Súbito
silêncio
Cesar
Vanucci
“Pergunta
simples de um cidadão comum: quando a grande mídia resolve estabelecer,
subitamente,
silêncio sobre questões palpitantes isso quer dizer exatamente o quê?”
(Domingos
Justino Pinto, educador)
Observadores
atentos aos acontecimentos do dia-a-dia assinalam que o noticiário acerca das
falcatruas da Fifa com desdobramentos envolvendo a CBF, conforme previsões, vem
minguando. As manchetes e comentários ruidosos dos primeiros momentos sumiram.
Os
mesmos observadores dizem ainda que, nos círculos esportivos, tinha-se como
certo que isso acabaria fatalmente acontecendo, tão logo as investigações
enveredassem para coletas de provas relativas a supostos atos nebulosos praticados
à volta das concessões para transmissões de jogos. É neste preciso momento que aparece
em cena, nas roupagens de indiciado, um cidadão brasileiro, jornalista
J.Hawilla, da tal “Traffic”. Ao que se sabe, pessoa já comprometida com
“delação premiada”. Taí assunto que, com pouca ou nenhuma cobertura, está
fadado a render.
O
rumoroso episódio das contas secretas do HSBC é outro assunto que toma a
atenção dos observadores, intrigados com a repentina “retração midiática” a
respeito. Em fevereiro passado, jornalistas franceses denunciaram a existência
de 180 bilhões de euros, de origem bastante suspeitosa, numa agência suíça da
citada organização bancária. De acordo com a revelação, cerca de 106 mil contas,
de pessoas físicas e jurídicas de diferentes países, comporiam colossal fraude
de sonegação. Do total apontado, 8677 contas pertenciam a brasileiros. O
contingente apontado ocupa quarto lugar em depósitos e nono em número de
clientes. Ficou um pouco abaixo da participação francesa no esquema. A
sonegação atribuída aos “ilustres patrícios” é de 20 bilhões de euros. Dinheirama
capaz de aliviar em muito a carga imposta à sociedade com o ajuste fiscal, não
é mesmo?
Por
outro lado, o noticiário parco de agora sobre a chamada operação “Zelotes”,
relacionada também com sonegação, é outra questão que vem desconcertando
observadores atentos às coisas brasileiras. Implicando em valores astronômicos,
dando margem, conforme as revelações iniciais, a suspeitas de participação no
fraudulento processo de “pessoal da pesada” em termos de poder econômico, a
questão “tomou”, de repente, por assim dizer, “chá de sumiço” no noticiário
nosso de cada dia.
Quais
as razões desse súbito silêncio em todos esses casos?
Maju
e os racistas
Maju,
como é conhecida, vem alindando com encanto feminil e baita competência
profissional, como encarregada do boletim meteorológico, o “Jornal Nacional”.
Um punhado de empedernidos racistas, gente de mal permanentemente com a vida,
sentiu-se “molestado” com o desempenho da moça, partindo então para alvejá-la
nas redes sociais. De todas as partes do país pipocaram manifestações de
desagravo à jovem apresentadora. Esses talebãs não se emendam... Qualquer hora
dessas voltarão a aprontar. Identificá-los e enquadrá-los nos rigores da lei é
um gesto benéfico de saneamento moral.
Todos
têm culpa no cartório
Cesar Vanucci
“Não é “OK” jogar uma bomba de uma
tonelada no meio de um bairro.”
(De
um relatório da ONU sobre o conflito em Gaza)
Os
conflitos em Gaza de 2009 e 2014 motivaram relatórios de comissões organizadas
pela ONU, a segunda delas presidida por respeitada jurista estadunidense, Mary
Megowan Davis. As conclusões do segundo trabalho coincidem com as do primeiro,
conforme esclarece em circunstanciada reportagem o jornalista Antônio Luiz M.
C. Costa para a revista “CartaCapital”, edição de número 856, de 1º de julho.
Do
ponto de vista dos responsáveis pelas investigações, tanto o Estado de Israel
quanto o grupo palestino Hamas praticaram “crimes de guerra” nos confrontos,
mas a parcela de culpa israelita é consideravelmente maior em função da
extensão dos danos provocados. Aludindo apenas ao conflito de 2014, a comissão
apurou que o Hamas matou seis civis israelenses, um civil tailandês, executou
21 palestinos por suspeita de ação hostil, feriu mil e seiscentas pessoas,
entre elas 22 crianças, além de ameaçar a população civil ao redor de Gaza com
a construção de túneis e o disparo sistemático de foguetes.
