Oposicionismo midiático
Cesar
Vanucci
“Espanta-me
que o governo (...) não tenha logrado enxergar na mídia nativa o verdadeiro
partido de oposição.”
(Mino Carta, diretor da revista
“CartaCapital”)
Qualificados
observadores das tricas e futricas que agitam o fervente cenário político
sustentam, com certeza ardorosa, uma tese assaz intrigante. O oposicionismo
ativo, com maior poder de fogo, ao governo Dilma Rousseff e partidários está
hoje sediado muito mais em certos setores da grande mídia impressa e televisiva
do que propriamente nas legendas adversárias.
No
foco das manchetes, chamadas e comentários do noticiário nosso de cada dia
percebe-se que tais alegações não são assim de todo destituídas de fundamento.
Temos abaixo alinhados indícios recentes do que acontece.
Num
desses “vazamentos”, que se vão tornando frequentes, com indesejáveis
consequências ao bom ordenamento das investigações, um dos chamados “delatores
premiados” na saneadora operação “Lava-Jato” teria aludido a atos ilícitos
capazes de comprometerem, de algum modo, três ex-presidentes da República: Luiz
Ignácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso e Fernando Color de Mello. No
bombardeio noticioso que se seguiu às “revelações” – que se acham naturalmente
sujeitas ainda a avaliações mais aprofundadas em nome de postulados éticos,
morais e legais caros à cidadania – o volume de citações ao líder petista
atingiu tal monta que acabou sufocando por completo as discretas menções
reservadas aos dois outros dirigentes partidários.
Adiante,
mais uma evidência sonora dessa inclinação “partidária” – chamemo-la assim – de
parte considerável da grande mídia. Em estardalhante título, primeira página,
conceituado jornal de abrangência nacional, louvando-se também, ao que
explicou, em “vazamento” de “delação premiada”, denunciou em sensacional “furo”
malfeitoria de razoável tamanho praticada por parente do ex-Presidente Lula. A
estrondosa informação ganhou desdobramento, com especial destaque também de
primeira página, em numerosos órgãos de comunicação, nas edições dos dias
seguintes. Uma semana depois, na mesma primeira página, o jornal responsável
pela reação noticiosa em cadeia estampou uma nota com pedido de desculpas. O
que acontecera não tinha sido coisíssima alguma um “furo”, mas, sim, uma “furada”.
Tudo não passara de uma notícia “plantada” com intuitos maldosos.
Na
mesma ocasião, noutra publicação de circulação nacional, deu-se guarida a um
registro sobre “festança de arromba”, com centenas de convidados, custando uma
“nota preta”, transcorrida em requintadíssima casa de recepção na Capital da
República, pra festejar aniversário de um garotinho, sobrinho de quem mesmo?
Dele, Lula... Em posterior edição, a publicação viu-se forçada igualmente a
tornar público pedido formal de desculpas. O aniversariante e pais não possuíam
parentesco nem qualquer outro tipo de ligação com o homem público citado.
Pra
arrematar, mais esta aqui. Caso das pedaladas fiscais. Juristas respeitáveis,
analistas fiscais renomados têm assinalado, volta e meia, que quase todos os
Governadores de Estado, com realce para
Geraldo Alckmin, de São Paulo, usam e abusam, na verdade, do mesmo expediente
invocado contra Dilma Rousseff no processo de impeachment desencadeado pelo
Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Nada a respeito, no entanto,
é repassado aos leitores, telespectadores e radiouvintes na divulgação que
parte da grande mídia destina sistematicamente ao que ficou conhecido como
“pedaladas fiscais”.
Meninos
do rio
Cesar Vanucci
“De onde vens, criança? / Que
mensagem trazes de futuro? /
Por que tão cedo esse batismo
impuro / que mudou teu nome?”
(Cora
Coralina)
Mas são apenas crianças,
santo Deus! É o desabafo sincero que emerge das profundezas d’alma à medida que
as imagens projetadas na telinha vão desvendando a espantosa trama. Meninos e
meninas de idade entre 8 e 14 anos, em toscos barcos, inseguros caiaques
pode-se dizer, movimentam pequeno e impensável negócio de sobrevivência nos
rios da colossal região amazônica.
