Fervor democrático
“A democracia é boa, principalmente
porque os outros sistemas são piores.”
(Nehru,
estadista indiano)
Os que
não botam fé pra valer na pujança democrática brasileira e que procuram,
continuamente, azedar com atos e palpites histéricos a convivência entre
contrários no campo das ideias e dos posicionamentos políticos, não estão se
dando conta dos avanços extraordinários
que se operam no Brasil, a cada momento, no tocante ao aprimoramento
institucional. O país vai abrindo, com firmeza, ininterruptamente, como
poderoso navio quebra-gelo desbravando regiões glaciais, os caminhos que
conduzem à consolidação plena do sistema de procedimentos e regras políticos
pelos quais a sociedade de há muito optou.
Já os
setores mais lúcidos da sociedade se regozijam com as conquistas
institucionais. Mas existe também, entre os bem intencionados, gente que não
percebe, ainda, como se estivesse a compartilhar das teses derrotistas dos
irremovíveis céticos de plantão, que essa assimilação de normas democráticas e
republicanas em nossa realidade política, feita de forma razoavelmente remansosa,
sem turbulências insanáveis, confere-nos hoje lugar de invejável proeminência
no plano internacional. Nem todos os países, inclua-se na relação os mais
desenvolvidos, mostram-se, na verdade, capacitados a articular um processo
eleitoral tão transparente, com tamanha eficiência, com cronograma executado
impecavelmente, prestes a ser acompanhado de apurações velozes e inquestionáveis,
como esse que a Nação brasileira vive nestes dias em atmosfera de justificável
euforia. Nas manchetes do mundo inteiro as eleições brasileiras são sempre – e
agora acontece outra vez - saudadas como um momento de especial grandeza
cívica. Prova mais que provada do amadurecimento político da brava gente
brasileira. Da força imbatível das instituições democráticas que, mercê de
Deus, nos regem.
Em
tempos deixados pra traz o andar das coisas não era bem esse. As eleições
costumavam ser marcadas por tremores sísmicos variáveis. E nem é o caso de
relembrar abalos de maiores proporções que implicaram em graves perturbações à
ordem constituída. A tranquilidade comunitária ficava afetada. A economia
punha-se receosa face a suposições acerca de eventuais alterações futuras de
rumo. As taxas de inflação e o câmbio exprimiam expectativas nervosas. Mas isso
virou passado. O cenário de agora é outro, quão diferente! Os resultados das
urnas, quaisquer que sejam, são acolhidos, por todos, vencedores e perdedores, como
fruto de um jogo democrático modelar e como uma projeção legítima do verdadeiro
sentimento das ruas. Pela voz dos eleitores o que o pleito expressa, de forma peremptória
e definitiva, é uma manifestação da própria consciência cívica nacional. Não há
contestá-la. Nem questioná-la. As opções tomadas nascem da soberana vontade
popular.
O regime
democrático possui, a exemplo das doutrinas religiosas, seus cânones sagrados.
Mesmo quando as escolhas nascidas da vontade popular possam parecer
insatisfatórias a nível de meras avaliações pessoais, não se pode perder de
vista que um processo político, como qualquer outra ação humana, reflete o
jeito de ser humano, com seus inerentes méritos e imperfeições. A democracia
absorve os traços paradoxais do comportamento humano. Não deixa de ser boa por
causa disso. Até mesmo porque – relembrando Nehru e Churchill, que disseram
coisas muitíssimo parecidas em momentos diferentes –, em que pesem os notórios
defeitos da sistemática política, tocada pela falibilidade de seus militantes, ela
sobrepuja iniludivelmente, em termos de apreço à dignidade humana e de respeito
aos direitos fundamentais, todos os demais sistemas até aqui inventados com o
propósito de conduzir os destinos político-administrativos da espécie.
