sábado, 13 de fevereiro de 2016

Aumento da concentração da riqueza

Cesar Vanucci

“A elevada função social da riqueza
não pode ser jamais subestimada.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)

O ranking anual de trilionários compilado pela revista “Forbes” atinente a 2015 faz espantosa revelação. As 62 pessoas mais ricas deste nosso planeta azul acumulam juntas fortuna em dinheiro e bens equivalente a renda total de metade da população global.  Em termos numéricos: 3 bilhões 600 milhões de viventes.

É isso mesmo que você (esfregando bem os olhos de maneira a se certificar de não estar laborando em equívoco na interpretação da noticia) acaba de ler. Um grupo reduzido de cidadãos magnificamente postados na vida que, reunidos, não chegam a completar a lotação de um desses ônibus circulares das congestionadas ruas de qualquer centro urbano, é dono da metade do patrimônio da riqueza universal. Dois brasileiros, por sinal, compõem a lista. Está pra ser inventada, em qualquer idioma, expressão capaz de traduzir com certeira precisão o impacto que uma revelação dessas produz no espírito do homem  comum.

Não, nada disso. Não passa pelo bestunto das criaturas lúcidas descartar a riqueza como instrumento reconhecidamente fecundo na edificação do bem estar social. Os méritos inerentes ao labor criativo, exercido com ética e competência, em condições de propiciar crescimento pessoal, merecem ser devidamente celebrados. Isso faz parte do fascinante, posto que conturbado, jogo da vida. “O trabalho persistente vence tudo. O trabalho ferve”, proclama Virgílio, nas “Geórgicas”.  É bom para o homem, representando um “remédio soberano que faz bem à ética e à estética”, repica Anatole France. “O trabalho é o amor feito visível”, arremata magistralmente Kalil Gibran. De tão edificantes conceitos reflui remansosa a constatação de que o trabalho tudo pode. Constitui fórmula pacificamente admitida no processo civilizatório de se chegar à prosperidade, coisa por todo mundo almejada. Onde o bicho pega é na desproporção colossal que se observa nas frações do partilhamento da riqueza coletiva. Pouquíssimos com muito. Muitos com pouquíssimo. Alguns com quase nada. A concentração em poucas mãos dos frutos do esforço humano no astronômico volume apontado no ranking citado, gerando inimaginável e aterrorizante quadro de desigualdades, não encontra amparo nas leis naturais. Expõe brechas inconcebíveis nas leis humanas. Não se ajusta em nada ao projeto de construção de um mundo melhor. 

Fica claro, para quem tem olhos pra enxergar e ouvidos pra escutar, que o sistema econômico vigente no mundo contemporâneo carece ser repensado, ser refeito. Das melhores cabeças pensantes espera-se um despertar consciente no sentido da descoberta de processos inteligentes, criativos que, preservando em limites aceitáveis pelo bom senso e justiça os frutos conquistados pelo labor e engenho pessoais, assegurem distribuição mais equânime e justa da riqueza comunitária.

Segundo a “Oxfam”, ong britânica que anda acenando com a perspectiva de agravamento da crise econômica e social no mundo em consequência de fatores complexos, com ênfase para a crescente disparidade, essa tormentosa questão da concentração de riqueza está saindo do controle. A quantidade de afortunados cidadãos com riqueza correspondente àquela da metade da população mundial, repetindo, 3.6 bilhões, passou de 388 em 2010 para 80 em 2014 e, agora em 2015, para 62. Noutro extremo da equação o rendimento médio anual dos 10% mais pobres elevou-se, nos últimos 25 anos, em apenas 3 dólares. Tá danado!

Carnaval, explosão de esperança

Cesar Vanucci

“O Brasil cultiva concepção poética, alegre, sensual e solidária da vida.”
(Domenico de Masi, sociólogo)


O carnaval brasileiro, “uma tradição venerável, adorada”, conforme anota Gilberto Amado, constitui sempre uma explosão feérica de alegria espontânea, propícia à confraternidade social. Incomparável em relação a qualquer outra manifestação cultural capacitada a atrair multidões, estremece de contaminante entusiasmo ruas e lares, mentes e corações.

