sexta-feira, 3 de julho de 2015

     
Líder espiritual e político

Cesar Vanucci

“Os grandes homens são os que entenderam bem seus tempos.”
(Imre Mada’ch)

O Papa Francisco é apontado, com inteira justiça, como o mais influente líder espiritual e político da atualidade. As decisões que toma mostram-no ardorosamente empenhado na construção da paz. Em seu pontificado, o Vaticano tornou-se referência maiúscula no panorama diplomático, conduzindo negociações exitosas em favor do diálogo, da confraternização e da concórdia.

Depois da intervenção que contribuiu decisivamente para a reaproximação dos Estados Unidos e Cuba, um outro ato extremamente positivo, saudado efusivamente por homens e mulheres de boa-vontade de todas crenças e nacionalidades, foi assumido por este Pontífice surgido dos “confins do mundo”.

Fazendo ruir mais uma barreira criada por antagonismos ferozes, embebidos de fanatismo ideológico, hostis à convivência pacífica que deve reger o relacionamento das nações, o carismático Chico reconheceu oficialmente a Palestina como Estado soberano. Firmou tratado histórico, com a autoridade suprema da referida Nação, regulando as atividades da Igreja no território. Paralelamente, acolheu no Palácio Apostólico em Roma, com honras de Chefe de Estado, o presidente Mahmud Abbas, oferecendo-lhe uma medalha com a efigie do “Anjo da Paz”. Na hora da entrega da honraria, exortou-o a conduzir-se sempre como um amigo da paz.

Oportuno frisar que em 2014, na visita feita ao Oriente Médio, o conciliador Francisco empregou expressões idênticas ao homenagear, além de Abbas, o então presidente do Estado de Israel, Shimon Peres. Convidou ambos a irem ao Vaticano. Com a participação de Bartolomeu, patriarca de Constantinopla, celebrou na presença dos dois dirigentes um ato ecumênico em prol da paz. Renovou, agora, sua confiança em que possam ser retomadas as negociações diretas, infelizmente interrompidas, entre israelitas e palestinos, de modo a favorecer a busca de solução justa e duradoura capaz de por cobro às discordâncias. Lastime-se, a esse propósito, a posição do governo de Tel Aviv, comandado por Benjamin Netanyahu, com relação a essa manifestação do Papa.

Fontes oficiais israelitas, pra espanto geral, provocando consternação em escala mundial, expressaram “profunda desilusão” com respeito ao assunto. Mas essa isolada reação negativa não surtiu efeito na determinação pontifícia de estabelecer com os palestinos acordo inspirado no louvável intuito de “contribuir concretamente para um novo desenho geográfico” no Oriente Médio, de maneira a facilitar aos povos palestino e israelita que desfrutem do sagrado direito de viverem em clima de harmonia, cada qual, em seu próprio Estado.

Juntamente com as mencionadas negociações diplomáticas, o Vaticano patrocinou evento de grande significado religioso, com compreensíveis conotações políticas, relacionado também com a Nação palestina. Isto se deu em razão da canonização solene, na Praça de São Pedro, das primeiras santas palestinas da época moderna. São as freiras Afonsina Danil Ghattas e Marian Bawardy, que exerceram seu apostolado no século XIX em territórios sob domínio otomano. Na trajetória das religiosas acham-se registrados notáveis feitos no campo da assistência social e do diálogo interreligioso.

Noutro gesto de intensa repercussão, também recente, o argentino Bergoglio deixou claramente evidenciada a disposição de não se omitir no registro de acontecimentos históricos deturpados, com interpretações dúbias de correntes da hipocrisia oficial ou de alguma conveniência geopolítica qualquer. Arrostando as iras do governo de Ancara, sem uso de meias palavras, classificou a perseguição aos armênios na Turquia, ocorrida no século XIX, como genocídio. Com sua fidelidade à mensagem evangélica, desassombro pessoal e visão social aguçada, o Papa Francisco preenche um vazio na paisagem humana contemporânea, tão carente de líderes e de ideias. É alguém afinado com o seu tempo.


Selvageria machista

Cesar Vanucci

“A violência está invariavelmente entrelaçada com a mentira.”
(Soljenitsin, ao receber o Nobel da Paz, em 1972,
 numa citação selecionada por Paulo Rónai)

Os dramas pungentes de duas jovens, uma da Turquia, outra da Chechênia, aflorados no noticiário, colocam em evidência, pela bilionésima vez, o sistema machista opressivo, de características medievais, contrário à dignidade feminina, praticado em alta escala nalguns cantos do mundo. Mutlu Kaya, turca, 19 anos, levou um tiro na cabeça por “afrontar” ordens expressas de fanáticos religiosos relativas ao “comportamento da mulher na sociedade”. Sua participação em um “reality show” musical “motivou” um maluco fundamentalista a invadir, arma em punho, a residência da jovem e efetuar disparos enquanto ela ensaiava no quarto a apresentação artística prevista para o programa de televisão.

O programa de tevê “Sesi Cok Guzel” é bastante popular na Turquia. A moça, com pendores para o canto, entrou na competição. Após aparecer na telinha, recebeu ameaças. Chegou a admitir a colegas da cantina escolar onde trabalhava temores quanto a reações de integristas religiosos. Os receios não eram infundados. Recupera-se agora num hospital.

Kheda Gomla Biyeda, 17 anos, residente da Chechênia, viu-se forçada a casar, sob ameaça de sequestro. O marido, bem mais velho, já casado, sem que o país admita poligamia na legislação, é Nazhud Guchigor, poderoso chefão de polícia, amigo pessoal do Presidente da República, Ramzan Kdyrov, que não se vexou nem um pouquinho de comparecer à cerimônia nupcial, celebrada com toda pompa, reunindo figuras representativas dos altos escalões oficiais. O inconformismo da moça deixou registrado publicamente que o casório foi feito contra sua vontade. O caso ganhou as redes sociais e as manchetes.

