Desatinos
racistas
Cesar
Vanucci*
“Detesto
futebol. Detesto ainda mais porque as pessoas estorvam
e
inundam as avenidas para fazer com que se demore duas horas para chegar
em casa. E tudo para ver um macaco. Brasileiro, mas ainda macaco.” (Carlos Manuel Treviño Núñez, politico mexicano, em ofensa
racista a Ronaldinho Gaúcho)
O racismo é praga daninha. Uma espécie
de tiririca. Essa graminha manhosa descrita num saboroso poema roceiro
magistralmente recitado pelo Rolando Boldrim. Lamentavelmente, não consigo guardar
o nome do autor desse poema. Os versos, de singelo lirismo, falam que “a gente
pode arrancar a grama tiririca, sacudi-la, virá-la de raiz pro ar, mas qua! –
um fiapo escondido no torrão faz a peste vicejar...”.
O racismo contamina, produz devastadores
estragos. Na escala dos defeitos humanos mais abjetos atinge topo everestiano.
Quer dizer, situa-se acima, muito acima, da dose máxima de tolerância caridosamente
suportável.
O que o babaca mexicano acima citado
andou dizendo, na boçal ofensa a Ronaldinho Gaúcho, referindo-se à aglomeração
de torcedores na apresentação do jogador em seu novo clube, o Querétaro, é uma amostra
loquaz da maneira abominável de ver as coisas demonstrada por indivíduos de
maus bofes, com suas doentias regras discriminatórias.
Todos os dias, aqui e alhures,
defrontamo-nos com ferozes manifestações de intolerância merecedoras de vigoroso
repúdio. A constatação impele-nos a ir buscar no baú histórias já narradas anos
atrás neste mesmo espaço. Servem elas para documentar a incômoda permanência da
temática racista no rol das preocupações humanas mais angustiantes. Vamos
principiar os relatos por um incidente estarrecedor ocorrido nos Estados
Unidos.
O autor do desatino, racista empedernido,
milita seguramente numa das facções fundamentalistas que, volta e meia, tornam
mais ostensivas suas interpretações radicais e preconceituosas da vida. Um pessoal
da pesada que costuma povoar de sobressaltos as mentes de personagens que
representam condignamente o pensamento liberal e as vivências democráticas
estadunidenses. Ocupando cargo oficial relevante, o cara mencionado cismou de
botar pra fora, tempos atrás, toda ferocidade de seu credo racista. A plenos
pulmões bradou, com todas as letras, que os casos de aborto no seio da
comunidade negra são a maneira mais eficaz de reduzir os índices da
criminalidade no país. Minha Nossa Senhora da Abadia d’Água Suja! Como é que
pode?
A extensão do desvario provocou, entre
compreensíveis reações de indignação, uma manifestação burocraticamente
comedida de censura da alta cúpula governamental, agarrada à inconsistente tese
de que episódios do gênero constituiriam, em tempos de agora, ações isoladas no
contexto comunitário. Uma tese, visto está, enganosa. Estrepitosamente desmentida
na rotina cotidiana, como comprova o noticiário nosso de cada dia que relata
confrontos de rua sangrentos produzidos constantemente pela virulência racista.
Às pessoas atentas não passa despercebido,
por outro lado, o fato de que, em aeroportos dos EUA e Europa, guardas
aduaneiros estabelecem pelo olhar carregado de desconfiança uma triagem prévia
dos passageiros desembarcados. Em momentos de surto histérico, muitos viajantes
são impedidos até de desembarcar. As pessoas claras desfrutam, de modo geral,
nesses portais de chegada, de tratamento especial, com garantia de circulação
ágil pelos guichês, direito a mesuras e acenos cordiais. Quando chega a vez do
grupo dos amorenados, das pessoas de tez escura, pele amarela, aparência
oriental, desvanece-se o sorriso cúmplice, substituído por polidez glacial, e
por trique-triques que fazem a glória da rotina burocrática. Os semblantes
crispados lembram os mal-humorados guardas russos e alemães de fronteira
escalados para conferirem passaportes, revistar passageiros e bagagens dos
antigos filmes de guerra e de espionagem. Não havia quem na poltrona do
escurinho do cinema não sentisse, ao avistá-los, um baita calafrio na espinha.
Mais desatinos racistas
Cesar
Vanucci*
“Há
realmente raças humanas? (...) Não se trata de raças, senão
da variedade de uma mesma raça, de uma mesma
espécie.”
(Anatole
France).
Voltamos a falar de preconceito racial, essa praga
daninha difícil de ser extirpada.
Vamos deslocar agora o holofote das atenções para perturbadoras
cenas de rua captadas por câmeras indiscretas. Elas foram mostradas num soberbo
trabalho de investigação jornalística por uma tevê americana. Escancaram de
modo inapelável faceta inimaginável de intolerância.
Interessados em apurar tendências do comportamento das
ruas, experimentados repórteres postam-se numa movimentadíssima avenida de Nova
Iorque. Na calçada, acompanhados em seus movimentos pelas câmeras, um negro e
um branco disputam, aos berros, fazendo uso de toda a gesticulação e mímica a
que têm direito, as atenções dos motoristas que trafegam pela via entupida de
carros. A totalidade dos motoristas, entre eles alguns negros (atentem para o
desconcertante pormenor), faz questão fechada de ignorar por completo a ruidosa
encenação do cidadão de tez escura, posicionado alguns metros à frente do
branco. Rendem-se, incondicionalmente, à opção de carregar o passageiro de
cútis clara.
Os repórteres não se dão por satisfeitos.
Partem para outro esquema. O cidadão branco é deslocado para a posição em que
estava o cidadão negro e vice-versa. Os carros de praça (como é que fomos
deixar expressão tão saborosa ser substituída pela feiosa denominação de táxi?) da leva seguinte não vacilam:
atendem, pressurosos, todos eles, à chamada do cidadão claro. Fica evidenciado,
de forma irrespondível, não se tratar, positivamente, de uma simples questão de
melhor visibilidade ambiente à média distância.
Dispostos a avançar mais fundo
no estudo comportamental abordado, os argutos repórteres bolam mais uma
estratégia. Branco e negro retomam as posições do início da experiência. O negro
é visto envergando um traje requintado. O branco aparece com roupas despojadas.
Nem assim. Todos os veículos, sem exceção, passam ao largo do suplicante apelo
do cidadão de cor para se deterem diante dos acenos, dessa vez mais comedidos,
do outro. Na sequência, os participantes do teste são oficialmente apresentados
ao público telespectador. O negro é um ator famoso, ganhador de “Oscar”. O
branco, um traficante de drogas condenado pela Justiça.
É isso aí, gente boa. Recordam-se daquele empedernido racista
do começo do papo no artigo passado? O imbecil que andou acenando com uma
politica abortiva no seio da comunidade negra de modo a “estabelecer” um “processo
eficaz” para reduzir os índices da criminalidade nos EUA? É duro ter que admitir. Mas,
desafortunadamente, ele não anda sozinho em sua sinistra empreitada. Constatação
desoladora. Há muito mais trogloditas comprometidos com a paranoia racista,
espalhados por este mundo velho de guerra sem porteira, do que jamais conseguirá
imaginar nossa vã filosofia.
Nos artigos que se seguirão contaremos mais casos de
intolerância registrados na área esportiva. Relataremos outros incidentes ocorridos
em clubes apoderados de “complexo ariano”, refratários à ideia de abrir as
portas a membros da comunidade negra.
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