sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Fervor democrático

“A democracia é boa, principalmente
porque os outros sistemas são piores.”
(Nehru, estadista indiano)

Os que não botam fé pra valer na pujança democrática brasileira e que procuram, continuamente, azedar com atos e palpites histéricos a convivência entre contrários no campo das ideias e dos posicionamentos políticos, não estão se dando  conta dos avanços extraordinários que se operam no Brasil, a cada momento, no tocante ao aprimoramento institucional. O país vai abrindo, com firmeza, ininterruptamente, como poderoso navio quebra-gelo desbravando regiões glaciais, os caminhos que conduzem à consolidação plena do sistema de procedimentos e regras políticos pelos quais a sociedade de há muito optou.
Já os setores mais lúcidos da sociedade se regozijam com as conquistas institucionais. Mas existe também, entre os bem intencionados, gente que não percebe, ainda, como se estivesse a compartilhar das teses derrotistas dos irremovíveis céticos de plantão, que essa assimilação de normas democráticas e republicanas em nossa realidade política, feita de forma razoavelmente remansosa, sem turbulências insanáveis, confere-nos hoje lugar de invejável proeminência no plano internacional. Nem todos os países, inclua-se na relação os mais desenvolvidos, mostram-se, na verdade, capacitados a articular um processo eleitoral tão transparente, com tamanha eficiência, com cronograma executado impecavelmente, prestes a ser acompanhado de apurações velozes e inquestionáveis, como esse que a Nação brasileira vive nestes dias em atmosfera de justificável euforia. Nas manchetes do mundo inteiro as eleições brasileiras são sempre – e agora acontece outra vez - saudadas como um momento de especial grandeza cívica. Prova mais que provada do amadurecimento político da brava gente brasileira. Da força imbatível das instituições democráticas que, mercê de Deus, nos regem.
Em tempos deixados pra traz o andar das coisas não era bem esse. As eleições costumavam ser marcadas por tremores sísmicos variáveis. E nem é o caso de relembrar abalos de maiores proporções que implicaram em graves perturbações à ordem constituída. A tranquilidade comunitária ficava afetada. A economia punha-se receosa face a suposições acerca de eventuais alterações futuras de rumo. As taxas de inflação e o câmbio exprimiam expectativas nervosas. Mas isso virou passado. O cenário de agora é outro, quão diferente! Os resultados das urnas, quaisquer que sejam, são acolhidos, por todos, vencedores e perdedores, como fruto de um jogo democrático modelar e como uma projeção legítima do verdadeiro sentimento das ruas. Pela voz dos eleitores o que o pleito expressa, de forma peremptória e definitiva, é uma manifestação da própria consciência cívica nacional. Não há contestá-la. Nem questioná-la. As opções tomadas nascem da soberana vontade popular.
O regime democrático possui, a exemplo das doutrinas religiosas, seus cânones sagrados. Mesmo quando as escolhas nascidas da vontade popular possam parecer insatisfatórias a nível de meras avaliações pessoais, não se pode perder de vista que um processo político, como qualquer outra ação humana, reflete o jeito de ser humano, com seus inerentes méritos e imperfeições. A democracia absorve os traços paradoxais do comportamento humano. Não deixa de ser boa por causa disso. Até mesmo porque – relembrando Nehru e Churchill, que disseram coisas muitíssimo parecidas em momentos diferentes –, em que pesem os notórios defeitos da sistemática política, tocada pela falibilidade de seus militantes, ela sobrepuja iniludivelmente, em termos de apreço à dignidade humana e de respeito aos direitos fundamentais, todos os demais sistemas até aqui inventados com o propósito de conduzir os destinos político-administrativos da espécie.
Em suma, o processo eleitoral de agora descortina-se como marco refulgente na história republicana brasileira. Estampa, novamente, o grau elevado de sensibilidade política e o amadurecimento democrático alcançado por este nosso Brasil brasileiro. Um país na rota indesviável do progresso. Hoje, mais do que nunca, face às grandes conquistas sociais e econômicas acumuladas, preparadíssimo para a invasão do futuro.


A semântica das urnas

 “Descubra como separar o joio do trigo – ou entender o que é verdade e o que é só interesse no calor da temporada eleitoral.”
(Nirlando Beirão)

Nirlando Beirão, titular absoluto no escrete do jornalismo de qualidade comprometido com o sentimento nacional, herdou do pai (dirigente empresarial de saudosa lembrança), além do nome, a inteligência arguta e a verve faiscante. Deixa isso evidenciado num saboroso texto publicado na “CartaCapital”. Intitulado “Dicionário Eleitoral (para ingênuos)”, o trabalho fornece dicas que ajudam a decifrar a semântica das urnas, ou, conforme frisa, “entender o que é verdade e o que é só interesse no calor da temporada eleitoral”.
Abaixo, de forma adaptada e resumida por este desajeitado escriba, alguns “verbetes” do divertido “dicionário”. 1)Alternância de Poder – só é essencial à democracia quando o nosso adversário está no poder. 2) Aparelhamento do Estado – os adversários nomeiam apaniguados. Nós, os melhores quadros técnicos. 3) Corrupção. Os outros a praticam de forma perene. Nossos aliados cometem apenas pequenos deslizes. 4) Visão de Deus. Todos os candidatos dizem ter fé. Os mais fervorosos são aqueles que não acreditam. 5) Delação premiada. Ela só tem valor se vazada para atingir o concorrente. Se no meio do lamaçal, surgir o nome de um aliado, o correto é dizer que as denúncias são açodadas e precisam ser apuradas a fundo, doa a quem doer. Quanto ao fato de o vazamento da delação premiada constituir também crime (...), bem esqueça.” Cenário internacional. Se uma administração aliada vai mal, a culpa é do cenário externo. Inverte-se a lógica no caso dos adversários. Se a gestão inimiga vai bem, as condições internacionais a favoreceram. 7) Marquetagem. Se o adversário sobe nas pesquisas isso se deve a ação mistificadora dos marqueteiros. Sem essa de lembrar que o nosso candidato igualmente possui um exército de especialistas em marquetagem. 8) Ano eleitoral. As ações do adversário não passam de medidas eleitoreiras. As nossas ações são decisões de governante seriamente comprometido com suas funções. 9) Velha política. Só os adversários a praticam. 10) Coligações. Promovidas por nós, deixam estampada aguda sensibilidade política, negociação de fino trato. Promovida pelos outros, denotam falta de escrúpulos, atroz barganha de princípios por conveniências.
Tamos falados.

