O alerta da OMS
Cesar Vanucci
“Carne
processada pode causar a doença.”
(Advertência da Agência Internacional de Pesquisa
sobre Câncer, órgão da OMS)
A Organização Mundial de Saúde (OMS) faz um
alerta. Carne processada aumenta o risco de câncer. A advertência, não é de
hoje transmitida por especialistas em alimentação saudável, tende a levantar,
por algum tempo, acesas discussões, algumas polêmicas e, mais adiante, cair no
esquecimento popular. A situação lembra aviso meteorológico sobre chegada de
furacão de alto risco formado no oceano e que acaba virando tempestade tropical
branda na chegada à região costeira. Não é assim que sempre rolam as coisas relativas
aos aconselhamentos passados às multidões sobre mudanças de hábitos
comportamentais, neste mundo permanentemente sacudido por propostas sedutoras tendo
como alvo certeiro e imediato o consumismo?
O tabaco, o amianto, a fumaça de diesel, os
agrotóxicos, o álcool também ocupam lugar entre os vilões que tornam a vida
moderna menos encantadora do que poderia ser. Mas aquilo que é realmente feito
no sentido da minimização de seus daninhos efeitos conta muito pouco no
conjunto das expectativas e aflições populares.
O esforço da OMS, dando vazão a informações desse
gênero, é altamente louvável, mas esbarra, mesmo produzindo alguns frutos, em
poderosas e encouraçadas resistências, típicas do complexo jogo dos interesses
socioeconômicos que rege tudo quanto é atividade. Uma boa amostra disso está
contida nesta impressionante revelação feita há tempos. Diz a OMS que o número
de fórmulas farmacêuticas essenciais para acudir todas as necessidades
terapêuticas humanas não passa de 150. Da informação brota inevitável
interrogação. Como é mesmo que se encaixam nesse inimaginável enredo os milhões
(bota milhões nisso!) de rótulos medicamentosos genéricos, de marca, similares,
sob forma de drágeas, injeções, pomadas, compostos e substancias diversificadas,
gotas, e por aí vai, que abarrotam as prateleiras das farmácias espalhadas por
tudo quanto é quarteirão? Hein?
Medicamento contra o câncer. A Fosfoetanolamina, substância
sintetizada há mais de duas décadas no Instituto de Química da USP, em São
Carlos, interior paulista, pelo professor Gilberto Chierice vem provocando
acesos debates em esferas de atuação assistencial, médica, jurídica e
científica. De acordo com alguns pesquisadores esse composto oferece enorme
potencial no combate a células cancerígenas. Resultados promissores, no
tratamento de leucemia, tumores de rim e de cólon, têm sido anunciados por
setores engajados nessa prática terapêutica. Isso levantou, compreensivelmente,
arrebatadora onda de esperança junto a milhares e milhares de pacientes. Mas,
de outro lado, médicos cancerologistas têm se posicionado, às vezes com
veemência, contrariamente ao emprego do remédio em tratamentos, argumentando
inexistirem informações clínicas confiáveis a respeito de sua eficácia.
Até o ano passado a distribuição das cápsulas de
Fosfoetanolamina era feita com regularidade pela Universidade de São Carlos.
Pela circunstância de o medicamento não haver sido ainda oficialmente testado
e, consequentemente, não estar reconhecido pela Anvisa, a produção foi
interrompida. À vista desse contratempo, numerosos pacientes que colocam absoluta
fé nos poderes terapêuticos do composto, resolveram recorrer à Justiça, obtendo
ganho de causa em suas pretensões quanto ao fornecimento sistemático das
cápsulas.
Objeto, está visto, de inflamada controvérsia, o
caso proporcionou, ainda recentemente, uma revelação de enorme significado
humano e social. Os dedicados responsáveis pela preparação e distribuição do
produto há mais de duas décadas, convencidíssimos de sua eficiência, defendem desprendidamente
a ideia de que ele seja distribuído, gratuitamente, em alta escala, aos enfermos.
Seja ressaltado também que um laboratório farmacêutico nacional se dispôs a
regularizar o fornecimento do composto.
Revelações atordoantes
saídas do forno
Cesar Vanucci
“Entre Deus e o dinheiro, o segundo é sempre o
primeiro”.
