A
Copa vai bem, obrigado
Cesar Vanucci*
“Os profetas do apocalipse falharam. Como de
costume”
(Antônio Luiz da Costa, professor, a respeito da
Copa)
Ninguém põe mais em
duvida a esta altura do campeonato os benéficos resultados auferidos pelo
Brasil com a realização da Copa. Não há como contabiliza-los de pronto, em todo
o extraordinário peso e dimensão, à vista das infinitas situações e circunstâncias
suscetíveis de avaliação.
As profecias que
acenavam com cenários apocalípticos, nas quais os plantonistas do desalento
“sustentavam por a + b” que nós, brasileiros, “ao contrário de outros povos”,
não dispomos de condições para botar em funcionamento empreendimento dessa
magnitude, deixaram evidenciado, outra vez, o analfabetismo atordoante de
alguns com referencia às coisas de seu próprio País. Chega a ser patético o desconhecimento que
conservam das potencialidades e virtualidades de sua Nação. Esses segmentos minoritários,
intoxicados de baixa estima, com seu “complexo de vira-lata” detectado por
Nelson Rodrigues, mantêm-se constantemente aferrados a concepções esmagadas
pela história, no lado oposto ao verdadeiro sentimento nacional. Tendo acesso,
de certa forma desembaraçada, à comunicação midiática, esses grupos
especializaram-se em propagar o derrotismo, o pessimismo em doses mastodônticas.
No caso da Copa, vislumbraram o caos. Quebraram a cara. A catástrofe, a nos
basear em seus critérios destrambelhados de apreciação dos acontecimentos,
estava inapelavelmente programada. Iria acontecer antes e durante os jogos.
Herdeiros das mesmas
ideias retrógadas daquelas outras despreparadas falanges que preconizavam
também, anos atrás, “inevitáveis hecatombes” como consequência da construção de
Brasília, propagaram intensamente que a Copa representaria maleficio sem
remédio. Nosso País não disporia de condições minimamente razoáveis para
leva-la a cabo. A realidade contrapôs desmentido estrondoso à baboseira
irresponsavelmente alardeada. Constatando, sem preocupação de dar ênfase
demasiada ao colosso de obras físicas implantadas - herança social e econômica,
diga-se de passagem, que permanecerá para sempre -, deparamo-nos com a radiosa
possibilidade de poder assinalar, já agora, muitos frutos compensadores do
certame esportivo.
Fixamo-nos, sobretudo,
na descomunal projeção que o País adquiriu no olhar mundial para mostrar-se por
inteiro como realmente é. Um País bastante rico, de cultura exuberante, com
atrações naturais incomparáveis, estuante de vida, carregado de oportunidades.
E, por isso mesmo, capacitado a oferecer à sociedade moderna contribuição
humanística valiosa na composição de um modelo social econômico de vida que
aprimore o processo civilizatório. Contribuição, bom lembrar, não é de hoje pressentida
nos estudos de uma gama numerosa de pensadores altamente representativos da
inteligência universal. De Darcy Ribeiro e Stefan Zweig a Domenico de Biasi.
A disseminação dos
atributos dos brasileiros, mundo afora de maneira mais intensa por força deste instante
afortunado da Copa, já está trazendo ganhos. E promete trazer mais resultados
positivos para este nosso País abençoado por Deus e bonito pela própria
Natureza. Um País, para orgulho nosso, pluralista no campo das ideias,
democrático, com idioma único apesar da vasta extensão territorial, onde o
relacionamento cotidiano revela-se, em termos gerais, infenso a posturas
belicosas incuráveis, nascidas de intransigências e dogmatismos diante das
diversidades étnicas e religiosas, ao contrario do que rola pelo mundo lá fora.
E por ultimo. “Vips do
Itaquerão”, a expressão utilizada pela médica Fátima de Oliveira, num artigo em
“O Tempo”. Achei bastante apropriada essa referencia aos radicais aloprados que
compuseram aquele enfezado coral da abertura da Copa, que num evento politico posterior
foram imitados, em sua estupidez e babaquice, por um líder sindical e
parlamentar oposicionista sem modos. Essa gente nada tem a ver com o autentico sentimento
popular. As camadas majoritárias da população, que acompanharam a festa de
abertura pela tevê e em telões por não poderem pagar os elevados preços de ingressos
estipulados pela FIFA, jamais expressariam divergências e descontentamentos
apelando para tão rematada boçalidade.
