sexta-feira, 1 de julho de 2016

Atirar a primeira pedra

  
Cesar Vanucci

“Agravo vulgar à política é confundi-la com a astúcia.”
(Baltasar Gracián y Morales, pensador espanhol do século 17)


As polêmicas “delações premiadas”, não raras vezes questionadas por influentes juristas, e os “vazamentos seletivos”, que obedecem a intrigantes métodos e estratégias, têm trazido a lume escabrosas informações sobre a atuação política de bastidores. Vêm mostrando como funciona o famigerado esquema apelidado de “caixa 2” das campanhas eleitorais.

Não há como recusar a legitimidade da presunção de inocência em casos numerosos de culpabilidade pessoal ainda não devidamente configurada. Mas, falar verdade, o que já se tem como amostragem acumulada de malfeitorias contra o interesse público garante, inequivocamente, sustentação plena à tese de que nenhuma agremiação partidária dispõe, aqui e agora, de condições seguras para “atirar a primeira pedra”.

Repetimos: não importa a tendência ideológica, nem se a agremiação pertence a qualquer uma das movediças classificações de “situação” e “oposição”. Os partidos, todos eles, do estrito ponto de vista de corporação, estão implicados em artimanhas lesivas à Nação. “Os repasses via “caixa 2” são parte da cultura política do país e do sistema de financiamento a partidos”. Tal afirmação é atribuída a um empreiteiro mergulhado até no pescoço no processo das fraudes, Marcelo Odebrecht. Vigente há décadas, essa fórmula de financiamento foi aparentemente contida na recente resolução do Supremo Tribunal Federal proibindo a doação de empresas para campanhas. A opinião pública aguarda com grande expectativa as repercussões dessa medida na campanha eleitoral que se avizinha.

Voltando à participação dos políticos nas tenebrosas transações que geraram colossais propinas e enriqueceram empresários e congressistas dominados por vorazes ambições é essencial reconhecer que as militâncias partidárias são compostas, em expressiva maioria, por cidadãos probos. Mas, também, permanece à margem de dúvidas que, nesse inesgotável processo de falcatruas, os vilões estão espalhados, ao jeito de uma “confraria suprapartidária do mal”, por todo quanto é legenda. Volta e meia, conforme revelam as apurações, a opinião pública esbarra, atônita, em situações pra lá de desconcertantes. Figuras de projeção na atividade pública, com presença esbravejante nas tribunas e manchetes, se veem de repente decaídos da condição impoluta de acusadores, de aclamados varões de Plutarco, para assumir papéis menos dignos no enredo. Despontam, já aí, como prováveis candidatos a usar tornozeleiras, pelo protagonismo indecoroso em cabeludas aprontações.

Tremendos “caras de pau”, tais personagens ajustam-se impecavelmente àquela descrição da conduta do corrupto feita pelo carismático Francisco. Ele (corrupto) traz engatilhada na língua manjada desculpa: “Não fui eu!”. Revela-se “tão fechado e satisfeito em alimentar a sua autossuficiência que não se deixa questionar por nada nem por ninguém. Um tipo - acrescenta o Papa – que minha avó chamava de cara de santinho”.

À parte essas insistentes revelações, que retratam comportamento farisaico rançoso, irrompem com impetuosidade na pauta das grandes preocupações da sociedade a necessidade e urgência da adoção de medidas capazes de recomporem os quadros partidários. A seara política clama por reformas. Essas reformas pressupõem o expurgo de elementos e de ideias alinhados com os esquemas espúrios do fisiologismo indigesto e debochado. A hora pede cara política nova. Isso implica naturalmente na expectativa de que também novas caras brotem no seio das lideranças.

A democracia admite como verdade axiomática o fato de que a política é a única saída plausível para a rejeição da política. Isso acena como indesviável o caminho das reformas. Estabelecer diálogos e consensos é indispensável. As alterações precisam ser assimiladas por todos como lances de aprimoramento democrático. No bojo das confabulações não poderá existir, obviamente, espaços para arranjos que favoreçam corruptos e corruptores. Os responsáveis pelos atos de astúcia, esperteza, ou que outros eufemismos sejam empregados no linguajar politiqueiro ao classificar bandalheiras levadas a cabo contra os interesses nacionais, terão que ser encarados, dentro do contexto das inadiáveis reformulações, como cartas fora do baralho.


