Aumento da concentração da riqueza
Cesar
Vanucci
“A
elevada função social da riqueza
não
pode ser jamais subestimada.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)
O
ranking anual de trilionários compilado pela revista “Forbes” atinente a 2015 faz
espantosa revelação. As 62 pessoas mais ricas deste nosso planeta azul acumulam
juntas fortuna em dinheiro e bens equivalente a renda total de metade da
população global. Em termos numéricos: 3
bilhões 600 milhões de viventes.
É
isso mesmo que você (esfregando bem os olhos de maneira a se certificar de não
estar laborando em equívoco na interpretação da noticia) acaba de ler. Um grupo
reduzido de cidadãos magnificamente postados na vida que, reunidos, não chegam
a completar a lotação de um desses ônibus circulares das congestionadas ruas de
qualquer centro urbano, é dono da metade do patrimônio da riqueza universal.
Dois brasileiros, por sinal, compõem a lista. Está pra ser inventada, em
qualquer idioma, expressão capaz de traduzir com certeira precisão o impacto
que uma revelação dessas produz no espírito do homem comum.
Não,
nada disso. Não passa pelo bestunto das criaturas lúcidas descartar a riqueza
como instrumento reconhecidamente fecundo na edificação do bem estar social. Os
méritos inerentes ao labor criativo, exercido com ética e competência, em
condições de propiciar crescimento pessoal, merecem ser devidamente celebrados.
Isso faz parte do fascinante, posto que conturbado, jogo da vida. “O trabalho
persistente vence tudo. O trabalho ferve”, proclama Virgílio, nas
“Geórgicas”. É bom para o homem,
representando um “remédio soberano que faz bem à ética e à estética”, repica
Anatole France. “O trabalho é o amor feito visível”, arremata magistralmente Kalil
Gibran. De tão edificantes conceitos reflui remansosa a constatação de que o trabalho
tudo pode. Constitui fórmula pacificamente admitida no processo civilizatório
de se chegar à prosperidade, coisa por todo mundo almejada. Onde o bicho pega é
na desproporção colossal que se observa nas frações do partilhamento da riqueza
coletiva. Pouquíssimos com muito. Muitos com pouquíssimo. Alguns com quase
nada. A concentração em poucas mãos dos frutos do esforço humano no astronômico
volume apontado no ranking citado, gerando inimaginável e aterrorizante quadro
de desigualdades, não encontra amparo nas leis naturais. Expõe brechas inconcebíveis
nas leis humanas. Não se ajusta em nada ao projeto de construção de um mundo
melhor.
Fica
claro, para quem tem olhos pra enxergar e ouvidos pra escutar, que o sistema
econômico vigente no mundo contemporâneo carece ser repensado, ser refeito. Das
melhores cabeças pensantes espera-se um despertar consciente no sentido da
descoberta de processos inteligentes, criativos que, preservando em limites aceitáveis
pelo bom senso e justiça os frutos conquistados pelo labor e engenho pessoais,
assegurem distribuição mais equânime e justa da riqueza comunitária.
Segundo
a “Oxfam”, ong britânica que anda acenando com a perspectiva de agravamento da
crise econômica e social no mundo em consequência de fatores complexos, com
ênfase para a crescente disparidade, essa tormentosa questão da concentração de
riqueza está saindo do controle. A quantidade de afortunados cidadãos com
riqueza correspondente àquela da metade da população
mundial, repetindo, 3.6 bilhões, passou de 388 em 2010 para 80 em 2014 e, agora
em 2015, para 62. Noutro extremo da equação o rendimento médio anual dos 10%
mais pobres elevou-se, nos últimos 25 anos, em apenas 3 dólares. Tá danado!
Carnaval, explosão de esperança
Cesar
Vanucci
“O
Brasil cultiva concepção poética, alegre, sensual e solidária da vida.”
(Domenico de Masi, sociólogo)
O
carnaval brasileiro, “uma tradição venerável, adorada”, conforme anota Gilberto
Amado, constitui sempre uma explosão feérica de alegria espontânea, propícia à
confraternidade social. Incomparável em relação a qualquer outra manifestação
cultural capacitada a atrair multidões, estremece de contaminante entusiasmo
ruas e lares, mentes e corações.
