Horror demais
Cesar Vanucci *
“Dizei-me vós,
Senhor Deus, se é mentira ou verdade tanto horror perante os céus.”
(Extraído de um
poema de Castro Alves)
A sandice humana
não para de adicionar às aflições cotidianas da coletividade informações
contundentes e cruéis. O noticiário nosso de cada dia é um difusor
eficientíssimo da banalização da violência. Dá pra perceber que, neste mundo de
Deus onde o diabo costuma fincar enclaves, os extraordinários avanços
tecnológicos euforicamente celebrados de nada têm servido para conter os atos
de barbárie praticados em circunstâncias as mais impensáveis. Existe algo
sempre aterrorizante a nos espreitar. E os limites da ferocidade são
continuamente ultrapassados.
Nos últimos dias,
deparamo-nos com três cenas de difícil comparação consideradas outras situações
indesejáveis já vividas, pelas características inusitadamente brutais de que se
revestiram. Assistimos, primeiramente, na tevê aquelas brutais imagens de uma rebelião
de presidiários em Cascavel, Paraná, onde aparecem os amotinados degolando
desafetos entre desditosos companheiros de reclusão.
Logo em seguida,
vimo-nos colocados diante daquele tétrico vídeo distribuído por extremistas do tal
califado islamita que se apoderou de porções territoriais da Síria e Iraque.
Nele, criminoso encapuzado, pertencente a grupo que a própria Al Qaeda
considera, pra estupefação geral, exageradamente radical, exibindo ameaçadora adaga,
decreta o veredicto de morte por decapitação de um jornalista tomado como
refém. E anuncia que as “represálias” selvagens não vão parar por aí.
Pouco depois,
nos confins da África esquecida dos homens e, ao que parece, também de Deus, na
Libéria, epicentro da epidemia de ebola, acompanhamos, perplexos, caçada
impiedosa a uma “fera” acuada numa feira de alimentos. A presa, Deus do céu,
era um ser humano com o desespero claramente estampado na face. Um fugitivo do
campo de concentração em que vêm sendo confinados, sem qualquer espécie de ajuda
humanitária, pra morte certa, indefesas vítimas da pertinaz doença. O infeliz,
com um pedaço de madeira na mão, utilizado para defender-se, procurava,
angustiado, de tenda em tenda, alimentos para sobreviver. Ao redor uma multidão
ululante, tomada pelo pânico, esperava ansiosa pela providencial chegada da
equipe incumbida de laçá-lo e devolvê-lo ao local de seu degredo. Junto com o
turbilhão de emoções levantado pelo incidente, perguntas inevitáveis afloraram,
com toda certeza, na mente dos milhões de espectadores que, traumatizados, testemunharam
o desenrolar dos fatos.
Por qual razão a
comunidade das nações não desvia, imediatamente, para aqueles confundós da África
acossada pelo ebola, parte mínima dos enormes contingentes humanos e dos
fabulosos recursos concentrados em esforços bélicos, espalhados por tantos
cantos, para enfrentar o drama dessa avassaladora epidemia? Se já sabida a
existência de vacina capaz de debelar o mal pela raiz, vacina essa aplicada com
êxito em pacientes levados de volta das regiões afetadas para seus pagos
natais, por que cargas d’água, então, santo Deus, em nome da solidariedade
humana e dos valores éticos e morais, não se cogitar, com a urgência exigida,
da pronta produção e remessa ágil dos quantitativos necessários do medicamento
aos países atingidos pela impiedosa enfermidade? E como uma tragédia acaba
sempre puxando a lembrança de outras tragédias, por qual motivo os clamores do
secular sofrimento africano não são nunca acolhidos com presteza e boa vontade
pela comunidade internacional?
Tópicos do momento eleitoral
“As insinuações
publicadas de forma genérica e sem apresentar evidências (...)
não podem ser
tomadas como denúncia formal nem fundamentada”.
(Deputado
Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara)
Seguinte:
réu confesso em caso de corrupção sob investigação judicial resolve, de
repente, na véspera eleitoral, utilizar o controvertido instrumento da “delação
premiada”. Aciona o gatilho de sua metralhadora giratória, passando a alvejar
personagens influentes - Ministro de Estado, Governadores, parlamentares,
empreiteiros -, com ênfase para elementos ligados às duas candidaturas
presidenciais mais bem posicionadas nas pesquisas. Parte da grande mídia
ocupa-se do episódio de forma estardalhante. Mas não se dá ao trabalho de
fornecer, como seria de se esperar, maiores detalhes dos acontecimentos. Deixa
de arrolar documentos probatórios, de revelar as fontes de informação e de
indicar os valores das alegadas propinas que teriam sido destinadas às dezenas
de pessoas da lista de nomes apontadas nas manchetes. O noticiário diz que o
depoimento do réu foi tomado em segredo de justiça, devidamente criptografado e
guardado a sete chaves. Em momento algum, contudo, é esclarecido como, apesar
de tantas cautelas, ocorreu o vazamento da relação de nomes clandestinamente
entregue, para maciça divulgação, aos órgãos de comunicação social.
Registra-se, ao mesmo tempo, estapafúrdia declaração, atribuída ao réu delator.
As “denuncias” seriam de maneira – ora, veja, pois! – a impedir a realização
das eleições. Isto tudo posto, o que o bom senso e a prudência recomendam ao
cidadão comum, naturalmente ávido por ações de combate eficaz à corrupção e,
também, à demagogia, levadas em conta as circunstâncias assinaladas, é que se esforce
por manter devidamente sintonizados, no acompanhamento atento dos fatos, os
aparelhos de percepção pessoal. Sem deixar de ligar bem ligado, por via das
dúvidas, o “desconfiômetro”.