(Ditado catalão)
Para um bocado de gente que se recusa, por
conveniências diversificadas, absoluta alienação ou simples comodismo, a
encarar o semblante assustador da realidade socioeconômica mundial, com suas
escandalosas estatísticas referentes às disparidades humanas em matéria de conforto e
bem estar, aqui estão, saídas agorinha mesmo do forno, revelações
atualizadíssimas de como continuam sendo distribuídas as riquezas do planeta. Apenas 1% (um por cento) dos viventes deste
mundo do bom Deus (repleto de enclaves ardilosamente montados pelo tinhoso)
detém a metade dos bens produzidos coletivamente. Os noventa e nove por cento
restantes, todos eles juntos da silva júnior, são “estimulados” a se
contentarem com a outra metade do bolo. Assim, no mundo; assim, no Brasil.
Dessa outra metade, falando em termos globais, 3.4
bilhões de criaturas possuem patrimônio médio estimado em 38 mil reais, em
contraste com o patrimônio médio pessoal calculado em 2.9 milhões de reais da
minoritária parcela dos afortunados. Tais dados são extraídos de relatório
elaborado pelo Banco de Credit Suisse. O estudo também assinala que a crise de
2008, com epicentro na “bolha imobiliária estadunidense”, reconhecida como a
maior maracutaia da história humana em todos os tempos, acabou servindo, “só
pra variar”, para enriquecer os mais ricos e empobrecer os mais pobres.
A concentração da riqueza nestes nossos tempos,
por inverossímil que possa parecer, guarda semelhança com a situação reinante
na Inglaterra de Charles Dickens, ou a situação da França de Victor Hugo. É o
que assegura em substanciosa análise, sob o título “No Mundo de Os Miseráveis”,
o jornalista Antônio Luiz M. C. Costa, do quadro de redatores da conceituada
revista “CartaCapital”. No ano de 2010 – lembra ele – saiu publicado o “1º
Relatório da Riqueza Global” elaborado pelo Credit Suisse. Constatação
surpreendente emerge do relatório divulgado cinco anos depois, em 13 de outubro
de 2015: os dados levantados são, comparativamente, bem piores. Textualmente:
“a concentração de renda mundial alcançou níveis tão críticos quanto os do
mundo industrializado antes da Primeira Guerra Mundial. Apesar do relativo
otimismo de 2010, a metade mais pobre dos 8.4 bilhões de adultos ficou ainda
mais depauperada. Agora possui menos de 1% da riqueza planetária estimada em
250.1 trilhões de dólares, enquanto o décimo mais alto controla quase 90%
(87.7%, para ser exato) e o centésimo no topo, exatos 50%.”
A estupefação gerada por todos esses fabulosos números
só faz crescer e de forma bem assustadora. A revista “Forbes”, mencionada na
análise, informa que o número de multimilionários no orbe terráqueo cresceu de
1011, com um total de 3.6 trilhões de dólares, para 1826, com um total de
valores agregados da ordem de 7.05 trilhões de dólares. Em 2010, esse seleto
grupo possuía praticamente o mesmo que a metade mais pobre da humanidade. Cinco
anos passados eles aumentaram seus haveres para mais que o triplo.
De espanto em espanto acabamos chegando a uma
outra revelação desnorteante, essa aí fornecida pelo Prêmio Nobel de Economia
Joseph Stiglitz. Acompanhem, por favor, o raciocínio. Num ônibus tipo “Move” dá
pra colocar os caras mais ricos do mundo, detentores de fortunas estimadas em
13.4 bilhões de dólares ou mais, dois brasileiros incluídos na lista. São
apenas 85 (repita-se, oitenta e cinco). O
poder de fogo financeiro desse grupo, assegura Stiglitz, iguala-se à metade de
baixo da pirâmide social. Ou seja, 3.7 bilhões de seres humanos, dos quais 2.4
bilhões de adultos, cujos patrimônios pessoais somados igualam os mesmos 2.1
trilhões de dólares dos felizardos ocupantes do veículo acima citado, valha-nos
Deus, Nossa Senhora!
