Desfile
de horrores
Graças aos mágicos
instrumentos eletrônicos deste nosso paradoxal e atormentado estágio
civilizatório, podemos acompanhar a tempo e a hora o desfile contínuo de
tragédias geradas pela ambição e insanidade humana. Não há, pois, como evitar
sorver, em indigestas doses diárias, a angústia e preocupação provocadas pela
desditosa e insolúvel questão dos refugiados. Somam hoje mais de 1.5 milhão e a
tendência é de que o contingente duplique a médio prazo.
As imagens despejadas na
tela, a começar pelo que rola nos devastados territórios onde tem origem a
encrenca toda, são arrasadoras. Um vendaval de horrores! A começar pelos lances
específicos da guerra, melhor dizendo, das guerras propriamente ditas -
calamidades compostas de todas as calamidades imagináveis e mais as
inimagináveis, como diria Vieira –, ceifando vidas preciosas, mutilando
pessoas, reduzindo a escombros patrimônios valiosos. Uma após outra, as
desgraças vão se acumulando. Os atos de crueldade, levados a extremo paroxismo,
no tratamento dispensado a “inimigos”, mostrados ao vivo e em cores. As fugas
desesperadas rumo a destinos incertos e não sabidos. As traiçoeiras, para
muitos fatídicas, travessias marítimas. As hostilidades, humilhações e
desconfianças enfrentadas por boa parte dos condenados ao exílio, em locais
tidos presumivelmente como de solidário acolhimento. O desaparecimento – Deus
do céu! – de menores em número elevado no fluxo caudaloso e desordenado das
multidões, muitos comprovadamente aliciados à força pelas máfias de lenocínio.
As provações de toda ordem nas caminhadas sem rumo definido. E, como já
documentado contundentemente, a severa repressão das tropas de choque, na base
do cassetete, jatos de água, balas de borracha, gás lacrimogênio e de pimenta e
de outros “convincentes apetrechos”, a migrantes que imploram mais espaço nos
guetos em que se acham confinados na civilizada Europa. Parte das levas de
refugiados está sendo jogada em terrenos desprovidos de qualquer tipo de
conforto básico, inclusive banheiros. E, ainda assim, alguns dos “abrigos” vêm
sendo demolidos por tratores e escavadeiras, de modo a impedir a chegada de
mais foragidos do caos sírio e de paragens adjacentes.
Os conflitos de interesses em
jogo são de tal ordem que se afigura praticamente impossível possam lograr êxito
as tentativas de se por fim ao morticínio e à selvageria responsáveis pelo
êxodo. Além do mais, a desejável absorção das correntes de refugiados pode, de
outra parte, agravar-se acentuadamente face às mudanças políticas que andam
acontecendo em alguns países europeus. Os resultados eleitorais vêm favorecendo
grupos radicais com propostas xenófobas que se contrapõem às medidas até aqui
utilizadas para abrigar os retirantes chegados das plagas conflagradas. Medidas
essas, ressalte-se uma vez mais, em desacordo volta e meia com os ideais da
confraternização humana e preceitos civilizatórios basilares.
Tão tenebroso colapso
humanitário confere, na verdade, gritante atualidade ao brado famoso emitido
por Castro Alves noutro momento doloroso da história humana: “Senhor Deus dos
desgraçados! / Dizei-me vós, Senhor Deus! / Se é loucura... se é verdade /
Tanto horror perante os céus?!”
Tragédia surreal
Cesar Vanucci
“Surreal e apavorante!”
(Professor Antônio Luiz da Costa, falando do conflito na Síria)
Os
interesses em jogo no(s) conflito(s) bélico(s) que ocorre(m) na Síria e
adjacências são de tal monta e complexidade que se afigura impossível, mesmo a
tarimbados observadores, vaticinarem qualquer perspectiva de solução próxima
para a colossal encrenca. Como sabido, acham-se em andamento negociações de paz
articuladas pelos Estados Unidos e Rússia. Tais articulações contam
aparentemente com a concordância de Damasco e de representantes dos
impropriamente denominados “grupos rebeldes moderados” que se opõem à ditadura
Bashar al-Assad. Na mesa de debates não têm assentos os demais protagonistas do
ensandecido embate político-militar.
