Momento político reclama serenidade
Cesar
Vanucci
“Roosevelt
tinha toda razão. Os pés do individuo
radical
estão firmemente plantados no ar.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)
É
totalmente compreensível a apreensão externada por vozes representativas do
verdadeiro sentimento da Nação diante das raivosas paixões políticas fomentadas
pelas minorias radicais. Infiltradas nas manifestações dos lados contendores,
elas têm sido responsáveis por azeda e inflamada retórica. O bom senso recomenda
seja refreada a todo custo a contaminação, por atos e palavras de teor
incendiário, do processo democrático que rege os destinos brasileiros. É
imperioso, por outro lado, assegurar seja levado a desfecho satisfatório o
combate aos desmandos sistêmicos detectados não é de hoje na vida do País. Vale
a pena repetir: esse processo investigativo está ancorado nas aspirações da
sociedade.
De
maneira a rechaçar apropriadamente as – chamemo-las assim – “vociferações jihadistas”
dos elementos extremados das correntes em aberto litigio, que se servem das passeatas,
redes sociais e tribunas para exacerbar ânimos com palavras de ordem
desabridas, em desacordo com os postulados republicanos e democráticos, alinhamos
aqui meia dúzia de três ou quatro considerações que traduzem convite a uma
serena reflexão a respeito da conjuntura política.
A
sabedoria humana ensina que as lateralidades ideológicas são desfalcadas do
discernimento necessário na busca das corretas soluções para os problemas da
convivência social. Outra lição de vida valiosa, igualmente na linha dos
princípios, deixa claro que os fins não justificam (jamais) os meios. Negar tão
sábia tese implicaria, num exemplo abominável, em se fazer vista grossa à
tortura como “método eficiente” na obtenção de confissões. É essencial não
perder de vista, também no plano dos conceitos basilares, que a democracia é
acima de tudo um estado de espírito. Ninguém a concebe perfeita e sem defeitos,
mas mesmo assim não se pode deixar de reconhecê-la como única forma de governo
compatível com a dignidade humana.
A
pandemia da corrupção, que tanta angustia traz a alma popular, carece ser
combatida com rigor. Doa a quem doer. A sociedade entende perfeitamente que as
ações legais corretivas colocadas em execução, de algum tempo para cá,
confrontando um certo “clima político” (extensível a outros setores) de
tolerância e acomodação descabidas quanto a malfeitos contra o interesse público,
são positivas. Revestem-se de irrecusável legitimidade. Como magistralmente
sublinhado por centenas de Promotores de Justiça, Procuradores da República, Procuradores
de outras instituições num manifesto recente em que se propõe uma análise
crítica sobre excessos nas investigações processuais em andamento – manifesto
esse, por razões estranháveis, não divulgado com realce merecido pela grande
mídia -, é “ponto incontroverso que a corrupção é deletéria para o processo
político, social, econômico e jurídico de nosso País, e todos os participantes
de cadeias criminosas engendradas para apropriação e dilapidação do patrimônio
público, aí incluídos agentes públicos e privados, devem ser criteriosamente
investigados, legalmente processados e, comprovada a sua culpa,
responsabilizados.” Lapidar orientação! Não importa o cargo, não importa a
relevância política e econômica dos personagens envolvidos, a ação da Justiça,
em insofismáveis termos legais, sem concessões a práticas abusivas travestidas
de legalidade, terá que se mostrar implacável. É o que a Nação ardentemente
almeja.