Diante do quadro socioeconômico que aí está, alvo
de questionamentos constantes por parte das lideranças mais lúcidas da
sociedade humana, caso – para ficar num único exemplo – do carismático
Francisco, de Roma, não há como não deixar de reconhecer a embaraçosa exatidão
do ditado popular catalão abaixo que expõe faceta perturbadora da conduta
humana: entre Deus e o dinheiro, o segundo é sempre o primeiro.
(Imagens
de criança síria afogada foram compartilhadas em todo o mundo com a hashtag
KiyiyaVuranInsanlik — o naufrágio da humanidade)
A imagem não saiu da minha mente desde que abri os sites de notícias para conferir os acontecimentos desta quarta-feira, 2 de setembro, nesta tarde de céu nublado em Barcelona. A foto do corpo de uma criança síria, que morreu em mais um naufrágio de embarcações de refugiados que tentam chegar a Europa através do Mediterrâneo, é estarrecedora.
A criança
estava em um de dois barcos que partiram com refugiados, separadamente, de
Akyarlar, próximo da península turca de Bodrum. A embarcação frágil que levava
o menino afundou e estima-se que 12 pessoas morreram, entre elas uma mulher e
cinco crianças. Sete pessoas foram salvas e duas estão desaparecidas, sem
muitas chances de serem encontradas com vida.
As
imagens do seu pequeno corpo na praia, de barriga para baixo, já correram o
mundo, nas manchetes dos jornais online e nas redes sociais, e causam comoção, indignação, sentimento de impotência.
Em um
instante, tornaram-se as fotografias mais partilhadas com a hashtag
KiyiyaVuranInsanlik — o naufrágio da humanidade. O que é a mais pura verdade!
Naufrágio da humanidade que causa muita vergonha!
O destino das duas embarcações, com um total de 23 pessoas, era a ilha grega de Kos, no outro lado do Mediterrâneo. Ali, as autoridades disseram estar convencidas de que os mortos são sírios, oriundos de uma zona controlada pelo Estado Islâmico.
Kos
tornou-se um ímã para milhares de pessoas que arriscam a vida para chegar à
União Europeia, fugindo de guerras, conflitos e perseguições. Também outras
ilhas gregas os recebem: nesta quarta-feira, 2500 refugiados, provavelmente
também sírios (segundo a polícia), chegaram a Lesbos, dentro de 60 botes e
outras embarcações frágeis.
Os
números oficiais dizem que só neste verão europeu morreram 2500 pessoas no
Mediterrâneo que tentavam encontrar uma vida melhor na Europa. Onde os líderes
políticos fazem reuniões e mais reuniões para discutir o tema, sem resultar em
ações concretas.
Não resta
dúvida de que este é um drama humanitário sem precedentes, para o qual é
preciso encontrar saídas. Um total de 107.500 pessoas — da Síria, Afeganistão,
Eritreia, Iraque e Sudão do Sul — atravessaram o Mediterrâneo para alcançar a
Europa, em julho de 2015, segundo a Agência Europeia de Controle Fronteiriço
(Frontex). Número que é o triplo do 2014. E calcula-se que 30 mil pessoas
tenham perdido a vida neste intento, segundo a Organização
Internacional das Migrações.
Diante de
tamanha tragédia, o que fazer? Esta é a pergunta que mais incomoda a Europa e o
mundo neste momento.
Depois que o mundo se estarreceu com a imagem da
menino sírio que morreu afogado no mar após o naufrágio do barco no qual fugia
com a família da Turquia para a ilha de Kos, na Grécia, o drama dos refugiados
da Europa parece ter ganho, enfim, os olhares e atenção do mundo.
A história do pequeno Aylan, de 3 anos, cujo irmão
Galip, de 5, e a mãe Rehana, de 35, também morreram na perigosa travessia no
mar, simboliza uma realidade que vem se repetindo desde 2013. De uma gente, que
fugindo da guerra e da pobreza, vem tentando chegar à Europa, tendo no seu
caminho muitos obstáculos.
Recentemente, em Lampedusa, na Itália, o Papa
Francisco fez um apelo ao “despertar das consciências” para combater a
“globalização da indiferença”, numa referência aos refugiados. O mundo
comoveu-se, mas seguiu em frente. Até ontem, espera-se.