Em
suma, o processo eleitoral de agora descortina-se como marco refulgente na
história republicana brasileira. Estampa, novamente, o grau elevado de
sensibilidade política e o amadurecimento democrático alcançado por este nosso
Brasil brasileiro. Um país na rota indesviável do progresso. Hoje, mais do que
nunca, face às grandes conquistas sociais e econômicas acumuladas,
preparadíssimo para a invasão do futuro.
A
semântica das urnas
“Descubra
como separar o joio do trigo – ou entender o que é verdade e o que é só
interesse no calor da temporada eleitoral.”
(Nirlando
Beirão)
Nirlando
Beirão, titular absoluto no escrete do jornalismo de qualidade comprometido com
o sentimento nacional, herdou do pai (dirigente empresarial de saudosa
lembrança), além do nome, a inteligência arguta e a verve faiscante. Deixa isso
evidenciado num saboroso texto publicado na “CartaCapital”. Intitulado
“Dicionário Eleitoral (para ingênuos)”, o trabalho fornece dicas que ajudam a
decifrar a semântica das urnas, ou, conforme frisa, “entender o que é verdade e
o que é só interesse no calor da temporada eleitoral”.
Abaixo,
de forma adaptada e resumida por este desajeitado escriba, alguns “verbetes” do
divertido “dicionário”. 1)Alternância de Poder – só é essencial à
democracia quando o nosso adversário está no poder. 2) Aparelhamento do
Estado – os adversários nomeiam apaniguados. Nós, os melhores quadros
técnicos. 3) Corrupção. Os outros a praticam de forma perene. Nossos
aliados cometem apenas pequenos deslizes. 4) Visão de Deus. Todos os
candidatos dizem ter fé. Os mais fervorosos são aqueles que não acreditam. 5) Delação
premiada. Ela só tem valor se vazada para atingir o concorrente. Se no meio
do lamaçal, surgir o nome de um aliado, o correto é dizer que as denúncias são
açodadas e precisam ser apuradas a fundo, doa a quem doer. Quanto ao fato de o
vazamento da delação premiada constituir também crime (...), bem esqueça.” Cenário
internacional. Se uma administração aliada vai mal, a culpa é do cenário
externo. Inverte-se a lógica no caso dos adversários. Se a gestão inimiga vai
bem, as condições internacionais a favoreceram. 7) Marquetagem. Se o
adversário sobe nas pesquisas isso se deve a ação mistificadora dos
marqueteiros. Sem essa de lembrar que o nosso candidato igualmente possui um
exército de especialistas em marquetagem. 8) Ano eleitoral. As ações do
adversário não passam de medidas eleitoreiras. As nossas ações são decisões de
governante seriamente comprometido com suas funções. 9) Velha política.
Só os adversários a praticam. 10) Coligações. Promovidas por nós, deixam
estampada aguda sensibilidade política, negociação de fino trato. Promovida
pelos outros, denotam falta de escrúpulos, atroz barganha de princípios por
conveniências.
Tamos
falados.
· Dinheirama desviada
para “paraísos”.
Anotem a cifra: 77 bilhões e 500 milhões de
reais. Segundo a “Global Financial Integrity”, tal valor representa estimativa
confiável do dinheiro ilicitamente amealhado (evasão de impostos, emissão
ilegal de divisas para o exterior, atividades negociais clandestinas, corrupção
e por aí vai) desviado pela bandidagem que opera no Brasil para os assim
denominados “paraísos fiscais”. Com destaque especial, evidentemente, para o
sistema bancário suíço, reconhecidamente um refúgio de “altíssima
confiabilidade”, ao longo dos tempos, para fortunas adquiridas em inimagináveis
patifarias. Essa dinheirama toda circulante fora dos controles legais equivale,
presumivelmente, a 1,5% da produção econômica brasileira. Ajuda a “explicar”,
no entendimento de muita gente, o motivo pelo qual o ICMF foi tão ferozmente
combatido até a extinção.
Dose de cautela
“O réu
da “delação premiada” respondeu dezoito vezes “não” às perguntas dos Senadores
e Deputados.”