A
chamada “delação premiada”, empregada em alta escala, alvo de questionamentos
frequentes na esfera jurídica, há que ser encarada, face a tão salutares
postulados, como um registro relevante na composição do conjunto de provas. As
revelações poderão, ou não, conduzir à incriminação das pessoas porventura
investigadas. Mas não poderão ser apresentadas ao público como um libelo
acusatório formal. O vazamento de declarações feitas sob o sigilo da lei, “selecionadas”
com fito político para alimentar manchetes, é ilegal, nocivo. Precisa ser
abolido em nome da paz social, com apuração, sim, de responsabilidades. Agentes
públicos, mesmo na mais lisa e reta das intenções, mesmo que despojados de
desejos de protagonismo político, não têm o direito de ferir a lei para fazê-la,
de acordo com seu estrito entendimento, “melhor cumprida”. Os fins – repita-se
– não justificam os meios. Que benefício poderá trazer à causa das necessárias apurações
das vergonhosas maracutaias detectadas uma divulgação estardalhante,
desacompanhada de provas, de lista solta de nomes – num caso recente, os nomes citados
chegaram a centenas – elaborada por alguém comprometido em atitude delituosa? Não é fora de lógica conceber-se que o
depoimento de indivíduo ansioso pela redução de pena em função das safadezas
cometidas possa conter inverdades, como não? Numa circunstância assim como
fica, perante a opinião pública, a imagem de cidadãos pejorativamente arrolados
cuja trajetória de vida não comporte, na verdade, indicações de desvios
clamorosos de conduta que lhes sejam levianamente imputados, sabe-se lá com
quais intuitos pelo delator delinquente? Poderá acontecer (aliás, já ocorreu nalguns
desses esquemas censuráveis de propagação açodada de nomes) de se chegar à conclusão
de que os “acusados” não tinham culpa alguma no cartório. O que fazer, à guisa
de reparação moral, numa situação de injustiça assim tão bem configurada?
O partido chamado Brasil
Cesar
Vanucci
“E
o PMDB, hein? Mais peemedebista que nunca!”
(Domingos
Justino Pinto, professor)
Já
foi dito, mas faz-se oportuno repetir, que a polarização política agressiva
afeta a institucionalidade democrática. Temos aí algo que não consulta jeito
maneira os interesses da Nação, nem tampouco conduz coisa alguma a lugar
nenhum. Importa também ratificar que a repressão à corrupção sistêmica que
alveja inclementemente a coletividade carece ser executada em irrepreensíveis
moldes éticos. De forma republicana e transparente, com procedimentos de
induvidosa legalidade.
Como
vimos enfatizando, a opinião pública coloca ardente fé na perspectiva de que os
autores de lesões ao patrimônio comunitário, militem na área pública ou na área
privada, sejam criteriosamente investigados, legalmente processados e, definida
a culpabilidade, exemplarmente punidos.
Isto
posto, cabe admitir que o Supremo Tribunal Federal agiu com sabedoria, à altura
da confiança depositada pela sociedade em sua conduta, quando resolveu, em
momentosa intervenção do relator Teori Zavaski, revisar excessos percebidos em
diligências investigatórias do chamado Lava Jato. Um processo – diga-se de
passagem - acompanhado com enorme expectativa e esperança. Reconhecendo a
“ilegitimidade da decisão” tomada na instância judicial própria, no tocante à
interceptação de telefones do Palácio do Governo e consequente divulgação de
conversas “grampeadas”, Zavaski qualificou de “descabida a invocação do
interesse público”. De forma polida, mas vigorosa, deixou patente que o surreal
episódio tornou “irreversíveis os efeitos práticos decorrentes da indevida
divulgação das conversações telefônicas interceptadas”, agredindo a lei
processual e violando caras prerrogativas democráticas.
A
“arapongagem eletrônica” tensionou ainda mais o ambiente político. Não foram poucos os cidadãos que, espantados
com a insólita ocorrência, chegaram até a expressar, País afora, receio de que
mais interceptações telefônicas pudessem estar sendo feitas por atacado, ao
arrepio da lei, atingindo outras figuras representativas dos Poderes da
República, lideranças influentes de diferentes setores de atividades e cidadãos
comuns.
Noutra
determinação de suma importância, a Corte maior estabeleceu também as
diretrizes ritualísticas a serem seguidas na delicada questão do pedido de
impedimento presidencial impetrado por cidadãos inconformados com a atuação, no
Governo da República, de Dilma Rousseff. A adoção dessa medida evitou que a
tramitação do processo desencadeado na Câmara dos Deputados obedecesse às
passionais conveniências do deputado Eduardo Cunha, presidente da Casa. O
personagem em foco, como sabido, foi enquadrado pela Procuradoria Geral da
República num sem número de delitos. É julgado neste instante, sob a alegação
de quebra de decoro, na Comissão de Ética do órgão que comanda. O ordenamento
do Supremo precisou que o caso em exame no Parlamento, observadas as cautelas
constitucionais, tenha como ponto de partida a configuração inequívoca do crime
de responsabilidade imputado à Chefe do Governo.
