Sonho de uma
noite de verão
Cesar Vanucci
“Se as coisas são inatingíveis... ora! /
não é motivo para não querê-las...”
(Mário Quintana)
A inquieta esperança que borbulha o tempo todo no peito deste
desajeitado escriba leva-o, não poucas vezes, a sonhar acordado. Episódio
burlesco transcorrido dias atrás na corte brasiliense serve de inspiração para
deixar correrem soltas as rédeas da imaginação. Inspira-me a inventar uma
historinha que, em boa verdade, desejaria demais da conta ver convertida em
realidade.
Falo do episódio acontecido numa festa de confraternização natalina na
mansão de personagem de relevo no palco político. Ao encontro compareceram
celebridades de diferentes tendências partidárias, componentes dos círculos do
poder. O noticiário deu conta de um mundão de coisas. Os papos
descontraídos, com revelações que não costumam aflorar em hora de expediente
regimental. A troca de ideias em torno de temas ferventes que frequentam as
preocupações gerais. Os detalhes, até mesmo, do incidente em que uma Ministra
de Estado sentiu-se compelida a lançar o conteúdo da taça de vinho, de
requintada marca francesa, no rosto de um Senador, reagindo a uma observação
impertinente e machista. A turma do “deixa disso” precisou agir rápido, mode
aliviar a barra.
A historinha a seguir, por mim inventada, tem por pano de fundo uma
reunião assim. Ou seja, uma reunião, das muitas sabidamente promovidas constantemente
nos redutos mundanos da Capital, com participantes que nas tribunas, palanques
e noutras refregas políticas se posicionam em campos opostos, o que dá margem a
especulações de que a convivência entre eles, no dia a dia, seria difícil,
insuportável talvez.
Mas, pera lá, não é bem assim que a coisa rola. As listas dos
convidados sugerem que nesses acolhedores espaços, em variados momentos, as
divergências são deixadas de lado. Os desentendimentos são botados pra
escanteio, por assim dizer, de maneira a que todos possam desfrutar de
relacionamento ameno, civilizado, amistoso.
É num cenário aconchegante, que nem esse, que se encaixa o enredo
ficcional bolado por este incorrigível caçador de quimeras. As lideranças das
correntes antagônicas ali reunidas anunciam, de repente, jubilosamente, a
sincera disposição de levarem a cabo, sem exigências descabidas de parte a
parte, a abertura de um diálogo amplo, geral e irrestrito sobre as magnas
questões nacionais. Um diálogo ancorado na reflexão serena, no bom senso, no
respeito ao contraditório, desdobrado em linguagem e gestos ecumênicos.
Uma troca de ideias toda voltada para a edificante preocupação de assegurar, em
sintonia com o sentimento nacional, a tão almejada retomada do desenvolvimento
econômico com distribuição socialmente equilibrada da renda.
O comunicado oficial brotado desse pacto de conciliação nacional,
firmado com apertos de mãos calorosos e sinceros e com pulsações cardíacas em
ritmo de júbilo cívico, sublinharia que as decisões consensualmente
estabelecidas colocam os interesses superiores do País, bem como a busca
conjunta de soluções para seus graves problemas, acima, bem acima, das paixões
político- partidárias e dos egos inflados de quaisquer eventuais aspirantes a
cargos de comando na vida pública. Proclamaria, também, como valor inabalável
na conduta político-administrativa, o respeito intransigente aos postulados
democráticos e às instituições republicanas. Deixaria ainda expressa unânime
concordância quanto a uma poderosa conjugação de vontades concentrada na
aceleração do processo de desenvolvimento econômico e social, com estímulos às
forças de produção e a expansão dos benefícios sociais capazes de garantirem a
outras levas da população excluída o acesso a patamares mais elevados na escala
do bem-estar social.
Dá, sim, pra entender se alguns ou muitos,
não importa o tanto, na conclusão da leitura das desataviadas ideias acima
expostas, meneando a cabeça e torcendo o nariz em sinal de desaprovação,
desabafem: - “Mas isso tudo não passa de baita utopia!”
