhes misteriosos que envolveram a morte do rapaz, puderam constatar, durante permanência nos Estados Unidos para a identificação e o funeral, que outros oito jovens latinos, da mesma faixa etária, também foram dados como desaparecidos na mesma ocasião, naquela ciclópica metrópole americana. Fizeram outra constatação não menos dolorida: no departamento de medicina legal de São Francisco, 1.200 corpos jazem em gavetas mortuárias à espera de identificação. Mais: o órgão responsável pelas perícias médicas dispõe de apenas um único legista pra cuidar de um problemão com toda essa proporção.


Como dito no início, as revelações erguidas documentam um capitulo a mais numa tragédia de caráter universal: a violência urbana, nos grandes centros sempre acompanhada de assustadores indícios da impotência dos sistemas de segurança pública no sentido de enfrentá-la.

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