Paralelamente
a tudo isso, a cúpula do PMDB, mais peemedebista do que nunca, de olho
arregalado nas arquibancadas, protagonizou no gramado político uma senhora
pantomina. Situação impossível de vir a ser algum dia suplantada por quaisquer
outros fervorosos adeptos da demagogia rasteira e do fisiologismo debochado.
Com pompa, trescalando farisaica insinceridade, anunciou o desligamento do
Governo. Governo com o qual andou contraindo indissolúvel parceria há mais de
uma década, abocanhando a maior fatia dos cargos executivos e compartilhando de
forma irrenunciável os desacertos e acertos alcançados. Mais desacertos do que
acertos, no ver das ruas.
A
indesejável efervescência política deste momento produz, está na cara,
incalculáveis danos nas atividades produtivas. Cria ambiente propício à
recessão e ao desemprego, coisas que se colocam em desarmonia frontal com as
potencialidades invejáveis que este País sempre oferece e que só poderiam mesmo
estar ocorrendo em função de erros crassos cometidos pelas lideranças com
responsabilidades definidas no processo de desenvolvimento econômico e social.
Cenário tão perturbador exige das lideranças e correligionários do grande
partido nacional – deste partido chamado Brasil – reposicionamentos e reflexões
escorados no bom senso, na consciência cívica e democrática da sociedade, na
disposição franca para diálogos construtivos. Esta a maneira ideal de se
construir urgente e adequada solução para a crise, sem que se perca de vista a
vocação de grandeza do País.
Análise
crítica polêmica da
conjuntura
feita por Ciro Gomes
Ciro Gomes, pré-candidato à Presidência da República pelo PDT,
voltou a fazer uma análise sobre a conjuntura brasileira, em entrevista
concedida à jornalista Marina Schmidt, no “Jornal do Comércio” de Porto Alegre.
Suas avaliações, num estilo que carrega inconfundível marca, acerca da atuação
de personagens de presença realçante na cena política e dos atos por eles
praticados são, como será visto, bastante polêmicas. As críticas atingem tanto
lideranças da situação quanto da oposição.
Esta a entrevista.
Contundente, Ciro Gomes (PDT)
é uma das vozes políticas críticas ao processo de impeachment - que rechaça
veementemente - contra a presidente Dilma Rousseff (PT). Em suas entrevistas, a
exemplo desta ao Jornal do Comércio, um dos termos ao qual o ex-ministro da
Fazenda e ex-governador do Ceará mais recorre é democracia.
Atento a todos os estágios da
conjuntura enfrentada pelo País, Ciro revela que não tem mais o direito de se
omitir sobre a política brasileira depois dos cargos que ocupou e disputou ao
longo de sua trajetória. Embora já seja exaltado por muitos como candidato em
2018, ele responde que a questão exige ainda bastante reflexão.
Jornal do Comércio - Os
embates econômicos no Brasil estão centralizados na dicotomia entre o que o
senhor chama de "neoliberalismo de quinta categoria" e
"keynesianismo mal lido"...
Ciro Gomes - É o PT advogando
esse keynesianismo mal lido, como se um país sustentasse desenvolvimento pelo
consumo - e aí, evidentemente, houve um ciclo, mas onde ele deu? O que sustenta
desenvolvimento é a formação bruta de capital alto, é uma taxa de investimento
elevada aplicada estrategicamente. Isso é o keynesianismo moderno. E o
neoliberalismo está desmoralizado. Em 2008, se alguém ainda estava duvidando,
desmoralizou-se, porque esterilizaram quase US$ 2 trilhões de riquezas nessa
impertinência. E ainda hoje remanesce a tragédia, porque a Europa não tem mais
o menor mecanismo de coordenação, porque as ferramentas todas foram desmontadas
por prostração ideológica.
JC - Qual seria a corrente
econômica mais promissora no atual cenário?
