Cesar
Vanucci
“O
sentimento humano é a mais importante
unidade
de medida da cultura e da civilização.”
(Stefan Zweig, escritor)
E
não é que a história da FIB (Felicidade Interna Bruta), índice medidor da
prosperidade social adotado no Butão, reino incrustado na Cordilheira do
Himalaia, continua rendendo manifestações dos leitores?
Acaba
de aterrissar em nossa mesa de trabalho um outro edificante texto, a exemplo
daquele de Robert Kennedy reproduzido neste espaço, em que o autor lamenta
também, algumas décadas antes, que o PIB (Produto Interno Bruto) não leve “em
conta o sentimento humano”, que é “a mais importante unidade de medida da
cultura e da civilização”. Quem diz tudo isso, antes mesmo de Kennedy como já
frisado, foi outro personagem famoso de realce mundial. Um cidadão que nutria
pelo Brasil afeição e admiração enormes. Em artigos e livros apontou nossa
pátria, escolhida por ele para morar, como “País do futuro”. Seu nome: Stefan Zweig,
escritor austríaco, de origem judia, que pôs termo à vida, juntamente com a
esposa Lotte, em 1942, época em que residia em Petrópolis, durante crise de
depressão provocada pela expansão da barbárie nazista na Europa.
A
leitora Isaura Marcondes, responsável pela remessa do citado texto de Robert
Kennedy, foi quem, uma vez mais, colocou-nos a conhecer o substancioso escrito
que, agora, entregamos à arguta apreciação dos caríssimos leitores.
“Os
acontecimentos dos últimos anos modificaram profundamente nossa opinião a
respeito do valor das palavras civilização e cultura. Decerto não estamos mais
dispostos a coloca-las sobre o mesmo plano de conceitos como organização e
comodidade. Sem dúvida, foi graças à estatística que no passado se cometeu esse
erro fatal; esta, enquanto ciência matemática tem a tarefa de calcular a
riqueza de um país e do cidadão individual, ou melhor, de responder a pergunta
quantos carros, banheiros, aparelhos de rádio e franquias de seguro cabem por
cabeça à população? Segundo essas tabelas, os países mais cultos e civilizados
seriam aqueles que apresentam maior índice de produtividade, forte consumo e a
mais alta cota de riqueza nacional. Mas a essas tabelas falta um elemento
importante: não se leva em conta o sentimento humano que em nossa opinião é a
mais importante unidade de medida da cultura e da civilização. Vimos com nossos
olhos como mesmo uma perfeita organização foi incapaz de impedir determinados
povos de direcionar tal organização unicamente no sentido da bestialidade, em
vez de no sentido da humanidade (...) É por esse motivo que não temos mais a
intenção de projetar um ranking que examine apenas a potência do impacto
industrial, financeiro e militar de um país, mas queremos medir o grau de
desenvolvimento de um povo com base em seu senso pacífico e em seu
comportamento humano.”
Uma
coisa puxa outra. Não queremos perder a ensancha oportunosa, como diria Eça de
Queiroz, de complementar esse singelo informe com mais revelações sobre Stefan Zweig.
Seu encantamento pelo Brasil, somado ao seu rico perfil humanista e talento
como escritor internacionalmente reconhecido, estimula-nos a retornar, em
próximo comentário, à sua vida e obra.
Talento invulgar
e carinho pelo Brasil
Cesar
Vanucci
“Eu,
demasiadamente impaciente, vou-me antes.”
(Stefan Zweig, na carta despedida)
Como
prometido, retomamos a história do célebre escritor Stefan Zweig, cidadão do
mundo apaixonado pelas coisas do Brasil, que com seus luminosos conceitos
humanistas antecedeu em muitos anos no campo das ideias fecundas a proposta
inovadora da chamada “Felicidade Interna Bruta” (FIB), adotada no reino do
Butão.
