Santo
Helder
Cesar
Vanucci
“Graça das graças é não desistir nunca.”
(Dom
Helder Câmara)
A
Igreja revela-se disposta a conceder a aureola de santidade a um brasileiro
extraordinário. Cidadão carregado de dons singulares, passou pela vida
concentrado em ações voltadas à preservação da dignidade humana.
Nos
trevosos tempos do despotismo, fizeram de um tudo para silenciá-lo. Chegaram ao
extremo de proibir a citação de seu nome no noticiário. Não podendo deportá-lo,
impotentes face à sua estatura moral e à relevância da função religiosa
exercida, esforçaram-se pra valer no sentido de apresentá-lo como “proscrito”
em sua própria pátria. Não conseguiram nem assim arrefecer seu abrasador
entusiasmo pela justiça social e pela liberdade de expressão. Tanto que seu
nome foi lançado, mais de uma vez, ao Nobel da Paz. Não conquistou, apesar de
merecer, esse prêmio, mas foi agraciado em sucessivas ocasiões com outros
lauréis de elevado significado ético e moral em diversas partes do mundo, onde
sua militância social, seu desassombro cívico e vocação democrática suscitaram
respeito e admiração que, bem provavelmente, nenhum outro brasileiro logrou, a
qualquer tempo, alcançar na esfera internacional.
Por
tudo quanto dito acima, foi com imenso júbilo que os brasileiros, de todas as
crenças, comprometidos com as causas da solidariedade humana e da paz, tomaram conhecimento
da inspirada decisão do Vaticano em desencadear o processo de canonização de
Dom Helder Câmara. Conhecido nos quatro cantos do mundo por sua ação
desassombrada, esse notável personagem da história brasileira, fundador da
Conferência Nacional dos Bispos (CNBB), passa a ser considerado, desde já,
pelas regras oficiais da Santa Sé, “servo de Deus”. Tal condição, vale
ressaltar, ele já dela desfrutava, há um bocado de tempo no sentimento das
ruas.
Para
que venha a ser oficialmente reconhecido como santo exige-se a comprovação de
“dois milagres” ocorridos por sua intercessão, admitidos por tribunal
eclesiástico específico. Helder Câmara, pela sabedoria incomum e luta indormida
contra as exclusões e imposturas sociais – que lhe valeram, como já frisado,
perseguição feroz das autoridades e de grupos refratários aos nobres ideais que
abraçou – deixou vestígios inapagáveis de sua passagem pela “pátria dos
homens”. Foi alguém que soube promover, como poucos, o diálogo entre o mundo de
seu tempo com o Alto. Conhecedores de suas intercessões pelos semelhantes
quando vivo, os devotos põem fé na possibilidade de que não demorarão muito a
acontecer as constatações de casos de intercessões suas no plano espiritual.
Do
lendário Helder Câmara são sempre lembradas algumas frases antológicas. Uma
delas: “Graça das graças é não desistir nunca.” Taí afirmação que exprime
impecavelmente o jeito de ser desse encantador apóstolo moderno. Alguém que se
imortalizou na reverência popular, ao contrário de seus algozes, cujos nomes só
acodem à memória quando associados a episódios nefandos, repudiados pela
consciência cívica nacional.
A ineficácia da pena de morte
Cesar Vanucci
“Todos
responderão, algum dia, perante Deus!”
(Anthony Ray Hilton, vítima de erro
judiciário, que
permaneceu durante 30 anos no
“corredor da morte”)
“Não há evidências de que as leis
muito duras resultam em sociedades pacíficas, nem que reduzam o tráfico.”
A declaração dada à revista “IstoÉ”
por Nívio Nascimento, membro do Programa da Unidade de Estado de Direito do
Escritório das Nações Unidas sobre Droga e Crime da ONU, ajuda a desfazer o
mito de que a pena de morte, repudiada pela consciência humana como instrumento
jurídico cruel, reduz a incidência de crimes, seja no tocante ao comércio das
substâncias ilícitas, seja com relação a outras práticas delituosas
inaceitáveis na boa convivência social.
Na Indonésia, onde predomina uma
legislação repressora, também “contestável do ponto de vista da
proporcionalidade da pena”, segundo o autor da declaração mencionada, o número
de usuários de drogas, é hoje de 4 milhões e as expectativas são de que, até o
final do ano, o número de consumidores cresça para quase 6 milhões, correspondendo a 3 por cento da
população. A ação de extremo rigor do Estado não tem conseguido, nada obstante,
impedir seja de 33 pessoas a média diária de vítimas fatais da maconha, metanfetamina
cristal e pílulas de ecstasy. Média sempre crescente, de acordo com estudiosos
do preocupante problema, em razão das elevadas taxas de pobreza existentes no
país.
A ineficácia da pena de morte,
lastreada numa fieira interminável de exemplos práticos, para conter a
criminalidade não se aplica apenas a esse país asiático. A ONG “Penal Reform
International”, conforme revelado em reportagem de Fabiola Perez na “IstoÉ”, divulgou
relatório mostrando que os índices de violência se revelam mais elevados sempre
nas regiões dos Estados Unidos que adotam a pena capital. Um outro elemento
válido para comprovar a tese é fornecido. A taxa de homicídios no Canadá caiu
substancialmente – cerca de 44 por cento – desde que a pena de morte foi abolida.
