Difícil de explicar
e de
entender
Cesar
Vanucci
“A
confusão era geral!”
(Machado de Assis, numa frase, extraída
do livro “Dom Casmurro” que se ajusta como luva de pelica para descrever a
encrenca no Oriente)
Barafunda
colossal! Por isso vamos ver se este desajeitado escriba dá conta de explicar e
se o condescendente leitor dá conta de entender.
A
baita encrenca bélica no Oriente com destaque para as frentes de batalha na
Síria e no Iraque, como já dito noutra ocasião, reveste-se de características
orwellianas. Em outras palavras, produz a sensação de haver sido extraída das
descrições sobre desavenças geopolíticas registradas nas páginas do “1984”, livro que celebrizou as façanhas do
“Grande Irmão”. Fica danado de difícil para os observadores distinguir, no
conflituoso emaranhado geopolítico, quem está mesmo a favor de quem, ou quem
está mesmo contra quem.
A
Arábia Saudita, sunita, e o Irã, xiita, como público e notório, não rezam
definitivamente pela mesma cartilha. Vivem se estranhando. Nada obstante, com
esforços isolados, cada qual ao seu estilo, empenham-se em combater o sinistro
Estado Islâmico, de tendência jihadista. Seja lembrado, neste preciso instante,
que o jihadismo é um movimento fundamentalista religioso, sustentado na base de
feroz fanatismo, com poderosas raízes fincadas exatamente na medieval sociedade
saudita. Os sauditas, sem embargo disso, desempenham papel importante na
coalizão liderada pelos Estados Unidos que chamou a si a responsabilidade pelos
bombardeios sistemáticos das posições dos extremistas do tal Califado, numa tentativa
de impedir sua expansão pelas terras síria e iraquiana.
Cabe
aqui mais um registro desconcertante: das fileiras dessa tresloucada falange
terrorista fazem parte, segundo recente estimativa, 30 mil rapazes e moças de
nacionalidade europeia, juntamente com alguns americanos. O Irã, a seu turno,
combate o Califado utilizando aguerridas milícias. Estas milícias iranianas dão
apoio ao governo da Síria, ferozmente combatido pelo Estado Islâmico. Acontece
que os governos ocidentais, bem como a Arábia Saudita, asseguram avantajada ajuda
militar às forças concentradas na derrubada da ditadura de Damasco. As forças
em questão, seja enfatizado, são constituídas predominantemente de elementos do
próprio EI (Estado Islâmico), ou seja, o Califado, inimigo declarado de todos.
Acrescente-se a informação de que o exército iraquiano tem também presença
realçante nessa briga contra o Califado. Mas sua atuação não é conjugada nem
com os xiitas iranianos, nem com os milicianos curdos, outro agrupamento engajado
na amalucada contenda. Os curdos, adversários do EI, compõem uma comunidade que
não esconde o propósito de se firmar como estado soberano, apoderando-se
justamente de uma fatia territorial de seu “eventual aliado”, o Iraque. Pra
aumentar a complicação, o Hezbollah, cujas operações principais estão baseadas
no Líbano, igualmente xiita e aliado dos governantes sírios, é outro grupamento
guerrilheiro que se antepõe ao Estado Islâmico. Tanto os Estados Unidos quanto
Israel têm-no como grupo terrorista radical.
Toda
essa confusão das arábias é marcada por batalhas sangrentas, atrocidades
inauditas, destruição de valiosos patrimônios, muito horror, morte de milhares
de inocentes, levas intermináveis de refugiados sem rumo. Gera, obviamente, com
constância, constrangimentos militares e diplomáticos inimagináveis. Além de
deixar imersos – visto está – no mais completo aturdimento os observadores que
se esforçam por manter atualizadas as informações sobre as desconcertantes marchas
e contramarchas dos acontecimentos naquelas convulsionadas bandas do mundo.
Estas
considerações já haviam sido digitadas quando os veículos de comunicação
trouxeram ao mundo mais uma espantosa revelação: os fanáticos guerrilheiros do
Califado exibiram em vídeo imagens, como sempre horrendas, da decapitação de
adversários. Só que as vítimas de agora são elementos pertencentes às fileiras
da Al Qaeda...