Faz
mal não bancar, às vezes, o ingênuo e alimentar utopias nestes amalucados
tempos. As utopias fazem parte de nossa peregrinação pela pátria terrena. Como
registra o poeta Mário Quintana, “se as coisas são inatingíveis... ora! / não é
motivo para não querê-las... / Que tristes os caminhos se não fora / a presença
distante das estrelas!”
Meandros do
Poder
Cesar
Vanucci
“Um profissional cuja trajetória está marcada
pelo
compromisso com a ética e com a liberdade”
(Carlos
Alberto Teixeira de Oliveira, sobre o saudoso Jadir Barroso)
Para imenso
pesar de sua legião de amigos, Jadir Barroso transpôs recentemente a curva da
estrada. Passou a não mais ser visto, como na lírica descrição de Fernando
Pessoa sobre o fim comum a todos os mortais. Tai trajetória jornalística
cintilante. Jadir granjeou em vida admiração de um mundão de gente por haver se
revelado infatigável combatente das boas causas. Um semeador da palavra social.
Sabia fixar
magistralmente o sentido das palavras em lúcidos comentários acerca da
conjuntura política, social e econômica. Fruto de profícuo labor profissional,
estendido por mais de meio século, deixou contribuição valiosa em informações
sobre acontecimentos marcantes da vida mineira e brasileira.
O livro
“Meandros do Poder – corrupção, traições, incompetências, descréditos,
quimeras”, trazido a lume após sua partida graças ao fraternal desvelo de
Carlos Alberto Teixeira de Oliveira, companheiro de fecundas empreitadas no
campo efervescente das ideias que geram ações, é amostra palpitante da vigorosa
capacidade intelectual de Barroso. Brotou, segundo o autor, de uma indignação e
de uma esperança. Indignação pelos rumos trilhados pelo País. Esperança pela
crença em dias melhores.
Poderá,
sim, acontecer de o leitor, levado por saudável discordância democrática, se
defrontar num que outro momento dos escritos alinhados com conceitos e
definições polêmicos, não amoldáveis à sua própria interpretação das coisas.
Mesmo assim, ao término da leitura, não restará a ele, leitor, alternativa
senão a de deixar-se subjugar pelo irresistível fascínio da fala persuasiva e
desassombrada do jornalista. A admiração pela figura humana só faz crescer à
medida que as páginas folheadas colocam-nos em contato com as arraigadas
convicções pessoais e a pureza de propósitos que embalaram os sonhos
humanísticos do escritor, voltados para um mundo e um País melhores.
Definindo
“Meandros do Poder” como empolgante memorial da vida política, Carlos Alberto
Teixeira de Oliveira, nome festejado nas hostes econômicas comprometidas com o
sentimento nacional, lembra que Jadir sobressaiu-se pela crítica contundente e
observação perspicaz, sabendo analisar como a influência econômica, aliada à
ganância, corrói as instituições.
Dividido em
dez capítulos, prosa fluente, repleta de revelações instigantes e até
perturbadoras, tiradas de bom humor, o livro comenta com espírito crítico a
atuação de personagens do mundo político com os quais o autor conviveu,
sublinhando que “além da corrupção, traições, maldades e mentiras dominam o
processo.” Às tantas, Jadir promove interessante exercício comparativo entre a
obra governamental de Juscelino Kubitschek de Oliveira e as dos ocupantes da
Presidência que vieram a suceder o grande estadista. Reporta-se também às
arbitrariedades presenciadas e enfrentadas nos “tempos de chumbo” no regime
militar. Conta histórias de sua passagem pela assessoria do BDMG, dedicando
registro especial à “ameaça frustrada de fechamento do Banco”.
No fecho da
apresentação da obra, Jadir lança apelo no sentido de um empenho coletivo em
favor da construção de “um País imune à corrupção, mais justo, mais humano e
mais democrático.” Passa-nos, digamos assim, síntese impecável do verdadeiro
sentimento das ruas.
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