Acontece
que a festividade carnavalesca deste ano da graça de 2016 foi mais longe. Quebrou
padrões. Superou bastante as expectativas. Alcançou retumbância bem maior do
que em outros momentos, embora isso pudesse representar para a grande maioria
das pessoas proeza inatingível a qualquer tempo. Consideradas as inusitadas
proporções assumidas pelo chamado “tríduo momesco” - que na quase totalidade
dos lugares, a começar pela Bahia de inesgotável fôlego, deixou há muito de ser
apenas um “tríduo” -, contrariou em cheio os prognósticos de que haveria retração
de participação popular nos festejos. Muita gente sustentava essa hipótese,
apontando-a como consequência inevitável da crise que açoita o País.
O
que se viu foi algo diferente do que se imaginava pudesse vir a ocorrer. O
transbordamento de emoções genuínas extrapolou todos os limites concebíveis. Escancarou
as inexauríveis potencialidades humanas que fazem da Nação brasileira um pedaço
de mundo tão especial. Para os especialistas
em Ciências Sociais afigura-se, agora, indeclinável a tarefa de interpretar
adequadamente esse possante sopro de energia que costuma acionar a gente do
povo nessas estupendas afirmações culturais e humanísticas. Material abundante para
reflexões de sociólogos e antropólogos foi despejado, durante a celebração
carnavalesca, nas praças públicas, de norte a sul do País, sugerindo a
conveniência de explicações por parte desses estudiosos dos fenômenos sociais. Fica
bem evidenciado que as manifestações flagradas se contrapõem à atmosfera
pesada, sombria, de timbre derrotista ininterruptamente propagada no noticiário
nosso de cada dia.
Face
ao exposto dá, então, pra perceber bem aquilo que o sociólogo italiano Domenico
de Mais registra: a cultura da inteligência e a contemplação da beleza desvelam,
no caso brasileiro, atrás de motivos de medo, radiosas ocasiões de esperança. E
isso graças à benfazeja circunstância de
que, ainda no entender do mesmo pensador, o modelo de vida brasileiro acena
sempre com perspectivas alentadoras no tocante às conquistas do futuro.
Representa exemplo eloquente de proposta de vida bela e colaborativa. Mas o melhor
mesmo é deixar que o próprio Domenico se encarregue de explicar, com a paixão
que nutre pelas coisas brasileiras e encantamento que sente pelo jeito de ser
de nossa gente, no que consiste realmente
esse estilo de vida modelar. “O Brasil, apesar de assolado pela violência, pela
escandalosa desigualdade entre ricos e pobres, pela corrupção, pela carência de
infraestrutura, cultiva uma concepção poética, alegre, sensual e solidária da
vida, uma propensão à amizade e à solidariedade, um comportamento aberto à
cordialidade”.
O
que ele falou e disse está primorosamente documentado no carnaval brasileiro,
não é assim mesmo?
Noticiário
nosso de cada dia
Cesar
Vanucci
“As
coisas boas não fazem notícia.”
(Papa Francisco)
A
expressão “Papa gloriosamente reinante”, dos tempos risonhos e francos do
catecismo, ressurge toda sonora na fala das pessoas quando se referem a Francisco
como líder espiritual e estadista. O Sumo Pontífice – taí outra designação de
época antiga aplicada à figura mais importante na hierarquia da Igreja – sabe
suficientemente bem a que veio.
Ergue
destemidamente a voz para condenar a injustiça social, a arrogância do mal em
todas suas aterradoras vertentes, o radicalismo ideológico e, também, a
indiferença glacial cortante da vida contemporânea. Não desvia jamais o olhar
misericordioso, referto de solicitude paternal, das condutas humanas sombrias, egoísticas
e ultrajantes. Guarda sempre palavra serena e lúcida, para temas de interesse
da sociedade.
