Truco,
Ministra!
“Não há mais latifúndio no Brasil.”
(Ministra da Agricultura, Kátia Abreu)
O truco é um jogo de baralho de vasta aceitação
nas camadas populares, aqui no Brasil, noutros países da América Latina,
Portugal e Espanha, onde, concebido por influências mouras, parece ter tido
origem. O engano, o blefe, a algazarra bem humorada, sintonizada com as
variações do comportamento psicológico dos entusiasmados participantes, fazem
da disputa divertido entretenimento. Tenho lembranças, recuadas no tempo, de
torneios de truco animadíssimos que mobilizavam legião de aficionados em
cidades interioranas. Não sei dizer se isso ainda acontece hoje.
O auge da emoção no lançamento das
cartas era atingido naquele preciso instante em que o jogador, ligando ao
máximo o amplificador da voz, agitando mãos e balançando o corpo teatralmente,
fazia ecoar pelo recinto o brado de guerra característico da jogada supostamente
triunfante: “Truco!” O “truco” berrado a plenos pulmões significava brado
contestatório, questionador. Projetava no ar estrondosamente uma interrogação. Levantava
dúvida a respeito da verdadeira composição do valor das cartas empalmadas pelo
adversário.
Ao ouvir, outro dia, a peremptória
declaração da simpática Ministra Kátia Abreu, da Agricultura, de que não mais há
latifúndio no imenso território continental brasileiro – onde, ao que consta,
pra ficar num exemplo, existem ainda propriedades rurais com extensão superior
à da conturbada faixa de terra disputada por judeus e palestinos no Oriente Médio
– pus-me a imaginar que, naquele justo momento, um punhado de patrícios,
conhecedores a fundo da questão agrária, não conseguiu, por certo, resistir à
tentação de deixar escapar do peito, bem alto para ser devidamente ouvida, a
exclamação típica do jogo de cartas mencionado: “Truco, Ministra, truco!...”
(Ainda bem que o ilustre Ministro do
Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, com a lucidez e bom senso costumeiros,
ao empossar-se, retomou o tema nos termos apropriados, deixando explícito que o
latifúndio improdutivo constitui ainda hoje uma amarga realidade na paisagem
rural do país).
Radicalismo versus
Humanidade
“O fanatismo é
mais perigoso que o ateísmo e mil vezes mais
prejudicial, pois este não inspira paixões
sanguinárias,
enquanto que
aquele pode levar à prática de crimes.”
(Voltaire)
Os
disparos que ceifaram vidas de celebrados cartunistas franceses, produzindo
comoção universal, representaram um lance abominável a mais na fieira de
atrocidades praticadas por fanáticos religiosos e políticos de diferenciados matizes
e tendências. Gente movida por instintos de brutalidade inauditos, firmemente
empenhada no proposito nefando de convulsionar o mundo com incessantes manobras
de terror voltadas para a desestabilização social.
Usam
do terror verbal e da ferocidade em ações que subtraem vidas inocentes e reduzem
a escombros patrimônios valiosos para tentar apavorar pessoas e submeter
comunidades inteiras e até mesmo países ao reinado despótico do obscurantismo e
das trevas. Disseminam o caos por onde passam. Sequestram, mutilam, escravizam,
estupram, decapitam, desdenham de todas as normas civilizatórias. Agem no
Oriente Médio, na África do Norte, na Nigéria, no Paquistão, no Afeganistão e
muitos outros pontos de ebulição, bélica permanente. Agem também, conforme
visto agora na França, na Europa, na América, enfim em todas as partes, com
maior ou menor intensidade. Apropriam-se de conceitos pseudo-religiosos, que,
na verdade, agridem virulentamente a essência do credo de que se autoproclamam
arautos.
Embora
menos desenvoltos ou mais contidos nalguns lugares, pregam sempre abertamente o
ódio, a desavença, o preconceito, o racismo, a ruptura democrática, a violação
dos direitos fundamentais, o ataque desabrido a todos os valores garantidores
da dignidade que deve recobrir a aventura humana.
Esses
fanáticos de carteirinha, não importam suas diferenças ideológicas, culturais,
religiosas, são todos eles farinha do mesmo saco. Temos ali extremistas que se
dispõem, num país onde funcionam satisfatoriamente as instituições
democráticas, a combatê-las com ardor iconoclasta para que em seu lugar seja
implantado regime tirânico. Temos acolá, noutras paragens de estruturas
políticas despojadas de solidez, êmulos seus, possuidores do mesmo perverso
instinto, psicologicamente habilitados a lançar granadas numa sala aula de modo
a impedir sejam “desrespeitados” falsos textos sagrados sobre a instrução
feminina. Uns e outros são movidos, na verdade, por um mesmo surto de
insanidade que deles faz indivíduos irremediavelmente nocivos à convivência
social.
O
clamor universal contra o fanatismo terrorista é precioso suporte numa
conjugação poderosa de vontades, envolvendo lideranças politicas e religiosas,
com vistas a ações bem articuladas e eficazes no combate a essas facções
incendiárias que fazem estremecer de pavor à sociedade humana de nossos tempos.
Tais ações, não prescindindo obviamente nesta hora de vigorosa repressão em
termos de defesa social, terão que contemplar, naturalmente, para que possam
oferecer os resultados almejados, a busca empenhada de novos modelos de
convivência social, inspirados na solidariedade e na fraternidade, entre
nações, etnias, correntes ideológicas e crenças religiosas.