As cenas, levadas ao ar pelo
“Domingo Espetacular”, da Record, domingo, 17 de janeiro, são simplesmente
arrepiantes. Focalizando ações transcorridas em momentos distanciados por
alguns anos, as câmeras captam manobras ousadas, arriscadíssimas, de frágeis
embarcações a remo acionadas pelos bracinhos dos garotos, em tentativas às
vezes frustradas de se acercarem dos velozes navios de passageiros que circulam
de um ponto a outro nas caudalosas águas. As abordagens são feitas com emprego
de cordas e arpões. Exigem dos vendedores mirins vigor físico sobre-humano e
invulgares habilidades acrobáticas. O
que se vê são operações inacreditáveis, incorporadas até como “atração
turística” à rotina das viagens. E acolhidas com atordoante naturalidade pelos
passageiros.
O comércio de pequenos
produtos – frutas, pescado, palmito, nessa linha -, adquiridos pelos
compradores a valores mínimos, inclusive na base da pechincha, acontece a
partir do instante em que os vendedores, demonstrando vocação para
equilibristas em trapézios sem rede, colocam os pezinhos descalços no convés. O
milenar jogo da oferta e da procura então executado proporciona aos mascates do
rio alguns míseros trocados. Encerrada a tarefa, os garotos retornam às canoas
presas ao navio. Desfazem os nós das precárias amarras que as mantinham a
reboque, repetindo os lances acrobáticos do início e se lançam novamente na
correnteza, acionando os remos em direção à “base”. Cuidarão ali de refazer a
provisão das “mercadorias” a serem oferecidas a passageiros de outros barcos
noutros horários. Ocasiões surgem em que a viagem de volta se processa em meio
ao breu completo da noite.
Contemplando pelos olhos das
câmeras os atordoantes pormenores desse inaudito esforço diuturno, que jamais
por certo ficará catalogado na lista das ocupações formais, a gente se
defronta, em atmosfera de comoção, com um drama pungente. Inteiramo-nos de
histórias pessoais inimagináveis. Algumas extremamente doridas. O perfil dos
meninos do rio retratados na reportagem é mais ou menos este descrito na
sequencia. Moram com os pais, muitos irmãos, em casas de madeira despojadas de
qualquer conforto, assentadas nas margens dos rios. Alguns frequentam escola.
Muitos ainda não sabem ler. No aprendizado pela sobrevivência não conseguiram
passar da lição aritmética básica instrumental para exercer a “atividade
laboral” abraçada. São eles próprios que cuidam de buscar na mata densa os
frutos silvestres oferecidos no inusitado esquema de vendas. São também
pescadores e caçadores, embrenhando-se floresta adentro na cata de produtos
comercializáveis.
Tem acontecido de alguns
poucos dentre eles, num desdobramento apavorante da temerária atuação nos
barquinhos, impelidos pela completa ausência de perspectiva profissional,
enveredarem por caminhos indesejáveis, sem volta. Suas habilidades invulgares
são colocadas a serviço da pirataria que, algumas ocasiões, em horas geralmente
noturnas, ameaçam a segurança das embarcações de carreira. Na reportagem
relata-se o caso traumatizante de um menor abatido a tiros por seguranças
encarregados de garantir proteção aos passageiros. Ele foi surpreendido quando
invadia um navio, nas caladas da noite, acompanhando delinquentes adultos.
O jornalismo investigativo da
Record marca um tento primoroso com essa reportagem a respeito dos “meninos do
rio”. O documentário flagra uma situação perturbadora, indicativa dos
descaminhos sociais percorridos por um mundo desapartado dos conceitos
humanísticos que deveriam reger todas as engrenagens da convivência humana. Não
adiantará, com certeza, clamar por providências que jamais serão adotadas no
sentido de desmanche desse quadro chocante alimentado pela ausência de
políticas capazes de resguardar a dignidade das pessoas. Mas, mesmo assim, as
boas cabeças, que existem espalhadas por todos os cantos do planeta, não podem
se sentir esmorecidas no sentido de continuar repensando um jeito comunitário
de melhor fazer as coisas. Coisas que, nalgum momento, conduzam mudanças
essenciais nas estruturas sociais, mode a eliminar das aflições da sociedade
agressões tão contundentes a valores caros à Vida.
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