Golpe não!
Cesar Vanucci
“A decisão de abrir o tal processo de impeachment
decorreu de
propósitos puramente pessoais, em claro e
evidente desvio de finalidades”.
(Manifestação unânime dos Governadores do Nordeste, no mesmo
dia do anúncio da decisão do Presidente da Câmara dos Deputados)
Golpe, sim senhor! Nada de tapar sol com peneira.
Sem essa de tergiversar, dourar pílula, recorrer a subterfúgios, sofismas,
eufemismos para tentar justificar o injustificável, em questão tão séria. O que
se escancara diante do olhar atônito da sociedade não são meros indícios, mas
afrontosa disposição de retrocesso nas conquistas institucionais.
Bem pesadas, medidas e avaliadas as
circunstâncias e consequências políticas, o intempestivo e ilógico posicionamento
do Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, representa sem margem a
dúvidas um golpe desferido contra a democracia. A chantagem explícita documenta
instante ignominioso na vida brasileira. Projeta enredo perturbador, que não
pode deixar de ser rechaçado com veemência pela consciência cívica da Nação.
O saudável contraditório no plano das ideias, que
só a Democracia tem condições de proporcionar aos homens e mulheres de boa
vontade, garante naturalmente, Deus louvado, a qualquer cidadão, o direito de criticar
abertamente a atuação governamental. De expressar livremente, sem
constrangimentos, agora e sempre, sua desconfiança com relação ao que os
dirigentes do país realizam em matéria
política e econômica. De condenar decisões tomadas amiúde nos altos escalões
que estejam desalinhadas com as legítimas aspirações sociais e comunitárias.
Como tem sucedido na atualidade.
O teste da democracia é a liberdade de crítica,
como proclamou alguém famoso. Já essa manobra, com jeito de vendeta mesquinha,
configurando inequívoco abuso de poder de um parlamentar que ficou notabilizado
no cenário político por nauseabundas traquinagens, não pode ser considerada,
jeito maneira, à luz do bom senso, numa interpretação criteriosa e lúcida dos
acontecimentos, ato a ser levado a sério num país cioso de sua pujança
democrática.
Por divisarem na insolente atitude ameaça clara
às conquistas do Estado de direito, lideranças de reconhecida
representatividade apressaram-se, assim que divulgada a decisão de Eduardo
Cunha, em expressar seu inconformismo e repúdio ao esquema golpista em
andamento. De forma unânime, os Governadores do Nordeste,
independentemente de vinculações partidárias, classificaram o processo
instaurado como “absurda tentativa de jogar a Nação em tumultos derivados de um
indesejado retrocesso institucional”. Acrescentaram que “o tal pedido de
impeachment decorreu de propósitos puramente pessoais, em claro e evidente
desvio de finalidade”. Arremataram a nota de repulsa dizendo-se “mobilizados
para que a serenidade e o bom senso prevaleçam” e pontuando a necessidade de
que em vez de golpismos, o Brasil recorra à “união, diálogo e decisões capazes
de retomarem o crescimento econômico, com distribuição de renda”.
A Conferência Nacional dos Bispos (CNBB), noutro
pronunciamento de elevado sentido cívico, manifestou “imensa apreensão ante a
atitude do Presidente da Câmara dos Deputados”. Sublinhou: “No caso presente, o
comando do Legislativo apropria-se da prerrogativa legal de modo ilegal.
Indaga-se: que autoridade moral fundamenta uma decisão capaz de agravar a
situação nacional com consequências imprevisíveis para a vida do povo? Além do
mais, o impedimento de um Presidente da República ameaça ditames democráticos,
conquistados a duras penas”.
Estou sentindo até aqui, nessa história toda,
falta da voz altiva de Minas. Revejo JK: “Sou visceralmente democrata. Para mim
a liberdade é algo fundamental.” Revejo também Tancredo Neves: “O primeiro compromisso
de Minas é com a liberdade”. Revejo ainda Paulo Pinheiro Chagas: “Brasil
intrépido e generoso, com seu velho horror ao arbítrio e seu enternecido amor à
liberdade”.
Situações surreais
Cesar Vanucci
“A ruptura institucional introduz no Brasil uma
instabilidade e um
potencial de violência política que demoraríamos
muitos anos para corrigir.”
(Ciro Gomes)
Por obra e arte desse incrível personagem chamado
Eduardo Cunha, que não se enrubesce um tiquinho que seja diante dos rotineiros desatinos
praticados, a Câmara dos Deputados viveu no último dia 8 de dezembro situações
de um surrealismo sem par.
A zorra toda teve início na reunião da Comissão
de Ética convocada pela quinta vez consecutiva para votar o relatório reconhecendo
a admissibilidade do processo por quebra de decoro do presidente da Casa, o
supracitado Eduardo Cunha, em razão das declarações falsas acerca das contas
secretas mantidas em bancos no exterior em depoimento prestado noutra comissão
parlamentar. A aguerrida “tropa de choque” do parlamentar, numa manobra
fastidiosa, lançando mão de fajutos argumentos, impediu outra vez mais que a
votação fosse levada a cabo. Apoderou-se do tempo para inconsistente prosa até
o momento fatal do começo da “ordem do dia” da reunião plenária, como já havia feito
nas reuniões precedentes, de forma a impedir votação desfavorável aos
interesses do deputado, apontado pela Procuradoria Geral da República por procedimentos
ilícitos nas investigações da “Lava-Jato”.