A candidata Marina. Marina
Silva tem carisma. Obstinada, irradia simpatia. Lembra, de certo modo, em não
poucos momentos, Lula no apogeu da popularidade. Tal associação de imagens
serve para consolidar e até mesmo expandir seu poder de sedução eleitoral. Mas,
de outra parte, noutros instantes, Marina lembra também um pouco Jânio Quadros,
com aquela sua célebre retórica oca e dilacerantes contradições que marcaram
efêmera e improdutiva passagem pelo governo. Recorda, um pouco também, Fernando
Collor, em sua farsesca postura de “bom mocismo” naquela fase governamental em
que a Nação se traumatizou com uma penca de projetos e propostas de araque,
pretensamente vanguardeiros em matéria de gestão publica. Seja como for, uma
coisa parece certa: a candidata do PSB e da Rede está firme no páreo
presidencial.
“Manchetômetro”.
Marcos Coimbra, dirigente da “Vox Poppuli”, oferece dica intrigante em sua
coluna na “CartaCapital”. Reporta-se a uma ferramenta indicativa do papel da
mídia na campanha eleitoral. O Instituto de Estudos Sociais da Universidade do
Rio de Janeiro botou no ar algo apelidado de “manchetômetro”. Um site que
acompanha a cobertura da eleição procedida pela chamada “grande mídia”, assim
compreendidos jornais de grande circulação no Rio e em São Paulo e o “Jornal
Nacional” na televisão. Os dados divulgados são bastante curiosos. Do inicio do
ano até meados de agosto, 275 “reportagens de capa” foram dedicadas aos
principais candidatos à presidência. Delas, 210 alusivas a Dilma, 15
“favoráveis” e 195 “desfavoráveis”, ou seja, 93 por cento de abordagens
negativas. Para os demais candidatos sobraram 65 textos (38 para Aécio e 27
para Campos). No caso do candidato tucano, os textos com foco positivo e foco
negativo foram pau a pau. No caso do ex-governador pernambucano, prematuramente
afastado da disputa, não houve menção a percentuais “pro” e “contra”.
Tópicos do momento eleitoral (II)
“Votar em Adelmo
é votar na decência e no fim da corrupção”.
(Frei Beto)
“Fosse eu eleitor em Minas, votaria de
novo em Adelmo Leão para deputado federal. Ele é ético, combativo, comprometido
com os direitos dos mais pobres. Votar em Adelmo é votar na decência e no fim
da corrupção na política.” Sabem de quem a autoria da frase? De ninguém mais,
ninguém menos do que Frei Betto, titular do primeiro time na cena cultural
brasileira, nome que dispensa qualquer tipo de apresentação. Comungando da
opinião do grande pensador, passo ainda aos distintos leitores a informação que
Adelmo Leão, médico, decano do Parlamento Mineiro (seis legislaturas
consecutivas) é candidato a deputado federal nas próximas eleições. Vale a pena
conhecer seu cintilante currículo.
As oscilações da Bolsa. A esmagadora
maioria das pessoas – poupadores das camadas populares – recusa-se a fazer
aplicações no mercado de ações pelo fato, primeiramente, de intuir que o jogo
de manipulação promovido pelos megaespeculadores é bastante pesado. E,
“segundamente”, por considerar despropositadas, simplesmente ridículas, as
alegações amiúde registradas pelos “especialistas” quando se referem às causas
das oscilações nos valores dos papéis. Como poderá alguém, provido de razoável
discernimento e bom senso, levar a sério a babaquice extremada de pretensos
analistas de negócios, como, por exemplo, ficou evidenciado nas explicações
dadas sobre recuo no pregão ocorrido no dia 5 de setembro passado?
Um cara, com
panca de porta – voz do esquema, deitou falação sobre o acontecido, proclamando
com embriagante convicção que “os investidores se frustraram com a divulgação
de pesquisas eleitorais indicativas da recuperação” de uma das candidatas à
Presidência. E que, face a isso, “os resultados dos levantamentos abriram
brecha para que o mercado vendesse ações e embolsasse os lucros acumulados nas
últimas semanas.” Onde já se viu? Fica difícil desgarrar esses “especialistas”
em operações bursáteis da imagem de galhofeiros deslumbrados. Gente que se
diverte à pamparra com as explicações fajutas que inventam para a patuleia
ignara. Patuleia essa, por sinal, que da Bolsa, prevenidamente, por essas e por
outras, gosta de manter sempre considerável distanciamento.
A entrevista. Com Marina
Silva aconteceu o mesmo. Os entrevistadores do “Jornal Nacional”, como já
ocorrera com os outros presidenciáveis, comportaram-se (em entrevista com
duração de 15 minutos) como se fossem agentes policiais inquirindo suspeito de
atos ilícitos. Um desrespeito ao entrevistado e aos telespectadores! Fica claro que, numa entrevista, o autor da
pergunta desfrute, no exercício profissional, de todo direito de pedir
explicações sobre questões de interesse público, mesmo que o assunto focado
possa, eventualmente, desagradar o entrevistado.
Mas nada justifica perguntas formuladas em tom
inquisitorial carregado de suspeição, passando a impressão de que os
entrevistados, nos casos específicos comentados, pretendentes ao mais elevado
cargo da Nação, estejam ali, supostamente, como réus. Concluindo: as quatro
entrevistas, feitas dentro de tão despropositados moldes, nada contribuíram
para que o público ficasse inteirado, um tiquinho que seja, das plataformas de
governo de cada candidato.
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