Os “zelotes” e as
“contas secretas”
Cesar Vanucci
“Operação
Zelote: o desvio é duas vezes
maior
do que o escândalo do Lava-Jato!”
(Fábio
Serapião, jornalista,
em
reportagem na “CartaCapital”)
A
grande mídia tupiniquim tem razões que a própria razão desconhece. O faro
investigativo e os impulsos denuncistas dos repórteres e comentaristas espicham
ou encolhem, volta e meia, de conformidade com imperscrutáveis desígnios.
Peguemos
para averiguação a chamada “Operação Zelotes” e o caso das “contas secretas” do
HSBC. Ambos os episódios fornecem elementos em demasia para corroborar a tese
de que o comportamento de parte dos veículos de comunicação de massa é regido
por critérios insondáveis, incompreensíveis à luz do senso comum.
As
proporções das falcatruas praticadas na esfera do Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (CARF), da Receita Federal, a tomar como ponto de partida os
indícios já levantados pela Policia Federal, são de estarrecer não apenas um
frade de pedra, mas todo o conjunto de estátuas de pedra sabão esculpidas por
Aleijadinho no adro do Santuário de Congonhas.
Os
valores sonegados ao Fisco, ao que dizem as investigações em andamento,
chegarão a cifras estrondosas, nunca vistas dantes. Na alçada de avaliação da
CARF acumulam-se, presentemente, 105 mil processos, implicando num montante de
520 bilhões de reais. A fraude tributária de início detectada ultrapassa a casa
dos 6 bilhões de reais. O somatório das dívidas de bancos, montadoras de
veículos, siderúrgicas e outros grandes devedores de diferenciados segmentos
sob a mira das autoridades policiais, correspondendo num primeiro instante a 74
processos, chega às alturas himalaianas dos 19 bilhões de reais.
Não
padece dúvida alguma, a esta altura, que se está a falar da maior fraude tributária
já descoberta. Um verdadeiro “balcão de negócios” foi montado por alguns
conselheiros inidôneos – uns, recrutados nos quadros burocráticos da Receita,
outros indicados como representantes dos contribuintes -, com o fito de
beneficiar sonegadores contumazes. O esquema criminoso assegurou a “redução”,
mediante a generosa concessão de propinas, dos impostos devidos por gente
engravatada “acima de qualquer suspeita”. Empresas de fachada, estruturadas
pelos agentes infiéis, intermediaram o esquema dos favorecimentos indevidos.
A
apreensão gerada nalguns setores específicos da vida econômica, comprometidos
nessa tramoia criminosa dos “zelotes”, diante da ação fulminante das
autoridades competentes no sentido de deslindá-la, é muito grande. Chega a ser
mais intensa, no entender de observadores categorizados, do que até mesmo o
susto e os temores provocados pelo “Lava Jato” junto às empreiteiras
criminalmente enquadradas nesta operação.
À
vista desse tantão de coisas, não deixa de causar espécie o comedimento
exagerado, a cautela inusual que a mídia vem se impondo na divulgação dos fatos
ligados às apurações sobre a questão. A opinião pública mostra-se surpresa com
a ausência de “furos”, de reportagens “exclusivas”, de “vazamentos” assegurados
por “fontes idôneas”, de revelações de nomes de projeção empresarial ou
política apontados como integrantes da engrenagem mafiosa desarticulada.
A
mesma estranheza que se tem quanto à cobertura midiática relativa à gigantesca
fraude fiscal cabe ser igualmente aplicada ao noticiário e comentários
dedicados às tais “contas secretas” do HSBC. Quase 9 mil cidadãos brasileiros,
o quarto contingente por nacionalidade
do conjunto de pessoas investigadas por haverem cometido presumivelmente crimes
de evasão fiscal, constam da lista fornecida por investigadores estrangeiros. O
máximo a que o assim denominado “jornalismo investigativo” animou-se a chegar, em matéria de informação
antecipada concernente ao assunto, foi a citação de uma meia dúzia de três ou
quatro personagens do meio artístico, sabe-se lá, logo eles, por que cargas
d’água.