Logo na sequência, nos trabalhos plenários,
contrariando praxe regimental, Eduardo Cunha recusou-se peremptoriamente a
abrir espaço aos deputados para pronunciamentos e discussões a respeito da
importante matéria constante da pauta. Anunciou de imediato votação secreta para
a composição de Comissão Especial incumbida de conduzir o exame do processo de
impedimento da Presidenta Dilma Rousseff, instituído por ele próprio, Cunha, de
forma inepta e despojada de sustentação legal, consoante abalizadas opiniões de
renomados juristas. O presidente da Câmara limitou-se a informar aos seus pares
que duas chapas iriam concorrer ao pleito. Uma delas contendo nomes indicados
pelas lideranças partidárias. Outra reunindo elementos sugeridos por
oposicionistas e parlamentares desfavoráveis às indicações feitas pelas
mencionadas lideranças. Concluída a votação, dando ciência dos resultados,
favoráveis à chamada “chapa avulsa”, por ele elaborada de comum acordo com as
bancadas oposicionistas, deu por encerrados os trabalhos, convocando reunião
para o dia seguinte a fim de ser complementada a relação dos membros da Comissão.
O caráter arbitrário das atitudes assumidas pelo
presidente da Câmara, com intervenções que extrapolaram os limites de sua
alçada e agrediram o bom senso, ficou muito bem documentado nos dois episódios.
Tanto isso é verdade que o Ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal
Federal, focado no segundo deles, resolveu suspender a instalação da Comissão Especial
para análise do processo de impeachment constituída nos moldes descritos. O magistrado
acolheu recurso proposto por parlamentares do PC do B onde se defendeu votação
aberta para a eleição da Comissão Especial e se argumentou que as indicações de
nomes para comporem a referida Comissão devem ser de indicação estrita das
lideranças partidárias. O Ministro explicou que sua decisão foi tomada “com o
objetivo de evitar a prática de atos que eventualmente poderão ser invalidados
pelo Supremo Tribunal Federal, obstar aumento de instabilidade jurídica com
profusão de medidas judiciais posteriores e pontuais, e apresentar respostas
céleres aos questionamentos suscitados.” Recomendou ainda que se promova de
imediato, debate e deliberação do assunto pelo Tribunal Pleno, “determinando, nesse
curto interregno, a suspensão da formação e a não instalação da Comissão
Especial, bem como dos eventuais prazos, inclusive aqueles, em tese, em curso,
preservando-se, ao menos até a decisão do Supremo Tribunal Federal prevista
para 16/12/2015, todos os atos até este momento praticados.”
A manifestação do Ministro foi recebida com
sensação de alívio por parte da opinião pública, chocada face à sucessão de
lances inconsequentes, derivados de vingança mesquinha e chantagem explícita, que
vêm sendo praticados pelo parlamentar com a prestimosa ajuda de setores
extremados da oposição, numa tentativa de ruptura da ordem democrática que tem
causado mal estar e desassossego em amplos setores da sociedade. Sociedade essa
que não oculta seu desagrado com um mundão de coisas que vem acontecendo no
país à conta de políticas governamentais equivocadas, mas que não aceita, sob
pretexto algum a quebra de preceitos democráticos consolidados.
A carta de Temer
Cesar Vanucci
“Agravo vulgar à política é confundi-la com a
astúcia.”
(Gracián, pensador espanhol)
A carta endereçada por Michel Temer a Dilma
Rousseff, apontada por alguns de seus correligionários como um gesto de astúcia
política para o momento, é um documento desprovido de grandeza que empobrece a
biografia do Vice-presidente. Encaminhada às redações dos telejornais na mesma
hora (ou quem sabe até antes) da entrega à destinatária, faz pouco caso da
inteligência das pessoas.
Não há como o Vice, por mais que se esforce,
desvencilhar-se do importante papel exercido como protagonista de proa, tanto
pras coisas boas quanto pras negativas, neste enredo político administrativo dos
últimos cinco anos de governo. Seu partido, revelando-se cada dia mais peemedebista do que nunca, ocupa com
reconhecida voracidade postos e instâncias decisórias num punhado de
ministérios, secretarias, organizações estatais, empresas mistas. Muitos nomes
de projeção de seus quadros estão sob mira nas investigações da Justiça. Querer,
então, de hora pra outra, descerimoniosamente, passar para o respeitável
público, até subliminarmente, a ideia da existência de uma antiga dissociação
de interesses, de uma discordância aguda em torno de questões capitais na condução
dos negócios administrativos em relação ao governo do qual faz parte, chega a
ser risível, pra não dizer melancólico.
O que se recolhe do episódio é uma sinalização a
mais de que a Nação brasileira vê-se diante de uma conjuntura política amarga e
confusa, frustrada por identificar nas lideranças, em todas as legendas,
personagens despojados de ideias, imaginação e criatividade.
E, por falar nisso, não é que o Eduardo Cunha
continua desafiando abertamente a consciência cívica e democrática brasileira
com suas danações?
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