Ciro Gomes - Acho que Keynes
lido modernamente traz algumas questões. E mais do que alguma corrente, minha
reflexão é a seguinte: será que há um padrão a ser replicado que explique o
êxito civilizatório? Quer dizer, por trás de toda essa imensa diferença de
línguas, histórias, institucionalidades, manipulação ideológica, enfim, será
que existe um padrão? Penso, comovidamente, que sim, que são estes três: elevar
o nível interno de poupança; coordenar estrategicamente governo, empresariado e
academia em torno de um projeto nacional com começo, meio e fim; e investimento
em gente.
JC - Durante o governo Fernando
Henrique Cardoso (PSDB) houve a compra de votos para reeleição por R$ 200 mil e
que não teve uma investigação tão profunda...
Ciro Gomes - Foi investigado
e foi punido quem vendeu o voto. Agora, quem comprou o voto e foi beneficiado
está aí fazendo discurso moralista hoje.
JC - Isso não seria um motivo
muito mais agravante para um impeachment do que o que temos colocado hoje?
Ciro Gomes - Sem dúvida. Mas
o remédio para o governo que a gente não gosta ou o governo ruim não é interrompê-lo.
É forçar que ele mude de caminho ou mudá-lo no período que a democracia nos dá.
Por isso que, na época em que o PT foi pelo impeachment do Fernando Henrique,
fui contra. E agora estou contra o impeachment da Dilma, pelas mesmas razões.
JC - Neste momento em que se
debate financiamento de campanha, gasto público e corrupção, poderia se pensar
em um avanço da democracia, mas não parece que é o que está acontecendo...
Ciro Gomes - Democracia não é
um regime de concessão. Não é o despotismo esclarecido que vai fazer
democracia. Democracia é um regime de conquista. Não é um regime de concessão.
É um regime de cidadania, de sacrifício, de mediação de conflitos. Estamos
muito longe disso. Não temos uma geração ainda democrática. A democracia
brasileira, sob o ponto de vista protocolar, não tem 25 anos, quanto mais de
prática. Só temos uma democracia eleitoral, que é um princípio importante. Por
exemplo, aqueles remédios que estão na Constituição, de democracia moderna, de
plebiscitos e referendos, que são praticados como rotina nos Estados Unidos e
na Europa, aqui a elite brasileira considera chavismo. Porque acabou a eleição,
o povo vai para casa, se dispersa, e o lobby, o grupo de pressão, o
corporativismo, toma conta da representação popular, que só vai se lembrar da
agenda do povo de novo quatro anos depois. Por isso é preciso lutar. Repare, o
filme é muito velho. Em 1999, Fernando Henrique desvalorizou o câmbio, a
reeleição dele foi considerada pela população, como a da Dilma, uma grande
mentira, porque foi feito tudo oposto: tarifaço, inflação alta, desemprego
pesado, juro muito alto, falência, concordata, pedido de impeachment feito pelo
Lula, movimento Fora FHC, que agora é Fora PT. Tudo igual! E numa sequência de
escândalos em que estava envolvida a Odebrecht. Mesma coisa. Percebe? E aí o
que faz o PT? Imita o PSDB nas mesmas práticas. Tanto no conservadorismo
econômico quanto nas práticas patrimonialistas, de manipulação do espaço
público para interesses menores ou de projeto de poder.
JC - No que o PT se distingue
do PSDB?
Ciro Gomes - É evidente que o
PT tem uma vantagem importante em relação ao governo FHC, que é ter promovido
um ciclo de expansão dos mecanismos de ascensão social. Não é brinquedo! O
poder de compra do salário-mínimo no último ano do governo FHC era de US$
76,00. No último ano do Lula, estava em US$ 320,00. Crédito como proporção do
PIB, quando o Fernando Henrique saiu era 13%. Quando o Lula saiu, era 50% do
PIB, basicamente na direção do povão: crédito para construção civil, moradia
popular, agricultura familiar e tal. E a rede de proteção social não tem
precedente. Hoje, temos R$ 25 bilhões distribuídos para 60 milhões de pessoas,
que conseguem fazer três refeições por dia. Isso é a diferença do PT para o
PSDB.