No
tocante a ação armada israelense, a comissão começa o relatório por reconhecer
que seria difícil para Telavive confrontar ataques de inimigos entrincheirados
em Gaza, território superpovoado, sem causar danos à população civil palestina.
Mas admite, também, que não houve esforço digno de menção das forças armadas no
sentido de evitar que o morticínio alcançasse as proporções registradas. “O
emprego de explosivos em bairros densamente povoados é problemático e tem de
mudar. Não é “OK” jogar uma bomba de uma tonelada no meio de um bairro”,
assinala o relatório. As acusações a Israel falam de ataques a prédios
habitados, destruição de bairros inteiros, 18 mil casas destruídas, 2.205
palestinos mortos, dos quais 1.462 civis (742 no interior de suas moradias),
557 crianças entre elas. E mais: 30 por cento de escolas e 50 por cento de
jardins de infância reduzidos a escombros por bombas despejadas do alto e por
misseis. E houve também intensos ataques a hospitais e mesquitas.
Os
dados apresentados são contundentes. Documentam uma contenda insana, alimentada
por radicais que se recusam a definir numa mesa de negociações a divisão da
área destinada, há décadas, pela ONU, para abrigar dois Estados: o Estado do
Israel, já implantado, e o Estado da Palestina, ainda não definitivamente
implantado.
Esconderijos
de dinheiro
Cesar
Vanucci
“A bufunfa armazenada nos “paraísos fiscais”
ajudaria a resolver um montão de problemas.”
(Antônio
Luiz da Costa, professor)
Fala-se
pouco no assunto. A parcimoniosa divulgação atende, certeiramente, a conveniências
poderosas.
Nos
bastidores, há quem esteja trabalhando com afinco a possibilidade de fazer
gorar e, se isso não se mostrar factível, retardar ao máximo a entrada em vigor
do tratado de cooperação internacional que prevê fórmulas de controle da
dinheirama de origem suspeita derramada nos cofres dos chamados “paraísos
fiscais”. O esquema, já em avançado estágio de articulação, garantirá um intercâmbio
permanente de informações sobre operações financeiras entre as nações signatárias.
O objetivo é reprimir a sonegação deslavada que aí campeia, com a promoção,
paralelamente, da justiça social nas taxações fiscais.
Desde
setembro do ano passado o Brasil definiu, a exemplo de outros 85 países, sua
participação nesse engenhoso e providencial sistema. A perspectiva de que tudo,
futuramente, venha a funcionar a contento sai fortalecida da revelação de que,
entre os signatários do tratado figuram até mesmo alguns dos hoje despoliciados
“refúgios fiscais”. Casos da Suíça, Luxemburgo, Ilhas Cayman e Ilhas Jersey, estuários
manjados de (fabulosas) fortunas mal adquiridas.
Para
se ter um vislumbre desse trabalho nascido de uma conjugação internacional, executado com a
finalidade de reduzir os “esconderijos de dinheiro”, é bom consultar
elucidativos dados recentes, fornecidos por órgãos oficiais credenciados. O Banco Central do
Brasil calcula que o grupo de cidadãos e entes jurídicos domiciliados no
território nacional que mantêm depósitos em agências bancárias do exterior reúna
uma riqueza trilionária da ordem de 390 bilhões de dólares. Mas há quem ouse
contestar os números, considerando-os conservadores, ora, veja, pois...
Para
a “Tax Justice Network”, ong do Reino Unido, a bufunfa escondida, atribuída a
patrícios, chega às alturas everestianas dos 520 bilhões de dólares. Os donos dessa nota
preta, no modo de ver de Claudio Damasceno, presidente do Sindifisco, órgão
representativo da categoria dos auditores da Receita, são em grande maioria
tremendos sonegadores. Todos ocupando lugares ostensivos nos times dos
corruptos e corruptores de alto coturno, dos contrabandistas e dos traficantes.
Na
hora em que esse complexo de liberação de dados for posto mesmo pra funcionar,
queira Deus seja em breve, muitas revelações encardidas, sórdidas, chocantes, a
respeito de iliceidades praticadas em operações financeiras externas pintarão
inexoravelmente no pedaço. Aqui e fora daqui. Não é difícil adivinhar: antes
que isso aconteça haverá, por certo, distanciadas do conhecimento público, tentaculares
tentativas no sentido de deixar tudo como está, nesse malcheiroso capítulo dos
“paraísos fiscais”, pra ver como é que fica.