O
gol que não foi mostrado
Cesar Vanucci*
“A responsabilidade é toda dela, FIFA.” (Miguel Nicolelis,
neurocientista, coordenador do projeto “Andar de
Novo”)
Dona
FIFA – ora, veja, pois! – menoscabou a importância do feito cientifico do
respeitado neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. Reservou fração de tempo
infinitesimal na insossa festa de abertura da Copa para apresentação do projeto
“Andar de Novo”. A pretensão dos autores do projeto era mostrar ao mundo as
imagens de um tetraplégico, no caso especifico Juliano Pinto, brasileiro, 29
anos, amparado numa estrutura robótica, dando o pontapé inicial da brazuca no
centro do gramado do Itaquerão, na cerimonia inaugural dos jogos.
As
coisas, infelizmente, não funcionaram de acordo com o roteiro traçado. Faltou
engenho por parte dos técnicos incumbidos das filmagens e empenho por parte da
cartolagem. As câmeras espalhadas pela majestosa arena esportiva não projetaram
nada daquilo que estava anunciado. O telespectador não conseguiu captar com
nitidez a cena programada. Ou seja, uma pessoa desprovida de movimentos nas
pernas, apoiada por uma estrutura metálica de sustentação do corpo que reage a comandos
cerebrais, erguer-se da cadeira de rodas, a movimentar-se em direção da bola para
o chute.
“A
FIFA deveria responder pela edição das imagens que impediu fosse a demonstração
transmitida na integra. A responsabilidade é toda dela”, sublinhou Nicolelis,
confessando-se, nada obstante, satisfeito com o experimento científico
propriamente dito. Os apenas 15 segundos disponibilizados na transmissão para
registro do histórico acontecimento foram inseridos no meio do desenxabido
espetáculo artístico montado e vistos de relance por parcela mais atenta do
publico. A narração do fato ocorreu tardiamente, passando a sensação de que os
próprios locutores não estavam devidamente informados do que estava rolando. De
outra parte, o lance aconteceu fora e não no centro do campo, ao contrário do
que era esperado, sob a alegação fajuta de que a movimentação do jovem
tetraplégico com o aparelho denominado exoesqueleto pressionaria o terreno. O
mesmo terreno, por sinal, que suportou sem danos as estruturas do show. Tudo
isso impossibilitou que o publico se inteirasse, em nível de detalhe, da proeza
cientifica. Em resumo, o que se acabou vendo, em descrições insuficientes dos
narradores, foi um lance solto da bola em movimento com nada em especial que
pudesse empolgar a assistência.
O
resultado positivo da experimentação cientifica ficou, todavia, bem configurado
na manifestação de Glauco Arbix, presidente da FINEP (Financiadora de Estudos e
Projetos), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Suas as palavras
que se seguem: “A FINEP se orgulha de ter investido 33milhoes de reais no projeto
“Andar de Novo”, que vem sendo desenvolvido há dez anos. Foi um verdadeiro gol
da ciência brasileira. Nossos cientistas mostraram para o mundo do que são
capazes. Acompanhamos os testes do exoesqueleto e sempre tivemos a melhor
expectativa possível. Isso foi confirmado agora.” Miguel Nicolelis partilhou do
mesmo sentimento: “Foi um grande gol da nossa ciência e dos oito pacientes que
se dedicaram à experiência”. Segundo o pesquisador os testes foram concluídos
com êxito no final de maio. O exoesqueleto, respondendo a comando da atividade cerebral
do operador, no caso o jovem tetraplégico, favorece movimentos naturais e
fluidos que produzem a sensação de que o paciente esteja a caminhar com as
próprias pernas. A interface cérebro-maquina é estabelecida por uma touca com eletrodos
que captam os sinais elétricos do cérebro, na base de um eletroencefalograma,
de forma não invasiva. O procedimento, explica o neurocientista, é suficiente
para impulsionar movimentos dos membros inferiores. Os sinais cerebrais do
paciente são processados em tempo real, decodificados e utilizados para acionar
condutores hidráulicos. O objetivo do projeto é aplicar uma tecnologia
inovadora que permita pessoas com mobilidade restringida recomeçarem a andar,
usando a mente para controlar um equipamento que substitui os membros
inferiores.
Esse
gol de placa, que exalta a cultura cientifica deste país desconhecido pelos
plantonistas do desalento e do pessimismo, não pôde, desafortunadamente, ser
mostrado ao distinto público da festa inaugural da Copa. Que pena, que pena!
Regra
disciplinar, não dogma.