· Dinheirama desviada para “paraísos”.
Anotem a cifra: 77 bilhões e 500 milhões de reais. Segundo a “Global Financial Integrity”, tal valor representa estimativa confiável do dinheiro ilicitamente amealhado (evasão de impostos, emissão ilegal de divisas para o exterior, atividades negociais clandestinas, corrupção e por aí vai) desviado pela bandidagem que opera no Brasil para os assim denominados “paraísos fiscais”. Com destaque especial, evidentemente, para o sistema bancário suíço, reconhecidamente um refúgio de “altíssima confiabilidade”, ao longo dos tempos, para fortunas adquiridas em inimagináveis patifarias. Essa dinheirama toda circulante fora dos controles legais equivale, presumivelmente, a 1,5% da produção econômica brasileira. Ajuda a “explicar”, no entendimento de muita gente, o motivo pelo qual o ICMF foi tão ferozmente combatido até a extinção.

Dose de cautela


 “O réu da “delação premiada” respondeu dezoito vezes “não” às perguntas dos Senadores e Deputados.”
(Dos jornais)

Num relato bem objetivo, a história trazida ao conhecimento público pode ser assim resumida: ex-executivo da Petrobras, réu confesso em crime de corrupção, optou pelo polêmico dispositivo da “delação premiada”, no processo em que se acha incurso, mirando a eventualidade de redução de pena pelos malfeitos cometidos.
Em declaração prestada sob sigilo de Justiça teria apontado, segundo a mídia, dezenas de destacados militantes políticos como enredados num suposto pagamento de propinas na estatal petrolífera. Foram citados os nomes de um Ministro de Estado, vários Governadores (entre eles, o ex-candidato à Presidência falecido no acidente aéreo que comoveu a Nação), dezenas de Parlamentares e empresários. Horas depois do depoimento secreto (pelo que se sabe, ainda inconcluso), criptografado e guardado a sete chaves por determinação judicial, as televisões, os jornais e rádios começaram a divulgar uma lista dos “personagens denunciados”, acrescida de outros mais nos dias posteriores. Foi dito que a lista teria sido passada à Justiça pelo réu. A divulgação, procedida com estardalhaço, centrou-se na indicação de nomes. Não foram reveladas as fontes das informações, nem tampouco foi fornecido qualquer dado capaz de embasar a denúncia alusiva ao propagado esquema de corrupção nas entranhas da mais importante empresa da América Latina. Chegadas as coisas a esse ponto, a CPI mista do Congresso (integrada por Senadores e Deputados), incumbida de examinar possíveis atividades irregulares na Petrobras, sentiu-se obviamente no direito e no dever de convocar o antigo executivo da empresa para dele colher um esclarecimento cabal a respeito dos candentes fatos. Convocou sessão específica para o registro de seu pronunciamento. O réu, todavia, recusou-se obstinadamente a responder às perguntas formuladas pelos Senadores e Deputados dos diferentes partidos na reunião aberta, com vasta e irrestrita cobertura da imprensa, com o fito de ouvi-lo. Disse um “não” categórico (dezoito vezes seguidas) aos representantes de um dos Poderes constituídos do país. Deixou claríssimo também que se manteria, pela mesma forma, mudo e quedo que nem penedo, caso os parlamentares deliberassem imprimir caráter secreto aos trabalhos de averiguação. Não pode permanecer sem registro nestas anotações um outro lance. Pouco tempo atrás, ouvido noutra sessão do Parlamento, que mereceu também farta cobertura midiática, o mesmíssimo réu negou enfaticamente as acusações feitas, durante horas seguidas, a respeito de procedimentos ilícitos porventura ocorridos, a qualquer tempo, no âmbito da empresa a cujos quadros pertence.
Esses, devidamente sopesados e medidos, os fatos objetivos relativos à perturbadora questão. Obvias as constatações a extrair disso tudo. Paira no ar, por conta de ações sorrateiras de bastidores, a sensação de que o intuito de semear confusão é maior do que o propósito de elucidar as coisas. Não há como ignorar também a circunstância de que o “vazamento” das noticias pertinentes ao tal “depoimento sigiloso” estão vindo a furo em instante de efervescência política. Na véspera de importantíssimo pleito eleitoral. Isso remete a uma inapelável conclusão: as pessoas que abominam a corrupção e outras mazelas da vida pública devem manter os olhares e ouvidos atentos, mas também, com toda serenidade, uma dose razoável de cautela e desconfiança quanto ao assunto. São tantos os ingredientes nebulosos dessa história, que o melhor a fazer, na linha de compreensível prudência, é aguardar do Poder Judiciário uma palavra esclarecedora que, em hora oportuna, coloque tudo em pratos limpos. A opinião pública tem todo o direito de alimentar forte expectativa em relação ao esclarecimento oficial que as autoridades competentes estão no dever de prestar.



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