O desabafo da menina trouxe à tona uma torrente de assustadoras informações. A ong “Plan International” garante que, todos os dias, 39 mil adolescentes se casam contra a própria vontade em diferentes lugares do mundo.

Isso ocorre, sobretudo, no sul da Ásia, em boa parte da África, no Oriente Médio e, também, na América Latina e Caribe. Calcula-se que, até 2020, 140 milhões de meninas terão passado pelo infortúnio das núpcias não desejadas, nessas e noutras regiões do planeta. São muitas as constatações de que as garotas enfrentam, na sequencia, degradante rotina de violência, sem terem a quem recorrer.

Os relatos acima se somam à crônica sinistra de milhares de atentados, numerosos deles fatais, sem punições, verificados, notadamente, em paragens onde o acesso à educação é vedado a mulheres. Os territórios mais notoriamente comprometidos com essa selvageria machista são a Arábia Saudita, Sudão, Emirados Árabes, Afeganistão, Iraque, Líbano, Egito, Iran, Iêmen, Nigéria (onde atua o famigerado Boko Haram, aliado do Isis), Paquistão, onde Malala Yousafzai, de 16 anos, ganhadora do Nobel da Paz, foi também baleada na cabeça por se insurgir contra a proibição de sectários religiosos a que pudesse frequentar uma sala de aula.

O machismo desvairado confirma aquilo que o ganhador do Nobel da Paz de 1972, Soljenitsin, registrou sobre o instinto selvagem violento do ser humano: “A violência não existe por si só. Ela está invariavelmente entrelaçada com a mentira.”





Dilema do Brasil:
Inventar ou imitar?



Ao final da tarde de vinte e dois de setembro de 1786, na cidade italiana de Vicenza, reuniram-se cerca de quinhentas pessoas para discutir o que havia trazido maior proveito às belas artes, a invenção ou a imitação. Os defensores da imitação venceram, pois, segundo uma testemunha ocular dos debates, “não afirmaram senão o que a malta pensa, ou é capaz de pensar”. 

De repente, flagrei-me a pensar: o que é melhor para o Brasil, inventar ou imitar? Na cultura, submetemo-nos com frequência ao que vem de fora, copiando muita coisa supérflua e de mau gosto. Quem quiser exemplos folheie as revistas e os jornais, ou veja a televisão. Até parece que a inauguração de uma pracinha em Nova York e o aniversário de um ator em Hollywood são efemérides brasileiras, tamanho o espaço que ocupam. Isso é indigência cultural. Nessa toada, no dia em que a cadelinha da Casa Branca ficar doente, teremos vigília, velas, promessas e milhares de brasileiros cantando música cáuntri  em prol da saúde canina. 

O antigo dilema, entra governo, sai governo, toma conta de Brasília: devemos importar ou desenvolver tecnologia própria? Repisam-se os argumentos costumeiros: não se deve reinventar a pólvora; é mais barato comprar know-how lá fora; nascemos, pela extensão climática e territorial, com vocação para a agricultura; devemos deixar esse negócio de tecnologia para os norte-americanos, chineses e japoneses, anos-luz à nossa frente. Existem, é claro, os paladinos da autonomia, defenestrados pela eterna alegação: não temos dinheiro – e tecnologia. E as decisões ficam para depois.

Em consequência, o fosso se alarga, e sucumbimos ao subdesenvolvimento. Quando nada, possuímos setores de ponta que pouco devem aos estrangeiros. Uma maneira de incentivá-los seria consumar o casamento entre a universidade e a indústria. Em outras palavras, transformar a pesquisa em patentes. Os chineses oferecem um caminho adicional. Copiam para exportar, de olho no exemplo anterior dos japoneses. Com o dinheiro arrecadado, desenvolvem as próprias novidades. Com tanta cara de pau, acertaram na escolha.

Inventar ou imitar? A questão continua aberta, porém Vicenza ainda pode lançar mais luz sobre ela. Em 1786, a cidade estava decadente após o auge no século 16, quando a ousadia de criadores como Palladio revolucionou sua arquitetura e a transformou em referência na Europa. Teria a ausência de ímpeto e força motivado o resultado do debate?

Por falar em ímpeto e força, a testemunha ocular citada foi Goethe. Em viagem pela Itália, ficou seduzido pela cultura peninsular, a ponto de escrever duas obras ditas italianas, Ifigênia eTorquato Tasso, sem contudo perder a identidade de autor. A história de Fausto tampouco é original. Alguém entretanto a separa de Goethe? Seu gênio fez da imitação uma invenção, criando uma obra-prima.

A moeda, quando lançada, pode dar cara ou coroa. É preciso fazer a escolha, com toda a informação disponível. Se inventarmos apostar na parada da moeda em pé, aí sim teremos um problema. O Brasil ainda não sabe disso.

Fonte: Blog do Luís Giffoni










2 comentários:

ACSS-2011 disse...

Nobilíssimo César Vanucci:


Parabéns pelo filosófico e cultural dos artigos e crônicas.
Ler o Blog é certeza de ganho pessoal. Assim a cada crescemos com os conceitos colhidos aqui nesta página magnífica!!

Cordialmente,

CL Augusto César
Leitor assíduo

ACSS-2011 disse...

Nobilíssimo César Vanucci:


Parabéns pelo conteúdo filosófico e cultural dos artigos e crônicas.
Ler o Blog é certeza de ganho pessoal. Assim a cada crescemos com os conceitos colhidos aqui nesta página magnífica!!

Cordialmente,

CL Augusto César
Leitor assíduo

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