Cesar Vanucci*
(Trecho de manifesto endereçado por um grupode mulheres italianas ao Papa Francisco)
Um grupo de católicas italianas resolveu botar o dedo na ferida de uma
controversa questão eclesiástica, varias vezes secular, de natureza
disciplinar, mas em esferas ultraconservadoras equivocadamente encarada como
preceito dogmático. Num comovente manifesto endereçado ao Papa Francisco pediu
seja revogado o celibato sacerdotal compulsório.
As signatárias não estão sós no posicionamento assumido. Em todas as
partes do mundo, seguidores da Igreja, incluídos na lista religiosos de ambos
os sexos, alimentam a expectativa de que esse dispositivo, instituído no
longínquo século XI, possa vir a ser algum dia revisto. O quanto antes melhor.
O entendimento majoritário nesses setores é de que se trata de uma determinação
inteiramente fora de propósito diante da realidade do mundo contemporâneo.
Saliente-se, uma vez mais, que o celibato obrigatório na vida religiosa
não é de inspiração teológica. É assunto disciplinar, não de fé. Em tempos idos
da cronologia cristã, o casamento não era vedado a representantes da Igreja.
Pedro, para ficar num único exemplo, era casado, constituiu prole. Pessoa
conhecida, que manifesta, tanto quanto eu, simpatia pela tese da quebra do
celibato sacerdotal, evoca o testemunho do próprio Cristo, com base em palavra
de um evangelista, para sublinhar a condição de homem casado do apóstolo Pedro,
primeiro Papa da historia: “E Jesus, entrando em casa de Pedro, viu a
sogra deste acamada, e com febre. E tocou-lhe na mão, e a febre a deixou; e
levantou-se e serviu-os” (Mateus, 8:14-15).
Seja ressaltado em seguida que a própria Igreja Católica
Apostólica Romana, nestes tempos modernos, da mesma maneira que se comportam
outras correntes cristãs (ortodoxas, protestantes, anglicanos, por ai vai),
chega a admitir o matrimonio sacerdotal em alguns territórios do Oriente. O que
não pode deixar de ser interpretado como baita contrassenso.
As autoras do manifesto, confessando-se afetivamente ligadas a
eclesiásticos, argumentam de forma bem enfática. Como se pode defluir de certos
trechos da mensagem: “Nós amamos esses homens e eles nos amam também. E, apesar
de tentarmos de todas as maneiras renunciar a esse sentimento, não conseguimos
desfazer um vinculo tão solido e bonito!” (...) “Sabe-se muito pouco do
devastador sentimento ao qual está submetida uma mulher que vive junto a um
sacerdote. A forte experiência do amor queremos, com humildade, depositar a
seus pés nosso sofrimento, com o objetivo de que algo possa mudar não só para
nós, mas para o bem de toda a Igreja”.(...) “ As únicas alternativas são o
abandono do sacerdócio ou a manutenção da relação em segredo”.
A proibição levou ao longo dos tempos multidão considerável, em todos os
cantos do planeta, a abandonar as funções sacerdotais. Defensores da tese de
que o regime do celibato deva ser abolido argumentam, com carradas de razão,
que uma alteração nesse preceito, sustentado apenas na tradição, teria o mérito
de devolver aos quadros paroquiais cidadãos com alto grau de qualificação para
tocar ações pastorais e preencher vazios nesse trabalho, ocasionados pela
notória escassez de vocações.
A obrigação celibatária escancara outra tremenda incoerência, consignada
neste depoimento dado a “IstoÉ” pela doutora em sociologia da religião Regina
Jurkewicz, membro de um grupo denominado “Católicos pelo direito de decidir”: “
A Igreja pune de forma mais severa o padre que decide se casar, expulsando-o
do sacerdócio, do que o padre que comete uma violência sexual ou pedofilia.
Nesse caso, esse padre é afastado do cargo temporariamente e vai para reclusão
pensar no que fez”.
A questão remete, também, de certo modo, à lembrança de outra regra
disciplinar, de raízes igualmente seculares, que a Igreja houve por bem
eliminar em passado relativamente próximo. Na segunda metade do século 20, o
uso obrigatório da batina ainda imperava entre nós. Configurava amostra típica
de outro “falso dogma”.
Falo disso na sequência.
Nos
tempos da Batina
Cesar Vanucci*
“O habito não faz o monge”.
(Ditado
popular)
Como antecipado no
artigo passado, ocupo hoje este “minifúndio de papel” (lembrando o saudoso
Roberto Drummond) para tratar de outro falso dogma de fé. Falarei da batina
que, por séculos adentro, constituiu vestimenta obrigatória no mundo
eclesiástico.