O fuzilamento recente na Indonésia
de um novo grupo de pessoas julgadas sumariamente por tráfico de drogas, entre
eles um brasileiro portador de doença mental constatado em diagnóstico médico
ignorado pela corte judiciária, provocou onda de comoção, fazendo ressurgir
manifestações ruidosas contrárias à pena capital. A “Anistia Internacional” anotou,
ao condenar a decisão de Jacarta, que entre 1995 e 2014 o número de países favoráveis
à pena de morte foi reduzido de 41 para
22. Nas Nações Unidas, 112 Estados membros aprovaram este ano uma proposta de
moratória para a pena, considerando-a incompatível com a dignidade humana.
A momentosa questão em foco ganha singular
ênfase com a comovente história vinda na sequência.
Anthony Ray Hilton passou 30 anos
de sua vida numa masmorra da penitenciária federal do Alabama, Estados Unidos.
Desde a condenação, no começo da pena, foi jogado no “corredor da morte”. Aguardou,
sobressaltado, por todo esse tempo, o momento fatal. Enquanto o tempo se esvaia
iam-se acumulando, lentamente, agoniadamente, provas de sua inocência quanto ao
homicídio de que o acusavam. Finalmente, três décadas depois de proferida a
sentença, um tribunal superior condescendeu em reconhecer que o caso de Hilton merecia
revisão, por encobrir pavoroso erro judicial.
Ao recobrar recentemente a
liberdade, na expectativa de receber indenização estimada a princípio em 6
milhões de dólares, o presidiário impiedosamente alvejado conseguiu reunir
forças para transmitir uma mensagem que,
com toda certeza, está ricocheteando pesadamente na mente de seus algozes:
“Todos os que contribuíram para que eu fosse colocado no corredor da morte
responderão nalgum momento perante Deus.” Como dois e dois são quatro, é o caso
de se acrescentar.
GALERIA DE ARTE
Alfredo Volpi
conciliou brasilidade e
universalidade
conciliou brasilidade e
universalidade
A arte de Volpi em diversas telas Mesmo tendo nascido na Itália, de onde foi trazido com menos de dois anos, Volpi é um dos mais importantes artistas brasileiros deste século. Antes de mais nada, trata-se de um pintor original, que inventou sozinho sua própria linguagem. Isso é muito raro na arte produzida em países do terceiro mundo, cuja cultura erudita sempre deve algo a modelos internacionais. Diferentemente das de Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari, cujas analogias estilísticas com Léger e Picasso são reais, a pintura de Volpi não se parece com a de ninguém no mundo. Pode, quando muito ter, às vezes, um clima poético próximo ao da pintura de Paul Klee - mas sem semelhanças formais.
Embora fosse da mesma geração dos
modernistas, Volpi não participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Dela
estava separado, em primeiro lugar, por uma questão de classe social. Imigrante
humilde, lutava arduamente pela vida no momento em que os intelectuais e os patronos
da "Semana" a realizaram. Era um simples operário, um
pintor/decorador de paredes, que pintava os ornamentos murais, frisos, florões
etc., usados nos salões dos palacetes da época. Acima de tudo, esse dado tem
uma importância simbólica. Mostra que a trajetória de Volpi foi desde sempre
independente de qualquer movimento, tendência ou ideologia.
Autodidata, Volpi começou, na
juventude, fazendo pequenas e tímidas telas do natural, nas quais às vezes se
nota um toque impressionista. Na década de 30, sua pintura adquire um sabor
claramente popular - embora permaneça, ao mesmo tempo, paradoxalmente, sempre
concisa, sem a menor prolixidade nem retórica. É a década de 40 que marca sua
decisiva evolução em direção a uma arte não representativa, não mimética,
independente da realidade contemplada.
Volpi passa a trabalhar de
imaginação, no atelier, e produz marinhas e paisagens cada vez mais despojadas,
que acabam se transformando em construções nitidamente geométricas - as
chamadas "fachadas". É como se o artista refizesse sozinho, por si
mesmo, todo o caminho histórico da primeira modernidade, de Cézanne a Mondrian.
Sua linguagem não se parece com a desses mestres, mas os propósitos são os
mesmos: libertar-se da narrativa e construir uma realidade pictórica autônoma
do quadro. Cada tela, nessa época, parece sair exatamente da anterior, num
processo contínuo e linear. Através dessas paisagens, que na passagem aos anos
50 se transformam em fachadas, Volpi chega, em 1956, à pintura abstrata
geométrica - mas não porque ela está na moda e virou objeto de polêmica, e sim
como consequência inexorável de sua própria evolução.
A fase rigorosamente abstrata é
curtíssima. Dos anos 60 em diante, Volpi fez uma síntese única entre arte
figurativa e abstrata. Seus quadros admitem uma leitura figurativa (nas
"fachadas", nas famosas "bandeirinhas"), mas são,
essencialmente, apenas estruturas de "linha, forma e cor" - como ele
mesmo insistia em dizer.
Também ímpar é a síntese que faz
entre suas origens populares e uma produção formalmente muito requintada, sem
dúvida erudita. Finalmente, ele concilia e sintetiza brasilidade e
universalidade. Pode-se dizer que o projeto estético procurado por Tarsila e
articulado e explicitado por Rubem Valentim foi realizado na plenitude por Volpi,
de maneira não intelectual e sim prodigiosamente intuitiva.
Fonte: www.mre.gov.br
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário