Grosseria
explícita
Cesar Vanucci
“Quando vejo esse frenesi de
achincalhar as pessoas
que estão no poder, fico um pouco angustiada.”
(Cleo Pires, atriz)
Duvidei, quando me contaram. Conjecturei,
num primeiro instante, que tudo não passasse de uma tremenda fofoca. Uma a mais
nestes tempos brabos de destemperança verbal provocada por desvairadas paixões
políticas.
Em face disso resisti, o quanto pude, à
sugestão de clicar a postagem inserida no despacho eletrônico comprobatório da
inacreditável ocorrência. Mas acabei acessando, finalmente, a matéria. Foi
assim que vi e ouvi, com estes olhos e ouvidos que a terra algum dia irá
saborear – só que, na dependência de minha estrita vontade, daqui um tempão
ainda -, uma sequência de gestos e palavras inverossímeis, atordoantes. Algo
tão estarrecedor que, pra falar verdade, esgota de pronto as exigências essenciais
para assegurar, aos seus indigitados autores, com “todos os méritos”, o troféu
anual da “suprema cafajestagem”, caso ocorra a alguém instituí-lo nesta quadra
contundente de inversão de valores.
Fábio Júnior - ora, veja, pois! - o
inesperado protagonista da insólita cena. Bom intérprete musical e razoável
ator, deixou-se flagrar diante das câmeras de televisão e flashes fotográficos,
ao ensejo do espetáculo “Brazilian Day”, realizado em Nova Iorque, numa
performance vexatória que pode ser apontada como a cena de grosseria explícita
mais vergonhosa destes últimos tempos. Custa crer que alguém de sua projeção no
palco público se aprestasse a desempenhar um papel tão desedificante!
Com a Bandeira Nacional impropriamente
enrolada no corpo encharcado de suor em razão da descarga de energia negativa
desprendida, as feições transtornadas, a voz embargada pela impulsividade
fanática, a figura toda lembrando clone dos vociferantes porta-vozes das
amedrontadoras “madastras talebãs”, o conhecido artista orquestrou um coral de
vozes ensandecidas, entoando à guisa de refrão palavras de baixíssimo calão, carregadas
de pusilanimidade. Atingiu, com ditos machistas revoltantes, as figuras de
Dilma Rousseff e Luiz Ignácio Lula da Silva.
Não, não se tratava de uma mera
manifestação política contendo críticas fundamentadas à atuação dos dois
personagens, em função de atos incorretos por eles praticados. Manifestação, de
resto, inoportuna, resguardadas as circunstâncias, ao ter-se em conta as
características do evento e o cenário estrangeiro em que tudo se desenrolou. O
que se viu foi uma explosão irracional. Uma pregação radical afrontosa ao jeito
de ser brasileiro, ao sentimento popular. Ou seja, uma agressão solta, de
contundência levada ao paroxismo, à concepção de vida cultivada pela gente
brasileira. Uma gente que recusa abrir espaço, em seu inconformismo e
divergência diante do que acontece de reprovável na vida política, para
desregramentos verbais e insuflação desabrida de ódio. Os patrícios que, com
toda legitimidade e indignação cívica, costumam expor publicamente, em sintonia
com a livre expressão democrática, suas discordâncias com referência a atitudes
gerenciais e políticas lesivas aos interesses nacionais, condenando com
veemência a corrupção e as desigualdades sociais, sentiram-se de verdade molestados
com os acontecimentos reportados. Não causa espanto, por conseguinte, que uma das
filhas do artista, Cleo Pires, ela também celebridade nacional, haja lamentado publicamente
tudo quanto rolou.
Mas, por outro lado, causa desconforto às
pessoas de bom senso o estranho comportamento de vários órgãos de comunicação
social. Ao focalizarem a promoção de Nova Iorque, não só guardaram silêncio a
respeito da absurda situação que se criou, como também deixaram subentendido
que o procedimento despropositado do artista teve o significado de um mero
protesto político.
Sem espanto, por
favor
Cesar Vanucci
“Não se espantar com nada talvez seja o
único meio.”
(Horácio,
65-8 a.C)
Do “Dicionário Nova Fronteira de
Citações”, de Paulo Rónai, intelectual da melhor estirpe, consta interessantíssimo
dito histórico de Horácio alusivo ao verbete “espanto”. Seguinte: “Não se
espantar com nada talvez seja o único meio (...) e o melhor para tornar e
conservar alguém feliz.” Rónai seleciona, ainda, concernente ao tema, outra
frase, atribuída a Pope (1688-1744), apontando-a como imitação da sexta epístola
de Horácio: “Não se espantar é toda a arte que conheço para tornar e manter a
gente feliz.”