(Dos
jornais)
Num
relato bem objetivo, a história trazida ao conhecimento público pode ser assim
resumida: ex-executivo da Petrobras, réu confesso em crime de corrupção, optou
pelo polêmico dispositivo da “delação premiada”, no processo em que se acha
incurso, mirando a eventualidade de redução de pena pelos malfeitos cometidos.
Em
declaração prestada sob sigilo de Justiça teria apontado, segundo a mídia,
dezenas de destacados militantes políticos como enredados num suposto pagamento
de propinas na estatal petrolífera. Foram citados os nomes de um Ministro de
Estado, vários Governadores (entre eles, o ex-candidato à Presidência falecido
no acidente aéreo que comoveu a Nação), dezenas de Parlamentares e empresários.
Horas depois do depoimento secreto (pelo que se sabe, ainda inconcluso),
criptografado e guardado a sete chaves por determinação judicial, as televisões,
os jornais e rádios começaram a divulgar uma lista dos “personagens
denunciados”, acrescida de outros mais nos dias posteriores. Foi dito que a
lista teria sido passada à Justiça pelo réu. A divulgação, procedida com
estardalhaço, centrou-se na indicação de nomes. Não foram reveladas as fontes
das informações, nem tampouco foi fornecido qualquer dado capaz de embasar a
denúncia alusiva ao propagado esquema de corrupção nas entranhas da mais
importante empresa da América Latina. Chegadas as coisas a esse ponto, a CPI
mista do Congresso (integrada por Senadores e Deputados), incumbida de examinar
possíveis atividades irregulares na Petrobras, sentiu-se obviamente no direito
e no dever de convocar o antigo executivo da empresa para dele colher um
esclarecimento cabal a respeito dos candentes fatos. Convocou sessão específica
para o registro de seu pronunciamento. O réu, todavia, recusou-se
obstinadamente a responder às perguntas formuladas pelos Senadores e Deputados
dos diferentes partidos na reunião aberta, com vasta e irrestrita cobertura da
imprensa, com o fito de ouvi-lo. Disse um “não” categórico (dezoito vezes
seguidas) aos representantes de um dos Poderes constituídos do país. Deixou
claríssimo também que se manteria, pela mesma forma, mudo e quedo que nem
penedo, caso os parlamentares deliberassem imprimir caráter secreto aos
trabalhos de averiguação. Não pode permanecer sem registro nestas anotações um
outro lance. Pouco tempo atrás, ouvido noutra sessão do Parlamento, que mereceu
também farta cobertura midiática, o mesmíssimo réu negou enfaticamente as
acusações feitas, durante horas seguidas, a respeito de procedimentos ilícitos
porventura ocorridos, a qualquer tempo, no âmbito da empresa a cujos quadros
pertence.
Esses,
devidamente sopesados e medidos, os fatos objetivos relativos à perturbadora
questão. Obvias as constatações a extrair disso tudo. Paira no ar, por conta de
ações sorrateiras de bastidores, a sensação de que o intuito de semear confusão
é maior do que o propósito de elucidar as coisas. Não há como ignorar também a
circunstância de que o “vazamento” das noticias pertinentes ao tal “depoimento
sigiloso” estão vindo a furo em instante de efervescência política. Na véspera
de importantíssimo pleito eleitoral. Isso remete a uma inapelável conclusão: as
pessoas que abominam a corrupção e outras mazelas da vida pública devem manter
os olhares e ouvidos atentos, mas também, com toda serenidade, uma dose
razoável de cautela e desconfiança quanto ao assunto. São tantos os
ingredientes nebulosos dessa história, que o melhor a fazer, na linha de
compreensível prudência, é aguardar do Poder Judiciário uma palavra
esclarecedora que, em hora oportuna, coloque tudo em pratos limpos. A opinião
pública tem todo o direito de alimentar forte expectativa em relação ao
esclarecimento oficial que as autoridades competentes estão no dever de prestar.
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