sexta-feira, 20 de maio de 2016

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A FIB e Stefan Zweig

Cesar Vanucci

“O sentimento humano é a mais importante
unidade de medida da cultura e da civilização.”
(Stefan Zweig, escritor)

E não é que a história da FIB (Felicidade Interna Bruta), índice medidor da prosperidade social adotado no Butão, reino incrustado na Cordilheira do Himalaia, continua rendendo manifestações dos leitores?

Acaba de aterrissar em nossa mesa de trabalho um outro edificante texto, a exemplo daquele de Robert Kennedy reproduzido neste espaço, em que o autor lamenta também, algumas décadas antes, que o PIB (Produto Interno Bruto) não leve “em conta o sentimento humano”, que é “a mais importante unidade de medida da cultura e da civilização”. Quem diz tudo isso, antes mesmo de Kennedy como já frisado, foi outro personagem famoso de realce mundial. Um cidadão que nutria pelo Brasil afeição e admiração enormes. Em artigos e livros apontou nossa pátria, escolhida por ele para morar, como “País do futuro”. Seu nome: Stefan Zweig, escritor austríaco, de origem judia, que pôs termo à vida, juntamente com a esposa Lotte, em 1942, época em que residia em Petrópolis, durante crise de depressão provocada pela expansão da barbárie nazista na Europa.

A leitora Isaura Marcondes, responsável pela remessa do citado texto de Robert Kennedy, foi quem, uma vez mais, colocou-nos a conhecer o substancioso escrito que, agora, entregamos à arguta apreciação dos caríssimos leitores.

“Os acontecimentos dos últimos anos modificaram profundamente nossa opinião a respeito do valor das palavras civilização e cultura. Decerto não estamos mais dispostos a coloca-las sobre o mesmo plano de conceitos como organização e comodidade. Sem dúvida, foi graças à estatística que no passado se cometeu esse erro fatal; esta, enquanto ciência matemática tem a tarefa de calcular a riqueza de um país e do cidadão individual, ou melhor, de responder a pergunta quantos carros, banheiros, aparelhos de rádio e franquias de seguro cabem por cabeça à população? Segundo essas tabelas, os países mais cultos e civilizados seriam aqueles que apresentam maior índice de produtividade, forte consumo e a mais alta cota de riqueza nacional. Mas a essas tabelas falta um elemento importante: não se leva em conta o sentimento humano que em nossa opinião é a mais importante unidade de medida da cultura e da civilização. Vimos com nossos olhos como mesmo uma perfeita organização foi incapaz de impedir determinados povos de direcionar tal organização unicamente no sentido da bestialidade, em vez de no sentido da humanidade (...) É por esse motivo que não temos mais a intenção de projetar um ranking que examine apenas a potência do impacto industrial, financeiro e militar de um país, mas queremos medir o grau de desenvolvimento de um povo com base em seu senso pacífico e em seu comportamento humano.”

Uma coisa puxa outra. Não queremos perder a ensancha oportunosa, como diria Eça de Queiroz, de complementar esse singelo informe com mais revelações sobre Stefan Zweig. Seu encantamento pelo Brasil, somado ao seu rico perfil humanista e talento como escritor internacionalmente reconhecido, estimula-nos a retornar, em próximo comentário, à sua vida e obra.


Talento invulgar 
e carinho pelo Brasil

Cesar Vanucci

“Eu, demasiadamente impaciente, vou-me antes.”
(Stefan Zweig, na carta despedida)

Como prometido, retomamos a história do célebre escritor Stefan Zweig, cidadão do mundo apaixonado pelas coisas do Brasil, que com seus luminosos conceitos humanistas antecedeu em muitos anos no campo das ideias fecundas a proposta inovadora da chamada “Felicidade Interna Bruta” (FIB), adotada no reino do Butão.