Isso foi expressado por editoriais dos mais
diversos meios de comunicação, em todo o mundo, nesta quinta-feira, 3 de
setembro. O menino que morreu afogado tornou-se símbolo de muitas mortes
invisíveis e anônimas, de um fluxo de pessoas desesperadas por chegar à
segurança de um país em paz.
Desta tragédia, sobreviveu apenas o pai, Abdullah
Kurdi, que pagou 4 mil euros pela viagem num barco de borracha de cinco metros
onde iam pelo menos 12 pessoas, segundo a jornalista da emissora Al-Aaan, de
Dubai, Jenan Moussa.
Sabe-se que uma hora depois de sair do ponto da
costa turca mais perto de Kos, a viagem começou a tornar-se problemática. O
turco que levava o barco desapareceu rapidamente. Outra hora passou e o barco
acabou por afundar.
Abdullah teria tentado agarrar-se
ao barco, e ao mesmo tempo segurar a mulher e dois filhos, mas um após outro,
todos foram levados pelas ondas. A única coisa de que o pai fala agora é levar
a família de regresso à Síria para poder enterrar em Kobane, de onde
desesperadamente fugiu.
A família saiu de Damasco em 2012 e depois mudou-se para Kobane, tendo fugido daí para a Turquia quando a cidade foi tomada pelos jihadistas do grupo Estado Islâmico.
Uma irmã de Abdullah vive em
Vancouver há mais de 20 anos e contou a um jornalista do diário canadense
National Post que soube do sucedido por um telefonema de uma cunhada. Abdullah
tinha ligado com a terrível notícia.
Teema contou ainda ao jornalista
que tentava que a família conseguisse asilo no Canadá através de um
procedimento chamado G5, em que cinco cidadãos canadenses podem apoiar uma
candidatura desde que deem aos refugiados apoio emocional e financeiro. Ela conseguiu
que amigos e vizinhos se juntassem para isto.
Mas para que o pedido seja aceito,
os candidatos têm de ser formalmente considerados refugiados pela ONU ou por um
outro estado. O problema da família é que na Turquia não conseguiram documentos
para sair nem registro como refugiados – o que não é raro acontecer com curdos
na Turquia.
Em junho, o pedido da família foi
recusado pelas autoridades do Canadá, devido às complexidades do processo na
Turquia, segundo o National Post, ou porque as autoridades consideram que os
refugiados que estão neste país encontram-se em segurança, segundo a Al-Aan.
Foi depois disso que consideraram
outras alternativas para sair da Turquia, e segundo a Al-Aan esta não foi a
primeira tentativa. Ficar lá não era uma opção. “Os curdos sírios são muito mal
tratados”, explicou ao National Post a irmã Teema, que ainda não tinha
desistido de voltar a tentar outra candidatura de asilo para o irmão e sua
família.
“Esta é uma notícia horrível”,
comentou um deputado do círculo local, Fin Donnelly, que acompanhou o processo
de pedido de asilo. “A frustração de esperar e a resposta foram terríveis.”
Agora Abdullah Kurdi já não quer
ir para o Canadá. Aos jornalistas que o ouviram à porta da necrotério da cidade
de Mugla, perto de Bodrum, onde ocorreu o naufrágio, disse, em lágrimas, querer
voltar para Kobane para enterrar a família. “Só isso poderá aliviar a minha
dor”.
“Os meus filhos eram as crianças
mais bonitas do mundo. Há alguém no mundo que não considere os seus filhos a
coisa mais preciosa da vida?”, disse Abdullah. “Eu perdi tudo”.
Desenhos e mensagens direcionadas a Aylan Kurdi, o menino de
3 anos encontrado morto na turística praia turca de Bodrum, que virou símbolo
do drama dos refugiados, encheram as redes sociais.
Muitas
das montagens fotográficas e desenhos são cheios de ternura e também servem de
denúncia, num recado direto aos líderes europeus que ainda não deram respostas
plausíveis para um problema que só tem aumentado.
Confira neste link as
imagens publicadas numa compilação feita pelo jornal espanhol La Vanguardia, algumas reproduzidas aqui.
Taiza Brito: jornalista, editora do site www.taizabritomundoafora.com.br
Taiza Brito: jornalista, editora do site www.taizabritomundoafora.com.br
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