Ái do sacerdote que,
até bem pouco tempo atrás, por mais piedosa se revelasse sua postura pastoral,
que cometesse a extrema ousadia de sair por aí sem aquele desajeitado saião,
via de regra de cor escura! A vítima expunha-se inapelavelmente a risco de
apedrejamento moral capaz de enodoar para todo sempre seu edificante currículo.
Puxo das ladeiras da memoria cenas em que, surpreendidos em mera atividade recreativa
sem os uniformes tradicionais, clérigos se viram alvo de uma saraivada de
maledicências, produzida obviamente por tocaieiros medievais da “moral e costumes”.
A alardeada “quebra” dos “códigos sagrados” forçou-os, por largo espaço de
tempo, “a comer o pão que o diabo amassou”... Na visão de alguns católicos, que
se acreditavam mais católicos que Bispos e padres, uso de batina não era
simples regra disciplinar, suscetível de modificação. Mas dogma “imexível”,
para todo sempre, amém!
Nos anos 50, subscrito
pela quase totalidade dos sacerdotes da então Diocese de Uberaba, chegou ao
conhecimento publico magistral documento. Nele, pedia-se ao Bispo autorização para
substituição da batina por traje mais adequado às conveniências da ação operacional
dos padres. A repercussão, como era de se esperar face às circunstancias
culturais vigentes, foi enorme. Deixou em polvorosa elementos refratários às
mudanças de regras que condicionam o jogo da vida ao imobilismo social. Pela vez primeira no Brasil, a questão da
batina era trazida, graças aos padres de Uberaba, a debate publico. O manifesto saiu estampado na primeira pagina
do diário “Correio Católico” (12 mil assinantes, recorde naqueles tempos), sem
o conhecimento prévio do titular da Diocese, Alexandre Gonçalves Amaral. Este grande Bispo, mais tarde elevado a Arcebispo,
era considerado o maior orador sacro do Episcopado. Ganhou fama também pelo incentivo
dado à implantação e expansão da Ação Católica.
O documento foi
recebido como vibrante abaixo-assinado endereçado também à opinião publica. Que,
diga-se de passagem, mesmo tomada pelo espanto, deixou transparecer nas reações
gerais razoável simpatia pela causa dos padres. A resposta do Bispo, um primor
de polidez, em tom igualmente vibrante, saiu no mesmo jornal. Embora reconhecendo legitimidade na formulação
do pleito, louvando a forma respeitosa da manifestação e lamentando não ter
sido dela previamente informado, Alexandre contrariou, entretanto, as aspirações
dos sacerdotes. Fechou questão com base nas regras disciplinares.
Os argumentos
expendidos naquele momento são, inegavelmente, de relevante valia documental
para a compreensão das dificuldades que permearam os caminhos da Igreja no
período dos avanços e aberturas promovidos pelo agora Santo João XXIII.
Não resisto à tentação
de juntar a essas informações uma historieta divertidíssima ligada, de certo
modo, ao uso da batina. Ocorreu no âmbito familiar. Meus filhos mais velhos,
Claudio Cesar e Sérvio Tulio, garotinhos de 7 e 6 anos, encontravam-se próximos
das irmãs, mais novas, Maria Claudia e Maria Paula, na hora do banho. Um deles
havia encrencado, pouco antes com uma das garotas, sendo por isso repreendido.
Fixando-as mais detidamente, deparou-se, espantado, com uma diferença anatômica
da qual nunca se dera conta, apontando para a circunstância de as meninas possuírem
aparelho genital diferente. Partiu aos gritos para se defender de alguma
possível admoestação por conta do que supunha serem mutilações sofridas pelas
irmãs: “Não fui eu, não, mãe!” O alarido deixou as crianças transtornadas, até
que se pudesse, pedagogicamente, transmitir-lhes explicações sobre as
diferenças dos caracteres sexuais de homem e mulher. Das explicações brotou lição singela e básica,
de fácil assimilação (considerada a época) na mente infantil. Homem veste
calça, mulher veste saia (era assim naquele tempo). Passados alguns dias, recebemos
a visita de um padre muito querido. Às tantas, depois de rodear enigmaticamente
o visitante, Maria Claudia deixou cair: -“Padre o senhor tem pinto?” A
surpreendente pergunta só pôde ser devidamente entendida quando nos recordamos
da ocorrência na banheira. Como atravessávamos os dias em que a polemica da batina
dominava as atenções, o sacerdote, rindo a bandeiras despregadas, extraiu do
episodio a conclusão de que a garotinha havia acabado de adicionar magistral
argumento a favor da abolição da batina.
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