Emir Sader *
Em torno do Estado se dão os grandes debates atuais. É o alvo do golpe
Desde que Ronald
Reagan disse que o Estado deixava de ser solução para ser o problema, o Estado
passou a estar no centro dos debates e das lutas políticas. Reagan apontava-o
como ineficiente, corrupto, expropriador de recursos das pessoas, produtor de
inflação, desperdiçador, burocrático – em resumo, fonte dos problemas da humanidade.
No seu lugar, se
passou a promover a centralidade do mercado e das empresas, identificados como
eficientes, dinâmicos, baratos. Quanto menos Estado, melhor (para eles). Estado
mínimo significa mercado máximo. Menos regulação estatal, menos direitos, menos
proteção, menos políticas de inclusão social.
Alguns dos que
fizeram a crítica de uma chamada "Estadolatria" da esquerda no
período histórico anterior, buscaram refúgio na "sociedade civil",
que mal podia mascarar o mercado, na versão dominante do neoliberalismo, entre
eles ONGs e alguns intelectuais, pela rejeição comum do mercado. Sem o que
dizer do ponto de vista do poder do Estado, essa forças desapareceram da cena
política.
Superar o
neoliberalismo é assumir funções que foram anuladas no Estado mínimo. Estado
mínimo não significa mais cidadania, porém menos, porque cidadão é o sujeito de
direitos e o que mais faz o neoliberalismo é expropriar direitos, em favor do
consumidor e do mercado. Quem pode garantir direitos, promover políticas sociais,
participar de processos de integração regional e de alianças Sul-Sul, induzir
políticas de expansão econômica com distribuição de renda, programa de
desenvolvimento tecnológico e científico, entre outras obrigações
civilizatórias, é o Estado.
Por tudo isso, o
alvo central da direita, das suas tentativas de restauração conservadora, é o
Estado. É em torno do Estado que se dão os grandes debates atuais – sejam
econômicos, sociais, culturais ou diretamente políticos.
No Brasil, não por
acaso os alvos centrais da direita têm sido sempre o Estado – Petrobras,
Correios, Fundos de Pensão, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica – tentando
desarticular a capacidade de ação do Estado.
Diga-me o que você
tem a dizer sobre o Estado e eu te direi onde você se situa política e
ideologicamente. Não é a polarização que encanta ao neoliberalismo, entre um
Estado que ele mesmo maltratou, desfeito, e uma suposta em esfera privada, a
que vige no mundo contemporâneo. Porque a esfera do neoliberalismo não é uma
esfera meramente privada, é esfera mercantil, em que tudo se vende, tudo se
compra, tudo tem preço, tudo é mercadoria. E a esfera da esquerda é a esfera
pública, a esfera dos direitos e da cidadania. O Estado é um espaço de disputa
hegemônica entre as duas esferas – a pública e a mercantil –, frequentemente as
duas se representam e se disputam dentro do próprio Estado.
Muita razão têm os
países que decidiram refundar o Estado, para adequá-lo à nova base social que
sustenta o poder político, o novo bloco social que leva adiante as políticas de
superação do neoliberalismo. Os que não o fizeram, sofrem com um aparato
burocrático incapaz de incorporar a participação popular que os novos governos
requerem.
Não se trata de que
todo debate possa ser reduzido ao Estado, mas cada proposta de modelo e de
política econômica reserva um lugar para o Estado, supõe uma forma de Estado.
Um Estado de subordinação às forças do mercado ou um Estado capaz de
implementar políticas soberanas, democráticas, populares.
Como o mercado anda
com pouco prestígio, não apenas pelos danos que causaram as políticas
neoliberais, mas também pela profunda e prolongada crise internacional do
capitalismo, a direita se concentra em atacar o Estado e os governos que se
valeriam do Estado para praticar políticas "populistas",
"corruptas", inflacionárias. Mas atacam o Estado para voltar a impor
políticas centradas no mercado.
Nunca como agora o
pensamento crítico tem teve que se voltar para o tema do Estado, das formas que
deve assumir o poder político para corresponder aos governos e ao processo que
busca a construção de modelos de superação do neoliberalismo. Do tipo de poder
popular que se necessita para deitar raízes definitivas nas formas novas formas
de Estado que precisamos.
* Emir Sader é sociólogo e cientista político
brasileiro
Fonte: www.brasil 247.com
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