Portinari,
o grande pintor
do Brasil
o grande pintor
do Brasil
Cândido Portinari foi um dos pintores brasileiros mais famosos. Nasceu em Brodowski
(interior do estado de São Paulo), em 29 de dezembro de 1903. Destacou-se também nas áreas de poesia e política.
Ele estudou na Escola de Belas-Artes do Rio de Janeiro; visitou muitos países, entre eles, a
Espanha, a França e a Itália.
No ano de 1935, recebeu uma premiação em Nova
Iorque pelo painel "Café". Deste
momento em diante, sua obra
passou a ser mundialmente conhecida.
Dentre suas obras, destacam-se: mural “Gerra e Paz”, exposto na sede da ONU; "A
Primeira Missa no Brasil"; "São
Francisco de Assis" e "Tiradentes". Seus retratos mais famosos são: seu autorretrato,
o retrato de sua mãe e o do famoso escritor
brasileiro Mário de Andrade.
Características principais de sua obra:
- Retratou questões sociais do Brasil;
- Utilizou alguns elementos artísticos da arte
moderna europeia;
- Refletiu influências do surrealismo, cubismo e
da arte dos muralistas mexicanos;
- Arte figurativa, valorizando as tradições da
pintura.(Fonte: Wikipédia)
Eu
não sabia
“Portinari realiza o milagre da arte muda:
exprimir, sem falar, uma mensagem brasileira!”
(Otto Maria Carpeaux)
Vou
buscar, na meninice descontraída e na adolescência irrequieta, lembranças
soltas de pura nostalgia. Estive bem próximo, em alguns poucos momentos, nessas
fases risonhas da vida, de dois gênios da pintura. Aconteceu por força de
circunstâncias alheias à minha vontade. Com acanhada visão das coisas, na mais
santa ingenuidade, revelei-me carente de um mínimo de capacidade de percepção
para avaliar, na hora certa, o real significado dessas aproximações singulares,
generosamente proporcionadas pelo acaso.
Seguinte:
guris, ainda nos começos ginasianos, eu e o mano Augusto Cesar frequentávamos,
com assiduidade, a residência de Alberto e Dute Sabino. Nossos pais eram
fraternos amigos do casal. Sentiamo-nos ali como em nossa própria casa. O
Albertinho, como era conhecido, atuava na área de seguros. Apreciador das
artes, possuía um amigão do peito. Um cidadão de alta projeção no mundo
fascinante da pintura. Morador de cidade do interior paulista. Seu nome:
Cândido Portinari. Candinho pros íntimos. Os dois amigos se visitavam com
frequência. Numerosas as ocasiões, quando das idas de Portinari à casa do
Albertinho, Uberaba, em que Augusto Cesar e eu recebemos convite para montar um
pequeno espetáculo lítero-musical homenageando o ilustre visitante. Dono de voz
belíssima, que lhe valera prêmios em programas de auditório no Rio de Janeiro,
o cantorzinho Augusto já exibia, naquela época, alguns dos dons que o
celebrizariam, na fase adulta, na televisão, teatro e cinema, inclusive com a
conquista de um “Emmy” e de um “Ondas”. Minha participação, como declamador,
recitando Castro Alves e Catulo, não passava de mero contrapeso no show.
Portinari parecia partilhar do entusiasmo do casal anfitrião pela dupla mirim.
Tanto isso é verdade que andou convidando os filhos de “seo” Antônio e da.
Antônia para se apresentarem em sua casa, lá em Brodosqui.
Todo
mundo passou batido. O Albertinho, eu não sei. Mas a ninguém, de meu núcleo
familiar, acudiu a idéia, naqueles instantes de contatos descontraídos com o
genial artista, de apoderar-se de um rabiscozinho qualquer onde figurasse a
assinatura célebre que legou ao mundo um punhado de obras primas, brotadas de
seu pincel mágico.
Falo,
agora, da outra vez em que passei batido. Constrangedoramente batido. Seria de
se imaginar que, já adolescente, possuísse um pouco mais de discernimento em
relação a certas coisas. Foi quando de minha primeira tentativa de fixar
moradia em Belô. Ao concluir o curso médio, deixei o torrão natal à cata de
oportunidades profissionais. A experiência durou ano e meio. Arranjei emprego
no Departamento de Trânsito, graças à incrível Anita Rosa de Magalhães Góes,
esposa do culto coronel Américo Góes, ambos de saudosa memória. Fui morar numa
pensão ali na rua Rio de Janeiro, esquina com Tupis. A paisagem arquitetônica
da região se compunha de casas de feição brejeira, muito diferente dos caixotes
de cimento armado de hoje. Dividia quarto com colega do interior. No aposento
ao lado, vivia um pintor obsedantemente fixado em sua arte. Nada afeito a
contatos, era visto, diariamente, por horas, a extrair do pincel os frutos
coloridos de sua pujante criatividade. Vez em quando, desvencilhava-se de
trabalhos que não saiam ao seu agrado, lançando-os no cesto de lixo. Eu bem que
tentei, algumas vezes, espichar conversa com aquele vizinho de papo curto,
quase monossilábico. Sem êxito. Não tive, momento algum, percepção de que
estava a desfrutar do privilégio de compartilhar de um mesmo espaço residencial
com um mestre da pintura. De nada sabia. Ninguém, ao redor, parecia também
saber. De nenhum dos outros moradores ouvi, a qualquer tempo, a mais leve
referência à genialidade de Alberto da Veiga Guignard. Querem saber duma coisa?
Dá vontade, às vezes, de pedir públicas desculpas por tão supina alienação.
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