Romancista, poeta, dramaturgo, jornalista, foi um dos escritores mais famosos de todos os tempos. Sua obra literária contempla quase uma centena de títulos. No ensaio “Brasil, País do Futuro” revela ao mundo, em tom enternecido, como registraria, mais recentemente, o sociólogo Domênico de Masi, outro estrangeiro que se rendeu aos encantos de nosso País, o modelo de vida, pouco conhecido, do Brasil, fonte de inspiração, pelo que se pode deduzir das avaliações de ambos os pensadores, para projetos de uma futura, grandiosa e serena civilização.

Zweig, de origem judia, nasceu numa família austríaca abastada, composta de banqueiros. Desfrutou de uma educação requintada. Cursou filosofia em Viena. Sua primeira coletânea de poemas foi publicada em 1902. De sua rica produção literária fazem parte traduções para o alemão de obras de Verlaine, Baudelaire, Yeats, Keats. Seu círculo de amigos chegados incluía personagens do porte de Sigmund Freud, Thomas Mann, Rimbaud, Rainer Maria Rilke, Romain Rolland. Marcou presença forte como autor dramático, tendo lançado, antes, ainda, biografias de figuras exponenciais na crônica da história e das letras. Escreveu livros sobre Dostoievski, Maria Antonieta, Nietzsche, Tolstoi, Sthendal, Rilke, entre outros. Pacifista, molestado pelo racismo alemão espalhado na Europa à época nazista, deixou a Áustria para viver na Inglaterra. Deslocou-se depois para os Estados Unidos, escolhendo depois, como derradeiro pouso, a terra brasileira. Encantou-se com o nosso País e passou a divulgá-lo como a pátria do futuro. Procurou recriar por aqui, à sua volta, um pouco da atmosfera de paz dos tempos mais bonançosos da juventude. Estabeleceu-se em Petrópolis, trazendo prestígio para as atividades literárias nacionais e abrindo oportunidades de intercâmbio cultural fecundo por conta de seu relacionamento com nomes eminentes da inteligência mundial. Da “Wikipédia” consta uma frase que traduz com primor seu apreço pelo estilo de vida brasileiro: “Considerando que o nosso velho mundo é, mais do que nunca, governado pela tentativa insana de criar pessoas racialmente puras, como cavalos e cães de corrida, ao longo dos séculos a nação brasileira tem sido construída sobre o princípio de uma miscigenação livre e não filtrada, a equalização completa do preto e branco, marrom e amarelo.”

Consumido por forte depressão, alvejado pelo insuportável clima de intolerância e despotismo existente na Europa, confessando-se desesperançoso quanto ao futuro da humanidade, Zweig decidiu, juntamente com a esposa Lotte, “concluir uma vida na qual o labor intelectual foi a mais pura alegria e a liberdade pessoal o mais precioso bem sobre a Terra.” Sua morte em circunstâncias trágicas causou forte impacto no Brasil e no exterior. A vinculação do escritor com o País era tão estreita e tão impregnada de carinho que o governo brasileiro resolveu implantar na casa onde ele viveu e faleceu um memorial alusivo à obra que legou à cultura universal.

Stefan Zweig deixou uma declaração sobre os motivos que o levaram a tirar a própria vida. Estes os termos: Antes de deixar a vida por vontade própria e livre, com minha mente lúcida, imponho-me última obrigação; dar um carinhoso agradecimento a este maravilhoso país que é o Brasil, que me propiciou, a mim e a meu trabalho, tão gentil e hospitaleira guarida. A cada dia aprendi a amar este país mais e mais e em parte alguma poderia eu reconstruir minha vida, agora que o mundo de minha língua está perdido e o meu lar espiritual, a Europa, autodestruído. Depois de 60 anos são necessárias forças incomuns para começar tudo de novo. Aquelas que possuo foram exauridas nestes longos anos de desamparadas peregrinações. Assim, em boa hora e conduta ereta, achei melhor concluir uma vida na qual o labor intelectual foi a mais pura alegria e a liberdade pessoal o mais precioso bem sobre a Terra. Saúdo todos os meus amigos. Que lhes seja dado ver a aurora desta longa noite. Eu, demasiadamente impaciente, vou-me antes. Stefan Zweig”.




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