JC - Diante do momento
econômico que vivemos no País, esses avanços sociais não serão comprometidos?
Ciro Gomes - Não estão
totalmente comprometidos, mas há uma rampa decrescente acelerando muito
rapidamente. O poder de compra do salário-mínimo já baixou de US$ 320,00 para
US$ 250,00, o que é uma base para todo o conjunto de salários. O Bolsa Família
não cortaram, mas também não reajustaram. Um quinto da renda da proteção social
já se perdeu com a inflação. E o crédito sumiu, colapsando o sonho de ascensão
de jovens empreendedores, pequenos e médios empresários, agricultura familiar.
Então, o desastre é esse.
JC - A política e a economia
estão praticamente paradas devido ao processo de impeachment. O que acha que
está por vir?
Ciro Gomes - Estou muito
preocupado. Acho que estamos na iminência de surgirem cadáveres por
confrontação política odienta. A política brasileira vive seu pior momento, em
que o Congresso, que é o santuário da democracia, está dominado por uma
quadrilha de bandidos, ladrões. O vice (Michel Temer, PMDB) é um traidor,
golpista, enrolado com tudo que não presta também. E, pilotando, há um
Judiciário que, às vezes, se acanha de tomar suas providências e, às vezes,
infelizmente por elementos individuais, assume protagonismos políticos
assustadores, tirando do País qualquer centro de sobriedade e equilíbrio. Isso
implanta a selva. Se ninguém mais respeita as instituições, as regras, está
valendo tudo. Por que vou reconhecer um governo que vai nascer desse jeito?
JC - Concretizando-se o
impeachment, o novo governo sofrerá com grande desgaste?
Ciro Gomes - Não tenha
dúvida, porque são os mesmos problemas, agravados pela ilegitimidade, em que o
argumento e a defesa de ideias vão ceder lugar à confrontação violenta, e com
toda a sensação de que a democracia brasileira encerrou um ciclo. E de que
aquela nossa percepção de "ditadura nunca mais" e "golpe nunca
mais" era uma ilusão.
JC - Há cogitação de uma
candidatura sua em 2018. Essa ideia está cristalina para o senhor?
Ciro Gomes - Não, não está.
Não sou candidato há 10 anos. Na minha última eleição, fui o deputado federal
mais votado proporcionalmente no Brasil e resolvi parar, porque estou achando
tudo uma coisa muito decadente, podre. A população mesmo está muito vulnerável
a todas essas manipulações. E não digo que cansei, porque cansado não estou.
Comecei a pensar se não estava na hora de eu me dar uma vida privada que nunca
tive, quando dá-se essa crise, e me sinto praticamente obrigado a não me
omitir. Então, estou na luta porque o Brasil merece, mas daí a ser candidato,
só com muita reflexão.
JC - Mas sua candidatura já
está sendo bastante apoiada...
Ciro Gomes - Nas duas vezes
em que sai candidato, tirei quase 11% dos votos, tendo enfrentado o PT, que
parecia o anjo vingador que iria nos salvar do desastre e tal. Hoje estou mais
maduro, mais consciente da vida brasileira e tenho uma respeitabilidade que me
comove muito, por isso acho que não tenho o direito de me omitir nessa hora
difícil que nosso povo está sofrendo e, portanto, tem toda razão de estar desorientado.
Tanto os que votaram no Aécio Neves (PSDB) estão zangados, porque acham que a
Dilma mentiu, quanto os que estão chocados com a imoralidade generalizada de
onde não poderia partir, quanto esses outros que estão preocupados com a
decadência econômica: agora é emprego mesmo que está indo para o ralo, é
salário que está diminuindo, condição de vida. Há 12 anos, não se falava em
desemprego! Eu amo esse povo, mas quero dizer que, custe-me o que custar,
interromper o governo é o pior de todos os erros.
JC - Como é a sua vida fora
da política? Qual é a sua rotina?