Os agravos 
passaram da conta


Cesar Vanucci

“Nem sempre é possível calar-se 
prudentemente diante de agravos.”
(Domingos Justino Pinto, professor)


De como bem intencionados cidadãos, após meterem a colher em briga de marido e mulher, se certificaram de que chocantes malfeitos políticos revelam-se capazes de reduzir a subnitrato de pó de mico, como era costume dizer-se em tempos de antanho, alianças conjugais estáveis.

Parentes e amigos do casal brasiliense, alguns deles moradores do mesmo condomínio em que, até outro dia, residiam Asdrubal e Marietinha, inteirados da encrenca a envolvê-los, acharam por bem intervir na contenda, sobretudo depois do anúncio de desfazimento dos sagrados laços conjugais. Bateram papo, primeiramente, com a mulher. Ela, bem ao seu estilo, em tom exaltado, botou pra fora um mundão de palavrões, derramou muitas lágrimas, mas acabou cedendo às ponderações da turma do deixa disso. Confessou-se disposta a rever a decisão sobre a separação.

Encorajado com os resultados da entrevista com madame, o grupo saiu à cata do Asdrubal, supondo que a tarefa de persuadi-lo a voltar atrás, levado em conta seu jeito de ser bonachão, seria menos árdua. Ledo engano. O cara manteve-se firme que nem rocha de granito na intenção de virar a página conjugal, 30 anos depois do acordo selado em cartório e da benção solene, o templo engalanado, ministrada pelo primo bispo. “Acabou! De vez! Pra sempre! Nada de retorno!” Foi o que disse, apoderado de indignação, pontuando as expressões lacônicas empregadas para traduzir sua inabalável vontade. Os sólidos argumentos lançados pelos prestativos interlocutores – “briga provocada por banalidade“, “prole numerosa”, “patrimônio respeitável conquistado ao longo de décadas de vida em comum”, “conceito de respeitabilidade no seio comunitário”, - se esfarelaram diante da obstinada resistência oferecida pelo cônjuge revoltado.

No arremate das razões e contrarrazões alinhadas, gesticulação frenética mode enfatizar as palavras, Asdrubal descreveu a parte mais dramática do entrevero fatal. “Vocês não estão sabendo da missa a metade! Ela – disse, referindo-se à ex-cara metade – extrapolou todos os limites toleráveis na derradeira refrega verbal. Partiu, no começo, possessa como de costume, para o xingatório tradicional. Despejou todo aquele estoque de impropérios que, anos a fio, nas discussões, familiarizado com seus maus bofes, engoli sem reações mais veementes. Chamou-me de “rufião”, afirmando que a pedi em casamento de olho na dinheirama do pai. Assacou contra a honra de minha única irmã, Lili, dizendo que ela começou a chifrar meu cunhado já na lua de mel em Guarujá. Chamou-me de bastardo, insinuando que meu pai verdadeiro seria o diretor da empresa em que minha genitora trabalhou como secretária. Insinuou ainda que andei praticando atos de corrupção quando geri os negócios de uma empresa da família. Afirmou que não passo, do ponto de vista profissional, de um fracassado. Até aí, já acostumado com esse tipo de cantilena, aguentei firme, resignado, de modo a não deixar a discussão espichar. Mas ela resolveu ir mais longe. Extravasou de vez os limites da tolerância. Xingou-me alternadamente – vejam só que suprema desfaçatez! – de Eduardo Cunha e Sérgio Machado, aludindo à conduta daqueles caras que andaram  sacaneando a população, um  deles grampeando tudo quanto é amigo, parente, compadre, vizinho, colaborador. Nessa hora, o sangue ferveu. Perdi a cabeça. A barra pesou. Madame, desta feita, passou da conta.  Senti que o casório havia ido mesmo pra cucuia. Fiz a mala, peguei o boné, casquei fora. Vocês hão de concordar comigo que nenhuma outra reação caberia diante do tamanho do agravo.

Resumo da ópera: a turma que cuidava do meio de campo na busca da conciliação do casal, após a impactante revelação do Asdrubal resolveu tirar, silentemente, o time...



Nenhum comentário:

A SAGA LANDELL MOURA

Desigualdade gera fome e pobreza

                                                 *Cesar Vanucci “  Fome  e a  pobreza  são o símbolo máximo da nossa tragédia Coletiva...