Acontece que a festividade carnavalesca deste ano da graça de 2016 foi mais longe. Quebrou padrões. Superou bastante as expectativas. Alcançou retumbância bem maior do que em outros momentos, embora isso pudesse representar para a grande maioria das pessoas proeza inatingível a qualquer tempo. Consideradas as inusitadas proporções assumidas pelo chamado “tríduo momesco” - que na quase totalidade dos lugares, a começar pela Bahia de inesgotável fôlego, deixou há muito de ser apenas um “tríduo” -, contrariou em cheio os prognósticos de que haveria retração de participação popular nos festejos. Muita gente sustentava essa hipótese, apontando-a como consequência inevitável da crise que açoita o País.

O que se viu foi algo diferente do que se imaginava pudesse vir a ocorrer. O transbordamento de emoções genuínas extrapolou todos os limites concebíveis. Escancarou as inexauríveis potencialidades humanas que fazem da Nação brasileira um pedaço de mundo tão especial.  Para os especialistas em Ciências Sociais afigura-se, agora, indeclinável a tarefa de interpretar adequadamente esse possante sopro de energia que costuma acionar a gente do povo nessas estupendas afirmações culturais e humanísticas. Material abundante para reflexões de sociólogos e antropólogos foi despejado, durante a celebração carnavalesca, nas praças públicas, de norte a sul do País, sugerindo a conveniência de explicações por parte desses estudiosos dos fenômenos sociais. Fica bem evidenciado que as manifestações flagradas se contrapõem à atmosfera pesada, sombria, de timbre derrotista ininterruptamente propagada no noticiário nosso de cada dia.

Face ao exposto dá, então, pra perceber bem aquilo que o sociólogo italiano Domenico de Mais registra: a cultura da inteligência e a contemplação da beleza desvelam, no caso brasileiro, atrás de motivos de medo, radiosas ocasiões de esperança. E isso graças à benfazeja  circunstância de que, ainda no entender do mesmo pensador, o modelo de vida brasileiro acena sempre com perspectivas alentadoras no tocante às conquistas do futuro. Representa exemplo eloquente de proposta de vida bela e colaborativa. Mas o melhor mesmo é deixar que o próprio Domenico se encarregue de explicar, com a paixão que nutre pelas coisas brasileiras e encantamento que sente pelo jeito de ser de nossa gente, no  que consiste realmente esse estilo de vida modelar. “O Brasil, apesar de assolado pela violência, pela escandalosa desigualdade entre ricos e pobres, pela corrupção, pela carência de infraestrutura, cultiva uma concepção poética, alegre, sensual e solidária da vida, uma propensão à amizade e à solidariedade, um comportamento aberto à cordialidade”.
                        
O que ele falou e disse está primorosamente documentado no carnaval brasileiro, não é assim mesmo?


Noticiário nosso de cada dia

Cesar Vanucci

“As coisas boas não fazem notícia.”
(Papa Francisco)

A expressão “Papa gloriosamente reinante”, dos tempos risonhos e francos do catecismo, ressurge toda sonora na fala das pessoas quando se referem a Francisco como líder espiritual e estadista. O Sumo Pontífice – taí outra designação de época antiga aplicada à figura mais importante na hierarquia da Igreja – sabe suficientemente bem a que veio.

Ergue destemidamente a voz para condenar a injustiça social, a arrogância do mal em todas suas aterradoras vertentes, o radicalismo ideológico e, também, a indiferença glacial cortante da vida contemporânea. Não desvia jamais o olhar misericordioso, referto de solicitude paternal, das condutas humanas sombrias, egoísticas e ultrajantes. Guarda sempre palavra serena e lúcida, para temas de interesse da sociedade.