Na
mensagem de fim de ano, conclamou os meios de comunicação a abrirem espaço mais
avantajado para histórias inspiradoras e positivas, de maneira a contrabalançar
a preponderância do mal, da violência e do ódio. Lembrou que o ano findo foi
marcado por espantosas tragédias. Condenou a “sede insaciável de poder e a
violência gratuita que o mundo contemplou em 2015”. Descreveu-as: brutalidades
inimagináveis, sofrimento indizível de inocentes, refugiados forçados a deixarem
os lares, seres humanos sem moradia, sem alimentos, sem meios de subsistência.
Ressaltou que, nada obstante, ocorreram também no período gestos de ajuda aos
necessitados, lastimando que tais demonstrações construtivas não apareçam na
televisão, “por que as coisas boas não fazem notícias”. Exortou a mídia a não
permitir que a solidariedade, a generosidade sejam “ofuscadas pela arrogância
do mal”.
Anteriormente,
também focado na ação midiática, o Papa pediu aos profissionais de comunicação
que fujam dos “pecados da desinformação, calúnia e difamação”, fixando
prioritariamente a atenção em assuntos que tornem melhor a vida das pessoas.
Registrou que “o clima midiático comporta muitas formas de envenenamento”.
Prosseguiu: “As pessoas percebem, mas infelizmente se acostumam a respirar dos
meios de comunicação ar que não faz bem”. Completou: “É preciso fazer circular
ar mais limpo”. Admitiu que a desinformação é o mais perigoso desses “pecados”,
impedindo que os fatos cheguem completos ao conhecimento público.
“Desinformação é dizer coisas pela metade, aquilo que é mais conveniente. Assim
quem recebe a informação incompleta não pode formar opinião devido ao fato de
não possuir os elementos necessários”.
Estridentemente
oportunas, as palavras de Francisco encerram o mérito de chamar as lideranças em
todos setores, as pessoas sensatas com capacidade de intervenção em acontecimentos
do cotidiano e, sobretudo o pessoal da nobre atividade jornalística a reflexões
profundas a respeito das pulsantes questões aventadas.
Conscientes
de que a liberdade de expressão é prerrogativa democrática inalienável, uma
qualidade essencial à prática do jornalismo, nem por isso deixamos, todos nós,
de nos afligir e sentir desassossego ao confrontar atos que signifiquem doídas
contrafações ao direito da manifestação das ideias. Abominando inequivocamente
qualquer tipo de censura, acreditando firmemente nos remédios legais
propiciados pelas instituições republicanas que nos regem para conter os abusos
no emprego da palavra, nem por isso deixamos de nos apoquentar com os sinais
volta e meia detectados do mau uso da comunicação.
Fica
claro ainda que, retratando por dever de ofício hábitos e costumes de seu
tempo, o jornalismo não pode se furtar à divulgação das coisas desagradáveis
que pululam por ai. Não pode, sem dúvida, empurrar pra debaixo do tapete
imundícies provenientes de condutas públicas condenáveis.
Mas
o exercício correto dessa relevante missão não abona sensacionalismo mórbido,
exploração contínua degradante no comportamento social. Cabe aos veículos de
comunicação a obrigação de reservar espaço permanente para divulgação de gestos
construtivos, empreendidos o tempo todo em tantos lugares. Refazer critérios na
escolha das abordagens dos temas jornalísticos afigura-se tarefa de enorme
significado. Interessa, por certo, bem mais à sociedade conhecer o que anda
rolando de positivo no sentido de melhorar as condições de vida do povão, do
que ser bombardeada, enervantemente, sobre o que fazem, mesmo depois de
devidamente encarcerados por crimes repulsivos, os Cerverós da vida. Que
interesse jornalístico, afinal de contas, está apta a exprimir uma tomada de cena
especial, a partir de ruidoso helicóptero, apontando carro que esteja
conduzindo os “ultra badalados” Paulo Cesar, Duque, Baiano, Youssef e outras
figuras do mesmo naipe moral, tratadas como “celebridades”, por ruas
congestionadas para um destino qualquer, acompanhados de escolta policial? Toda
hora, imagens desse gênero espetaculoso são projetadas, pra desconforto e
espanto geral, como “furos exclusivos” de reportagem. Isso nada tem a ver,
façam-me o favor, com cobertura jornalística de qualidade. Muito antes, pelo
contrário.
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