Mais essas aqui...
Cesar
Vanucci
“Macumbeira, macumbeira, vá queimar no
inferno!”
(Termos
usados pelos fanáticos religiosos que apedrejaram uma adolescente quando saia
de um culto de candomblé)
Os
iracundos patrulheiros talebanistas não esmorecem no propósito de disseminar o
germe da intolerância nas atividades cotidianas. Atiram pedras em pessoas que
participam de um culto afro-brasileiro. Postam-se nas imediações do órgão
incumbido da perícia relativa às lesões sofridas pelas vítimas, voltando a agredi-las,
em coro, com doestos e gestos raiventos. Picham paredes e divulgam mensagens
contendo ameaças homofóbicas na Universidade. Articulam boicote a produtos de
uma empresa pela circunstância de não “aprovarem” os termos de um reclame publicitário.
Escancaram nas redes sociais seus incuráveis preconceitos e frustrações, suas indeclináveis
tendências totalitárias para alvejar autoridades, líderes políticos e
instituições republicanas, pregando abertamente a substituição do regime
democrático pela tirania. Pintam e bordam por aí com suas posturas
obscurantistas, nutrindo intimamente, com certeza, ressentimentos atrozes face
ao fato de não encontrarem por aqui, nestes nossos pagos brasílicos, a mesma
calorosa receptividade que partidários de suas ideias e comportamento retrógados
encontram em lugares como a Arábia Saudita, Irã, Paquistão, Afeganistão, entre
outros, sem falar nos maltratados redutos dominados pelos desvairados
“guerreiros da moral e dos costumes” do “Califado do terror”.
Delação
premiada.
O
controvertido instrumento da “delação premiada” é recebido, nalguns redutos,
como prova definitiva e cabal de culpabilidade das pessoas eventualmente
acusadas de atos ilícitos.
O
novo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, manifestou-se de forma
bastante lúcida a respeito dessa equivocada interpretação. Esclareceu que
ninguém, no regime democrático, pode ser julgado e condenado com base, única e
exclusivamente, em denúncias feitas por elementos que assinaram com a Justiça
acordo de “delação premiada”. Acrescentou que a delação assim apresentada não
passa mesmo de mero “indício de prova”. “Precisa, por tal motivo – lembrou –
ser secundada por outra prova idônea, pertinente e contundente, que são as
características que a gente tipifica como uma prova capaz de permitir o
julgamento e o apenamento de quem tenha cometido alguma infração criminal.”
Tom
pessimista.
A
divulgação a respeito pecou pela excessiva discreção. Poucos se inteiraram do
que foi enfatizado como resposta num quesito de recente pesquisa do Ibope,
atinente a temas políticos e administrativos. Focalizando o papel da mídia
brasileira, o item proposto na consulta teve os seguintes dizeres: “A imprensa
brasileira mostra o País numa situação mais negativa do que a que (como
cidadão) percebo no meu dia a dia?”
Quarenta
e um por cento dos entrevistados manifestaram o ponto de vista de que isso
realmente acontece. Tal impressão encontra alicerce, bem provavelmente, em
noticiário e artigos revestidos de tom geralmente pessimista ao tratar das
coisas brasileiras. Valha como ilustração o intrigante titulo empregado,
semanas atrás, por festejado analista econômico ao colocar seu público leitor a
par dos investimentos, da ordem de 53 bilhões de dólares, que os chineses
pretendem aplicar no Brasil: “O país de pires na mão!”. Ora, epa!
Novas frustrações
à vista
Cesar
Vanucci
“Do jeito que as coisas andam, o futebol
brasileiro
vai acabar deixando de ser a alegria do
povo.”
(Antônio
Luiz da Costa, professor)
Não
vai dar outra. Se a CBF persistir, pirracentamente, na disposição de não
revolver, de imediato, cabo a rabo, adotando medidas impactantes, a estrutura
organizacional da seleção, o futebol brasileiro, como dois e dois são quatro,
amargará antes do final do ano outra acachapante frustração.