Os conceitos alinhados são a melhor
forma encontrada por este desajeitado escriba, em suas quiméricas divagações
sobre as coisas deste mundo do bom Deus drapejado por distorções
comportamentais insufladas pelo tinhoso, para tentar absorver insólitas
revelações do cotidiano. Caso, sem tirar nem por, de uma lista divulgada pela
revista “Forbes” onde são apontados os 100 esportistas mais bem pagos do
planeta (e, talvez, sabe-se lá, da Via Láctea). Uma plêiade de felizardos que
conseguiu a façanha de acumular, só no exercício de 2014, a bagatela de 3,2
bilhões de dólares, apenasmente 17% a mais do que no ano anterior.
Rogamos do condescendente leitor
permissão para, antes de nos ocuparmos desta relação dos “miliardários do
esporte”, registrar breves considerações sobre o significado da riqueza no
processo civilizatório. Nada a objetar, tá claro, quanto à circunstância de
alguém, por conta de mérito pessoal, amealhar “pé de meia”, mesmo que de avantajadíssimas
proporções, dentro desse regime, até certo ponto questionável, das compensações
financeiras vigentes. Tudo bem. É assim que as coisas acontecem desde que o
mundo é mundo. Mas, perceber a realidade não impede uma avaliação crítica (já
externada noutros momentos), de inspiração humanística, a respeito dos
critérios universalmente adotados para remunerar pecuniariamente a contribuição
de cada qual no esforço coletivo de construção humana.
Numa perspectiva altruística, ancorada
na justiça social, o acesso à fortuna não poderia ficar adstrito tão somente a
pessoas criativas, empreendedoras, com alta capacidade negocial. Tais atributos
revestem-se, obviamente, de relevância no processo do desenvolvimento,
assegurando aos que os detenham condições propícias a aquisições patrimoniais
de monta. Contudo, outros atributos do ser humano, indissociáveis na caminhada com
vistas ao bem estar social, não poderiam deixar de ser também contemplados numa
escala de valores justa. Quantos personagens providos de dons singulares, com
realçante atuação na esfera dos serviços humanitários, são deixados de lado na
partilha dos benefícios materiais? Uma indagação puxa outra. Citemos um exemplo.
A fortuna do homem mais rico do mundo é avaliada em 100 bilhões de dólares. Ou
seja, alcança a altitude himalaiana dos 400 bilhões de reais. Soma superior ao
PIB de um punhado de países nos vários continentes. Pergunta-se então, diante
de tal constatação soaria assim como algo estapafúrdio, ausente do bom senso,
reivindicar, a partir de uma perspectiva inovadora, que a fortuna agraciasse
igualmente pessoas como, valendo-nos de outro exemplo, Madre Tereza de Calcutá,
em sinal de reconhecimento por sua magnífica atuação noutras vertentes do
esforço civilizatório? A interrogação abre espaço, naturalmente, para
infindáveis elucubrações acerca dos critérios utilizados neste mundo para
compensar monetariamente o mérito laboral. As disparidades gritantes, entre o
piso e o teto salariais, em setores, repartições, organizações, nas diferentes
faixas de prestação de serviços, mostram outra face contundente dessa questão. Tudo
isso fornece material para releituras dos enredos de vida trilhados pela
confusa humanidade.
Já que entregues à reflexão do leitor
estas singelas ruminações, cuidemos, então, agora, do caso dos “atletas mais
bem pagos”. No topo da lista, um boxeador. Floyd Mayweather abiscoitou, por
conta dos murros certeiros aplicados em meia dúzia de ringues, 300 milhões de
dólares, ou seja, 1 bilhão e 200 milhões de reais. O segundo da lista é do ramo.
Sua “arte” rendeu-lhe, em 2014, 160 milhões de dólares. O terceiro lugar ficou
com o futebolista Christiano Ronaldo, 80 milhões de dólares. Leonel Messi, 74
milhões de dólares, classificou-se na posição subsequente. O brasileiro Neymar
obteve um 23º lugar, com a “insignificante” soma de 31 milhões de dólares.
