Maracutaia de
dimensão global
Cesar Vanucci
“... um sistema econômico manipulado
para favorecer os poderosos”.
(Registro
da Oxfam sobre os paraísos fiscais e suas “offshores”)
Os famosos “paraísos fiscais”, caixas-fortes
de contas secretas predominantemente constituídas de mufunfa de origem
suspeita, atraem na atualidade de forma intensa os holofotes da mídia. Tudo advém
de um trabalho jornalístico internacional de fôlego. Ancorado em toneladas de
documentos, o “Panama Papers” trouxe a lume os pormenores de uma corrupção
global em proporções nunca vistas.
O colossal escândalo envolve 214 mil “clientes”
em todos os cantos do mundo. Um punhado de brasileiros figura na lista. Segundo
denúncia do jornalista Henrique Beirangê na “CartaCapital”, estariam havendo
tentativas, em setores da Justiça e da Comunicação, de ocultar da opinião
pública brasileira informações relevantes acerca da participação no esquema
fraudulento investigado de alguns desses nossos patrícios.
O “Consórcio Internacional de
Jornalistas Investigativos” (ICI, em inglês), integrado por mais de uma centena
de profissionais, debruçou-se durante um ano no exame de 11,5 milhões de
documentos pertencentes a uma firma de consultoria com sede no Panamá, a “Mossack
Fonseca”. O resultado desse esforço foi uma impressionante coleta de dados
sobre o “modus operandi” das tais “offshores”. Ou seja, desses sistemas criados
em alta escala com o fito de resguardar conveniências de abonada clientela
interessada no mínimo em tapear o erário. Mas está comprovado que boa parte das
organizações e pessoas que recorrem ao esquema cogita mesmo, no duro da
batatolina, de conservar na moita recursos abocanhados em outras diversificadas
atividades ilegais. A saber: lavagem de dinheiro, corrupção, negócios de armas
e de drogas, sonegação de impostos, contrabando, ocultação de patrimônio e por
aí vai...
A extrema fragilidade do sistema
financeiro mundial ficou, outra vez mais, evidenciada na análise da
documentação arrolada pelos jornalistas. Importantes corporações empresariais,
investidores de grande porte, personagens de presença realçante no cenário
político internacional foram apontados como autores das ilicitudes praticadas.
Entre eles, chefes de governo ainda no exercício do mandato. Casos da Argentina,
Rússia, Inglaterra, Islândia, China. E mais: 70 ex-Chefes de Estado, incluídos
ditadores sobre os quais pesam acusações de haverem saqueado os cofres públicos
de seus países. Da relação dos “paraísos fiscais” mapeados, em número de 21,
fazem parte Panamá, Suíça, Ilhas Cayman, Estados Unidos (província de Nevada),
China (Hong Kong), Cingapura, Luxemburgo. Estima-se que 500 bancos envolveram-se
nas mutretas, favorecendo o esquema das fraudes montadas com o objetivo de
atender às safadezas cometidas por 16 mil empresas de fachada situadas em 200
diferentes países. Cento e quarenta políticos, empresários e funcionários
públicos, 7 agremiações partidárias e 57 elementos, por sinal já devidamente enquadrados
por outros crimes de corrupção, responderiam pela “cota-parte” de nosso país,
num primeiro levantamento, sujeito obviamente ainda a alterações numéricas, nessa
formidanda maracutaia de dimensão universal...
Estimativas consideradas demasiadamente
conservadoras sustentam ser de 7,6 trilhões de dólares os depósitos recolhidos nesses
“paraísos fiscais”. A soma equivale aos PIBs da Inglaterra e da Alemanha, com
alguma sobra. Representa 8% da riqueza mundial. Recentemente, conforme
assinalam Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo num substancioso comentário divulgado
na “CartaCapital”, o “Comitê de Oxford para Alívio da Fome”, sigla OXFAM, chamou
a atenção para uma rede de paraísos fiscais e uma indústria de evasão fiscal que
floresceu nas últimas décadas e que constitui um exemplo inquestionável de um
sistema econômico manipulado para favorecer os poderosos. Outra constatação da
OXFAM: 90% das 200 maiores corporações do mundo promovem negócios nos “paraísos
fiscais”. Os investimentos canalizados em 2014 para essas cidadelas de fortunas
mal adquiridas foram quatro vezes maiores do que em 2001.
É assim que a humanidade caminha. Nesta
nossa maltratada ilha solta no infinito oceano cósmico a ganância desenfreada, apta
a promover qualquer ignomínia, confere validade permanente àquele ditado
espanhol que diz simplesmente o seguinte: entre Deus e o dinheiro, o segundo é
(sempre) o primeiro!
Felicidade Interna Bruta
Cesar Vanucci
“A FIB propõe índices menos materialistas e
mais sustentáveis para avaliar o
desenvolvimento.”
(Guilherme
Mazui, jornalista)
O reino do Butão, encrustado em
deslumbrante paisagem do Himalaia, trocou há décadas o método de aferição da
prosperidade comunitária. Substituiu o PIB (Produto Interno Bruto) pela FIB
(Felicidade Interna Bruta). O inovador sistema brotou da cachola de um
governante dotado de aguçada sensibilidade social, logo se vê. Cidadão
empenhado no plantio de estruturas de vida aptas a conferirem ênfase, na busca
do progresso, aos índices de desenvolvimento humano voltados para o ideal da
sustentabilidade.
Príncipe Jrgme Singye Wang-chu-k, o nome do
personagem. Para execução de seu projeto revisionista ele recorreu à ajuda do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). As medidas adotadas
influenciaram significativas mudanças nos padrões comportamentais da população.
As modificações tiveram em mira o bem-estar social. Não ficaram apenas no plano
retórico, como acontece amiúde mundo afora. Generosos anseios de crescimento
pessoal ocuparam o centro das decisões nas políticas públicas praticadas.
Partiu-se da constatação de que as tradicionais concepções universais sobre o
que seja prosperidade não contemplam, nem sempre, os verdadeiros interesses
humanos. O PIB, segundo reconhecem reputados estudiosos das ciências sociais, projeta
de certo modo uma contabilidade distorcida, desfalcada de humanismo. Deixa ao
largo das cogitações imediatas itens valiosos em matéria de desenvolvimento. Parece
desconhecer que, além das tabulações econômicas, o processo da construção
social autêntica deve englobar informações relativas à educação, expectativa de
vida, e outros valores de cunho psicológico-espiritual indissociáveis da
dignidade inerente ao ser pensante.
País de PIB minúsculo, o Butão é lar de
quase um milhão de pessoas que convivem, no exercício cotidiano, com índices
nulos de miséria. Cultura, educação, saúde, uso do tempo, ecologia, padrão de
vida, vitalidade comunitária, boa governança e bem-estar psicológico são os fatores
constitutivos da FIB, repita-se, Felicidade Interna Bruta. Esses aí os alvos obsedantemente
perseguidos pela criatividade e esforço produtivo do país. O ser humano é reconhecido
como a medida correta das coisas. Por isso o Butão transformou-se num
formidável laboratório experimental onde a criatividade, o labor, a conjugação
de vontades estão concentrados no propósito de assegurar a satisfação das
pessoas sobre a própria vida. Com toda certeza, esse reino é o pedaço do mundo
onde melhor se compreende o desagrado causado à aventura da vida em sua
essência por essa tremenda e perversa confusão estabelecida entre “fins” e
“meios”, como consequência da ganância reinante no planeta. Os fins –
relembremos - são sempre sociais. Os meios, vistos como tais a economia, a
educação, a tecnologia, são apenas suportes utilizados para se atingir os
objetivos. Sempre sociais.
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