Romancista,
poeta, dramaturgo, jornalista, foi um dos escritores mais famosos de todos os
tempos. Sua obra literária contempla quase uma centena de títulos. No ensaio
“Brasil, País do Futuro” revela ao mundo, em tom enternecido, como registraria,
mais recentemente, o sociólogo Domênico de Masi, outro estrangeiro que se
rendeu aos encantos de nosso País, o modelo de vida, pouco conhecido, do Brasil,
fonte de inspiração, pelo que se pode deduzir das avaliações de ambos os pensadores,
para projetos de uma futura, grandiosa e serena civilização.
Zweig,
de origem judia, nasceu numa família austríaca abastada, composta de
banqueiros. Desfrutou de uma educação requintada. Cursou filosofia em Viena.
Sua primeira coletânea de poemas foi publicada em 1902. De sua rica produção
literária fazem parte traduções para o alemão de obras de Verlaine, Baudelaire,
Yeats, Keats. Seu círculo de amigos chegados incluía personagens do porte de
Sigmund Freud, Thomas Mann, Rimbaud, Rainer Maria Rilke, Romain Rolland. Marcou
presença forte como autor dramático, tendo lançado, antes, ainda, biografias de
figuras exponenciais na crônica da história e das letras. Escreveu livros sobre
Dostoievski, Maria Antonieta, Nietzsche, Tolstoi, Sthendal, Rilke, entre
outros. Pacifista, molestado pelo racismo alemão espalhado na Europa à época
nazista, deixou a Áustria para viver na Inglaterra. Deslocou-se depois para os
Estados Unidos, escolhendo depois, como derradeiro pouso, a terra brasileira.
Encantou-se com o nosso País e passou a divulgá-lo como a pátria do futuro.
Procurou recriar por aqui, à sua volta, um pouco da atmosfera de paz dos tempos
mais bonançosos da juventude. Estabeleceu-se em Petrópolis, trazendo prestígio para
as atividades literárias nacionais e abrindo oportunidades de intercâmbio
cultural fecundo por conta de seu relacionamento com nomes eminentes da
inteligência mundial. Da “Wikipédia” consta uma frase que traduz com primor seu
apreço pelo estilo de vida brasileiro: “Considerando que o nosso velho mundo é,
mais do que nunca, governado pela tentativa insana de criar pessoas racialmente
puras, como cavalos e cães de corrida, ao longo dos séculos a nação brasileira
tem sido construída sobre o princípio de uma miscigenação livre e não filtrada,
a equalização completa do preto e branco, marrom e amarelo.”
Consumido
por forte depressão, alvejado pelo insuportável clima de intolerância e
despotismo existente na Europa, confessando-se desesperançoso quanto ao futuro
da humanidade, Zweig decidiu, juntamente com a esposa Lotte, “concluir uma vida
na qual o labor intelectual foi a mais pura alegria e a liberdade pessoal o
mais precioso bem sobre a Terra.” Sua morte em circunstâncias trágicas causou
forte impacto no Brasil e no exterior. A vinculação do escritor com o País era
tão estreita e tão impregnada de carinho que o governo brasileiro resolveu
implantar na casa onde ele viveu e faleceu um memorial alusivo à obra que legou
à cultura universal.
Stefan
Zweig deixou uma declaração sobre os motivos que o levaram a tirar a própria
vida. Estes os termos:
“Antes de deixar a vida por vontade própria e livre, com minha mente
lúcida, imponho-me última obrigação; dar um carinhoso agradecimento a este
maravilhoso país que é o Brasil, que me propiciou, a mim e a meu trabalho, tão
gentil e hospitaleira guarida. A cada dia aprendi a amar este país mais e mais
e em parte alguma poderia eu reconstruir minha vida, agora que o mundo de minha
língua está perdido e o meu lar espiritual, a Europa, autodestruído. Depois de
60 anos são necessárias forças incomuns para começar tudo de novo. Aquelas que
possuo foram exauridas nestes longos anos de desamparadas peregrinações. Assim,
em boa hora e conduta ereta, achei melhor concluir uma vida na qual o labor
intelectual foi a mais pura alegria e a liberdade pessoal o mais precioso bem
sobre a Terra. Saúdo todos os meus amigos. Que lhes seja dado ver a aurora
desta longa noite. Eu, demasiadamente impaciente, vou-me antes. Stefan Zweig”.
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