Na mensagem de fim de ano, conclamou os meios de comunicação a abrirem espaço mais avantajado para histórias inspiradoras e positivas, de maneira a contrabalançar a preponderância do mal, da violência e do ódio. Lembrou que o ano findo foi marcado por espantosas tragédias. Condenou a “sede insaciável de poder e a violência gratuita que o mundo contemplou em 2015”. Descreveu-as: brutalidades inimagináveis, sofrimento indizível de inocentes, refugiados forçados a deixarem os lares, seres humanos sem moradia, sem alimentos, sem meios de subsistência. Ressaltou que, nada obstante, ocorreram também no período gestos de ajuda aos necessitados, lastimando que tais demonstrações construtivas não apareçam na televisão, “por que as coisas boas não fazem notícias”. Exortou a mídia a não permitir que a solidariedade, a generosidade sejam “ofuscadas pela arrogância do mal”.

Anteriormente, também focado na ação midiática, o Papa pediu aos profissionais de comunicação que fujam dos “pecados da desinformação, calúnia e difamação”, fixando prioritariamente a atenção em assuntos que tornem melhor a vida das pessoas. Registrou que “o clima midiático comporta muitas formas de envenenamento”. Prosseguiu: “As pessoas percebem, mas infelizmente se acostumam a respirar dos meios de comunicação ar que não faz bem”. Completou: “É preciso fazer circular ar mais limpo”. Admitiu que a desinformação é o mais perigoso desses “pecados”, impedindo que os fatos cheguem completos ao conhecimento público. “Desinformação é dizer coisas pela metade, aquilo que é mais conveniente. Assim quem recebe a informação incompleta não pode formar opinião devido ao fato de não possuir os elementos necessários”.

Estridentemente oportunas, as palavras de Francisco encerram o mérito de chamar as lideranças em todos setores, as pessoas sensatas com capacidade de intervenção em acontecimentos do cotidiano e, sobretudo o pessoal da nobre atividade jornalística a reflexões profundas a respeito das pulsantes questões aventadas.

Conscientes de que a liberdade de expressão é prerrogativa democrática inalienável, uma qualidade essencial à prática do jornalismo, nem por isso deixamos, todos nós, de nos afligir e sentir desassossego ao confrontar atos que signifiquem doídas contrafações ao direito da manifestação das ideias. Abominando inequivocamente qualquer tipo de censura, acreditando firmemente nos remédios legais propiciados pelas instituições republicanas que nos regem para conter os abusos no emprego da palavra, nem por isso deixamos de nos apoquentar com os sinais volta e meia detectados do mau uso da comunicação.

Fica claro ainda que, retratando por dever de ofício hábitos e costumes de seu tempo, o jornalismo não pode se furtar à divulgação das coisas desagradáveis que pululam por ai. Não pode, sem dúvida, empurrar pra debaixo do tapete imundícies provenientes de condutas públicas condenáveis.


Mas o exercício correto dessa relevante missão não abona sensacionalismo mórbido, exploração contínua degradante no comportamento social. Cabe aos veículos de comunicação a obrigação de reservar espaço permanente para divulgação de gestos construtivos, empreendidos o tempo todo em tantos lugares. Refazer critérios na escolha das abordagens dos temas jornalísticos afigura-se tarefa de enorme significado. Interessa, por certo, bem mais à sociedade conhecer o que anda rolando de positivo no sentido de melhorar as condições de vida do povão, do que ser bombardeada, enervantemente, sobre o que fazem, mesmo depois de devidamente encarcerados por crimes repulsivos, os Cerverós da vida. Que interesse jornalístico, afinal de contas, está apta a exprimir uma tomada de cena especial, a partir de ruidoso helicóptero, apontando carro que esteja conduzindo os “ultra badalados” Paulo Cesar, Duque, Baiano, Youssef e outras figuras do mesmo naipe moral, tratadas como “celebridades”, por ruas congestionadas para um destino qualquer, acompanhados de escolta policial? Toda hora, imagens desse gênero espetaculoso são projetadas, pra desconforto e espanto geral, como “furos exclusivos” de reportagem. Isso nada tem a ver, façam-me o favor, com cobertura jornalística de qualidade. Muito antes, pelo contrário.

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