A
impressão que sobra é de que não será empreitada tão simples assim a liberação geral
da lista. E isso pelo “motivo” de que ela contempla, na realidade, figurões badalados
no mundo dos negócios. Poderosos interesses estariam provavelmente atuando nos
bastidores mode assegurar que a história das “contas secretas” acabe sendo
encoberta, para tranquilidade de muita “gente respeitável”, pelas névoas do
esquecimento. Isso aí.
Os argumentos de
Guido
Cesar Vanucci
“O perigo de engessamento do pensamento
e da cultura é evidente.”
(Guido
Bilharinho, historiador)
Guido Bilharinho tem presença marcante
na paisagem intelectual mineira. Escritor, historiador, professor, jurista, poeta,
membro da conceituada Academia de Letras do Triângulo Mineiro, é autor de obra
literária pujante. Tem-se por certo que, na área de ensaios cinematográficos,
ninguém de sua geração produziu sequência de livros tão alentada e
diversificada. Noutra vertente de sua polimorfa atuação, surpreendemo-lo
concentrado em tarefas de pesquisa histórica relacionadas com a região em que
vive, o Triângulo Mineiro.
O trabalho executado com talento e
persistência tem-lhe permitido dar vida à memoria de fatos e fastos regionais
que poderiam permanecer encobertos pelas névoas do esquecimento.
A contribuição que, por força de
irrefreável inquietação cultural, traz ao conhecimento público sobre
significativas experiências humanas de tempos já transcorridos, confere-lhe suficiente
autoridade para postular, como aconteceu dias atrás, a atenção especial dos
Senadores da República sobre o candente tema da regulamentação da função de
historiador.
Sugiro aos leitores que se inteirem dos
respeitáveis argumentos de Guido Bilharinho a respeito do assunto, alinhados na
correspondência encaminhada à apreciação do Senado Federal. São considerações
que enriquecem o debate.
“Exmos. Senadores da República, O projeto de
Regulamentação da Profissão de Historiador, já votado no Senado e na Câmara
Federal e agora de retorno ao Senado, ao dispor, no caput do artigo 4º e em
seus incisos II e VI, que são atribuições dos historiadores a “organização de
informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História”
(II) e a “elaboração de (...) trabalhos sobre temas históricos” (VI) e que só
os diplomados em curso superior de História podem efetuar tais medidas, implica
na vedação aos demais cidadãos brasileiros de fazê-lo, além de constituir
cerceamento de sua livre manifestação de pensamento, ferindo o disposto nas
normas constitucionais constantes dos incisos IV e IX, do artigo 5º, já que
impossibilita a todo cidadão brasileiro no gozo de seus direitos de pesquisar,
estudar, analisar, opinar e discorrer no território nacional sobre qualquer
tema histórico, nacional e universal, devendo-se levar em conta ainda, no caso,
que todo acontecimento “histórico” o é, simultânea e às vezes
preponderantemente, político, econômico e social. Em consequência, alijando no
território nacional os brasileiros não diplomados em História de pesquisa,
estudos, elaboração e publicação de temas históricos nacionais e universais, só
lhes deixa alternativa de fazê-lo no exterior. Além disso, se estendida
regulamentação semelhante aos formandos em artes plásticas música, letras e
cinema por exemplo, ninguém mais, a não ser os privilegiados formandos nessas
áreas, poderá publicar análises ou mesmo simples comentários e até noticiários
sobre livros, filmes, composições musicais e quadros. O perigo de engessamento
do pensamento e da cultura brasileira e seu anquilosamento em nichos ou
corporações são evidentes. Assim, face ao exposto, sugere-se e pleiteia-se que
os dispositivos citados sejam eliminados do projeto, que, no mais, escoimado
dessas medidas cerceadoras, certamente virá contribuir para incrementar o
interesse da juventude pela profissão de historiador. Uberaba, 8 de abril de
2015. Guido Bilharinho”.
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