Antes dele, classificaram-se atletas do tênis, basquete, golfe, futebol
americano, automobilismo, beisebol. A lista dessas “aberrações” pecuniárias
oferece uma informação que parece não ser de molde a causar surpresas. Duas
mulheres, tão somente, figuram na seleção dos cem mais. As tenistas Maria
Sharapova, 26º lugar; Serena Willians, 47º lugar.
Passados todos estes dados aos amáveis
leitores, concluo como, por certo, o faria (à guisa de desabafo) meu saudoso
tio Nhô, um cidadão cheio de ideias e sonhos, sempre intrigado com os rumos
adoidados da aventura humana: “é desse jeito mesmo que a humanidade caminha!”
Historinhas de Brasília
Cesar Vanucci
“Cuide do seu decoro, que eu
cuido do meu decote.”
(Dizeres de faixa carregada por
servidoras da Câmara dos Deputados)
·
A parlamentar Cristiane Brasil está dando uma inestimável contribuição para o
Febeapá, ou seja, o “Festival de besteiras que assola o país”, incorporado ao
linguajar das ruas como repositório de atos, às vezes engraçados e sempre
ridículos, desde aqueles tempos em que as colunas dos jornais eram alegradas
pela verve inigualável do saudoso Sérgio Porto (Stanislau Ponte Preta).
Proposta de sua autoria, considerada conforme um jornalista tão útil pro País
quanto boia no Saara, prevê medidas “altamente moralizantes”, no mais
requintado estilo talebanista, no tocante ao modo de trajar feminino nas salas
e corredores do Congresso. Em defesa da decência e dos bons costumes, a
deputada quer traçar – viu só? - regras capazes de coibir os “absurdos” das
saias acima dos joelhos, dos decotes exuberantes, das sandálias, chapéus e
tênis de cores berrantes, incompatíveis com a nobreza do ambiente.
O projeto submetido à Mesa Diretora da
Câmara não explica se a fiscalização das “indumentárias inconvenientes” seria da
alçada da polícia do Legislativo, ou se seria outorgada a agentes públicos com
formação, provavelmente, nas escolas preparatórias dos eficientes “guardiães
dos bons costumes” existentes na Arábia Saudita ou Paquistão. Caso é que as
funcionárias do Legislativo “queimaram no golpe”, resolvendo desencadear
movimento de protesto contra a besteiragem anunciada. Espalharam sugestivos
cartazes com frases como estas aqui: “Cuide do seu decoro que eu cuido do meu
decote”; “Mais ética, menos estética.” Alguns parlamentares com propensão a
desempenhar papéis de mulás (eu disse mulás, com acento grave no “a”), confessaram-se
solidários com o “posicionamento moralizador” (ora, epa!) da ilustre deputada.
·
A busca desenfreada de benesses à sombra do Poder leva alguns elementos a
atravessarem os sinais, atropelando regras legais, nas efervescentes paragens
brasilienses. Isso vem de ser comprovado, outra vez mais, num episódio
envolvendo proprietários de residências de luxo, algumas oficiais e até
estrangeiras, localizadas na orla do lago Paranoá. Trata-se daquele mesmo lago
artificial de onde, jamais, iria brotar uma só gota de água, segundo asseveravam
desvairados oposicionistas da antiga UDN e coligados visando criar embaraços ao
dinâmico e saudoso governo JK. Um porta-voz da “turma do contra”, exibindo
profusos “pareceres técnicos”, alardeados por poderosa e conivente mídia,
chegou naquela época à sandice de declarar que “beberia” todo o líquido que porventura
jorrasse no local, minha Nossa Senhora da Abadia!
Voltando à historinha de agora. De maneira
a proteger o meio ambiente no aprazível recanto, o governo do Distrito Federal
estabeleceu recentemente prazo para a retirada de cercas, piscinas, quadras,
quiosques e demais “puxadinhos” arquitetônicos que, ao longo dos anos, se
apoderaram, como extensão das edificações, da faixa pública de trinta metros
que contorna o lago. Um bocado de (bons) viventes chegou ao absurdo de até
promover captação clandestina de água. Cometeu aquele “ato falho” (só isso?) que,
no linguajar adotado pelos órgãos encarregados de fiscalizar linhas de
transmissão de energia e veios de abastecimento de água, é chamado, no popular,
de “gato”. Isso é o que se pode classificar de um “senhor miado”...
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