Permanecerá
de fora, pela primeira vez, de uma Copa Mundial. Com esse desempenho mixuruca apresentado na
Copa América, os “legionários estrangeiros” – segundo suspeitas levantadas pela
crônica especializada, escalados por empresários engajados nos rendosos
esquemas de negociações de passes – serão inevitavelmente protagonistas de novo
e retumbante fiasco. A desclassificação será “favas contadas”. E não é difícil
prognosticar que, em sequência próxima, a tão almejada conquista do ouro
olímpico ficará também pras calendas.
Malíssimamente
treinado, influenciado pra valer pela postura chiliquenta de seu astro mais
badalado, o escrete de Dunga é, sem sombra de dúvida, o menos criativo, menos
produtivo grupo já reunido com a incumbência de representar as gloriosas cores
brasileiras em competições. Os preparativos, daqui pra frente, a não ser que
queiramos acumular mais vexames, terão que ser processados a partir do ponto
zero. As circunstâncias reclamam outra comissão técnica. Plantel de atletas
totalmente reformulado. Além, tá claro, outro estilo de conduta no gramado.
A escolha
de um treinador com maior capacitação afigura-se imprescindível. No processo de
transmutação a que se terá de recorrer, na tentativa de recuperação do tempo
perdido, por que não se cogitar, na escolha do técnico, de alguém como, por
exemplo, Marcelo de Oliveira, de cujo concurso, em instante nada inspirado, a
diretoria do Cruzeiro resolveu abrir mão?
A
ele, ou a outro técnico do mesmo naipe, que seja possuidor de ideias mais
arejadas, com um melhor conhecimento de causa, ficaria confiada a missão de
reorganizar a seleção. A convocação, no novo modelo operacional, contemplaria apenas
e exclusivamente ou, então, majoritariamente, valores que estejam em ação nos
torneios brasileiros. O vitorioso passado de nosso futebol chancela essa fórmula.
De anos a esta parte, coincidindo justamente com o incômodo somatório de
resultados adversos, essa fórmula foi deixada, incompreensivelmente, de lado. O
nível técnico do nosso futebol parece já não ser o mesmo de outros tempos. Mas,
cá pra nós, é hora de admitir sem hesitações que os jogadores chamados não são
em nada superiores aos que atuam por aqui. Com a dispensa de convocações
externas estaremos, provavelmente, em melhores condições de compor um time mais
articulado, mais bem treinado, identificado neste momento com o sentimento
popular.
As
considerações acima já haviam sido lançadas no papel quando foi anunciada a
decisão da CBF de não mexer no time que está perdendo... “Tamo n’água!”, como
era de costume dizer-se em tempos de antanho.
Carlos Perktold *
Carlos Bracher –
Energias Sagradas
Quem já viu Carlos Bracher pintar, sabe que é um
ritual de energias sagradas. Primeiro é necessário ouvir um concerto barroco.
“Canon” de Pachelbel é o mais-que-perfeito. Bach ou Handel, com pequenas
concessões para Jean Michael Jarre, também são freqüentes. Para presenciar o
ritual e participar dele como espectador, a música precisa ser ouvida alta, comme
il faut. O ambiente é um atelier caseiro de Ouro Preto, o que, por si só, já é
um alento para nossa alma globalizada. Do somatório desses elementos faz-se uma
equação de barroco+barroco = uma pintura soberba. Como num concerto anunciado,
basta aguardar.
A “orchestra” já está no cavalete. O maestro esfrega
as mãos e olha a tela branca à sua frente. É a sua vítima agradecida. Fusain
preso nos dedos, marca nela os traços básicos da composição, materializada como
um fantasma desperto. Em seguida, é a vez do pincel ou da brocha nas mãos.
Cobre, então, rapidamente as imagens do carvão com as cores pré-escolhidas.
Aquelas desaparecem, ficando retidas apenas na sua visão interna. Na memória
visual do pintor o quadro já está pronto.