Ciro Gomes - Aluguei um
pequeno apartamento de dois quartos em São Paulo. Minha casa é em Fortaleza,
mas aluguei esse apartamento a 1,5 mil metros de onde trabalho. Não levei carro
para experimentar uma vida sem dirigir. Quando não está muito calor, vou e
volto a pé. Trabalho na CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), que me dá todas
as compensações que uma pessoa pode ter. Tenho o melhor salário da minha vida
hoje. Acabei de ter um filho, que tem quatro meses. Enfim, sou um homem,
pessoalmente, muito feliz. Se não fosse a situação do País, poderia dizer que
estava realizado.
JC - Em que momento se sentiu
impelido a se manifestar diante do cenário político?
Ciro Gomes - Foi no ano
passado, quando começou essa escalada do impeachment, dessa coisa do golpe. Meu
irmão (Cid Gomes) era ministro da Educação e denunciou Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
como grande achacador do povo e foi demitido pelo governo Dilma, que preferiu
ficar com Cunha. Então, vi que as coisas estavam muito erradas e era preciso
criar um caminho para o País voltar a pensar nas coisas e interromper esse
itinerário da marcha da insensatez, que é para onde estamos caminhando. Fui
convidado pelo Carlos Lupi para me filiar ao PDT, o (Leonel) Brizola já tinha
me apoiado, e acabei me filiando de novo, porque estava, inclusive, sem
partido.
JC - O senhor fez várias
críticas ao governo Dilma, e a mais recente é em relação à nomeação do
ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil...
Ciro Gomes - Foi o maior erro
político que eu já vi na minha já longuíssima vida pública.
JC - Por quê?
Ciro Gomes - É gravíssimo,
porque, até aquele momento, a Dilma era absolutamente inatacável sob o ponto de
vista moral. Mesmo aqueles que lhe pedem o impeachment não tiveram jamais
coragem de fazer qualquer acusação sob o ponto de vista do comportamento e da
decência pessoal. Tanto que usaram um pretexto ridículo, que é o das pedaladas
fiscais. Naquele dia, ao trazer o Lula, ela destrói qualquer resto de
autoridade - o que não deixa de ser um gesto de muita humildade, mas a
população quer que seu líder seja forte e não seja diminuído como aconteceria
no caso da intervenção do Lula. Mas mais grave do que isso, ainda que não fosse
e parecia, como demonstrou-se, que era uma manobra miúda, mesquinha,
confundindo a República com questões particulares para subtrair o Lula de um
juiz severo (Sérgio Moro) e submetê-lo à jurisdição de um Supremo Tribunal
Federal que implicitamente garantiria a ele uma impunidade, pondo o STF num constrangimento
absolutamente intolerável. Então, é um erro que não dá para dizer pouca coisa.
É um disparate sem qualificação nem tamanho.
JC - Sobre a Dilma...
Ciro Gomes - Ela é uma pessoa
honrada, decente, tem espírito público, gosta do Brasil, nunca cometeu nenhum
ato de corrupção, boto a mão no fogo. A contradição básica já estava plantada:
foi que ela herdou o governo do Lula. Este, sim, moral frouxa, resolveu lotear
o governo com um milhão de picaretas, e está aí o resultado que está dando,
coisa que eu falei para ele um milhão de vezes, até que acabei me afastando e
não aceitei mais ser ministro, nem dele e nem da Dilma, porque eu sabia que ia
dar nisso. Não é porque sou profeta, não. É porque era óbvio.
Internet
Ciro Gomes comenta ainda.
“Eu não amo a possibilidade
de que a informação não contenha danos, mas já estou a certa altura de minha
vida de poder olhar as baboseiras, loucuras e maravilhas que a gente lê na
internet e fazer um filtro devido. Nem sempre isso é possível. Entre o Humberto
Eco, filósofo e escritor italiano falecido recentemente, que disse ter a
internet dado voz a uma legião de imbecis e aqueles outros que sustentam haver
acabado o monopólio da mídia convencional por causa da internet, eu me situo
mais ou menos no meio. Hoje, o que mais importa não é saber as respostas. É
saber perguntar.”
Confrontação ideológica
“Infelizmente, essa
infelicitação do povo brasileiro pela confrontação ideológica, pela
confrontação moralista já, já, peço a Deus esteja errado, vai produzir
cadáver”...
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