A
confusão das arábias armada nas conflagradas regiões, epicentro de tragédia
humanitária que estremece o mundo, com milhares de mortos e milhões de
refugiados, está contundentemente evidenciada nos posicionamentos de inusitado
teor surrealista assumidos pelos litigantes. A noção de “aliados” e de
“adversários” se dilui nas refregas repletas de selvageria pela conquista do
poder. Isso alimenta, tá na cara, suspeitas de meio mundo acerca do seguinte:
as versões trazidas ao conhecimento público a respeito dos acontecimentos
ocultam variáveis de impacto atordoante. Ressurgem aí perguntas incômodas que
ninguém parece disposto a responder. Como as que se seguem. Quem financia, nos
bastidores, as atrocidades do Estado Islâmico? E da Al Qaeda? Onde, afinal de
contas, são fabricados tanques, peças de artilharia, carros de combate, demais
equipamentos bélicos empregados em elevada escala pelos extremistas islâmicos
nas batalhas da Síria, Iraque e Líbia? Se os militantes de tão sinistras
organizações, conforme se alega, extraem os recursos necessários às suas
operações da comercialização do petróleo existente em abundância nas regiões
dominadas, por que cargas d’água então as bem equipadas esquadrilhas de aviões
dos adversários não conseguem reduzir a escombros os poços e as refinarias? O
que impede os mísseis certeiros dos drones de pulverizarem as frotas de
caminhões-tanque e os oleodutos obviamente usados para escoamento do óleo? Como
se processa o suprimento de munições, alimentos, peças de vestuário destinados
aos combatentes? A rede bancária para transações fica mesmo em que lugar? Se,
por outro lado, conforme já admitido, quase 30 mil europeus, sem contar um bom
número de norte-americanos, integram as fileiras fanáticas do EI, escuta aqui,
como é que essa gente toda conseguiu se deslocar, desembaraçadamente, por
tantas estações aduaneiras rigorosas em matéria de controle burocrático, até
bater com os costados no front? Intrigante pacas, tudo isso...
As
informações apresentadas na sequência sobre o confuso protagonismo das forças,
extraídas de reportagem de “O Tempo”, mostram a razão pela qual os chocantes
eventos daquele martirizado pedaço do mundo, além de espalharem profunda
angústia, mexem tanto com a cuca das pessoas.
Bashar-al Assad, presidente da Síria – contrário ao
Estado Islâmico, Al Qaeda, outros grupos rebeldes, coalizão liderada pelos
Estados Unidos; recebe apoio de: Rússia, Irã, Hezbollah.
Vladimir Putin, presidente da Rússia – contrário aos
rebeldes sirios, Estado Islâmico, Al Qaeda; apoia Bashar al Assad.
Ali Khamenei, líder supremo do Irã - contrário aos
rebeldes sirios, Al Qaeda e Estado Islâmico; apoia Assad.
Hezbollah (dirigente Hassan Nasrallah), grupo
libanês combatido pelos Estados Unidos e Israel; contrário aos rebeldes sírios,
Al Qaeda, Estado Islâmico; apoia Bashar-al Assad.
Barack Obama, presidente dos Estados Unidos –
contrário a Assad, Al Qaeda, Estado Islâmico; apoia os rebeldes sirios e
curdos.
Arábia Saudita (Salmán bin Abdulaziz, rei) –
contrário ao governo Assad; apoia os rebeldes
sunitas e a coalizão dos Estados Unidos.
Turquia (presidente Recep Tayyip Erdogan) –
contrário a Assad e separatistas curdos; apoia a coalizão dos Estados Unidos e
rebeldes sirios.
Estado Islâmico – contrário ao governo Assad, rebeldes
sírios, Estados Unidos, Rússia, Irã, Turquia, exército sírio, Hezbollah, Al
Qaeda, curdos e milícias xiitas.
Al Qaeda (frente AL Nusra) – contrária ao
governo Assad, Estados Unidos e coalizão, Rússia, Irã, curdos, Estado Islâmico,
exército sírio, Hezbollah e milícias xiitas.
Exército Livre da Síria (rebeldes sírios) – contrário ao
governo Assad, exército sírio, Rússia, Irã, curdos, Al Qaeda, Estado Islâmico e
Hezbollah; recebe apoio dos Estados Unidos e Turquia.
Grupos curdos – contrários ao Governo Assad,
Turquia, grupos rebeldes sírios, Estado Islâmico, Al Qaeda; recebe apoio dos
Estados Unidos e coalizão.
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