A cada minuto de pintura, ele nos mostra formas e
conteúdos que se modificam a todo momento. Pura mágica. Na tela, traços seguros
marcam o centro da composição. A partir daí, são movimentos fixando cada
compasso dessa sinfonia pictórica.
Bracher fez tudo isso quando pintou o retrato do
jornalista Geraldo Magalhães. Em menos de dois minutos, literalmente, lá estava
o modelo num desenho a carvão na tela e que até hoje nos penitenciamos de não
lhe ter recomendado parar, assinalar o tempo, assiná-lo, fixá-lo e começar
outro. Hoje existe um belo retrato a óleo, mas o desenho magistral de dois
minutos perdeu-se para sempre.
Bracher é assim. Desenha e pinta rápido, com a
simplicidade de traços que trazem resultados reservados para aqueles que têm o
talento. Pintando é impiedoso com a tela, com as cores, com os pincéis e até
mesmo com as molduras, depois que sua obra está assinada. Mantém com esses
materiais uma relação de senhor dominador e eles respondem agradecidos, porque
sabem que o resultado é a recompensa da beleza perene. É pintura de grande
massa, ocupando a tela com atividade e movimento, tão característicos do
barroco.
Os trabalhos iniciais de Carlos Bracher indicavam uma
contínua elaboração pictórica, perceptível apenas para quem acompanha o
trabalho do artista durante uma vida ou numa retrospectiva. Ele nunca fez opção
por meias soluções ou efeitos fáceis para agradar público ou mercado, optando
pelo que acreditava e ao que era sincero.
Mineiro de nascença, de escolha, de fé e de alma, vive
nas montanhas de Ouro Preto há mais de trinta anos e as usa, não para se cercar
e proteger, comportamento tão próprio de nossa gente. De lá é possível avistar
sua mineiridade universal que está no conteúdo do barroco mineiro, nas
paisagens de Ouro Preto, Congonhas, Prado, Tiradentes e até dentro da usina de
aço. Aço nos remete à força de uma chapa espessa desse material, mas nos
associa à leveza do flandre que seus quadros transmitem trazendo ainda consigo
as exigências da magia que toda obra de arte requer: cor, equilíbrio,
composição, tensão e um mistério que nos intriga, instiga e nos inquieta de
forma agradável.
Mas se é preciso despertar o desenhista ou o
retratista de alma, esse tema tão difícil e reservado apenas para os
presenteados com o talento absoluto e, infelizmente, ainda tão maltratado pelas
entranhas do mercado de arte, aí está ele, atuando como um Rei Midas moderno,
onde tudo que toca vira arte. Fidelíssimo a si mesmo, sempre se manteve longe
de qualquer modismo, essa eterna máscara da morte em arte, conservando nas suas
composições singularidade de ser apenas Bracher, dono de seu estilo, senhor de
si mesmo.
Aliás estilo próprio de alguns mineiros como Guimarães
Rosa, Carlos Drummond de Andrade e Guignard, o dono das Minas Gerais. Vindo de
uma geração que não conheceu pessoalmente o grande divisor da pintura em Minas,
Bracher não teve a influência do mestre fluminense-mineiro, o que em Minas, e
em especial na sua geração, é de um heroísmo impar. Mas, sábio, deixou-se
influenciar por seu amigo, o velho mestre de Barbacena, Emeric Marcier. Houve
uma época em que ambos usavam a respiração do suporte como parte da cor da
composição e o ocre era a cor preferida dos dois. Esta, como se sabe, é de
difícil colocação. Tempos da década de 80, quando o mestre de Barbacena ainda
contribuía para a grandeza de Minas e influenciava gente brilhante da geração
que se seguiu à dele.
Seus trabalhos comprovam a asserção de que tudo na
vida é a longo prazo, mesmo para os talentosos de maturidade absoluta.
* Psicólogo. Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, da Associação Brasileira de Críticos de Arte e da Associação Internacional de Críticos de Arte
Fonte: www.portalartes.com.br
Um comentário:
Como sempre, artigos excelentes! Um grande abraço!
Andrea Cecconie
Manchester, MI
Postar um comentário