Atirar
a primeira pedra
Cesar
Vanucci
“Agravo
vulgar à política é confundi-la com a astúcia.”
(Baltasar Gracián y Morales,
pensador espanhol do século 17)
As
polêmicas “delações premiadas”, não raras vezes questionadas por influentes
juristas, e os “vazamentos seletivos”, que obedecem a intrigantes métodos e
estratégias, têm trazido a lume escabrosas informações sobre a atuação política
de bastidores. Vêm mostrando como funciona o famigerado esquema apelidado de
“caixa 2” das campanhas eleitorais.
Não
há como recusar a legitimidade da presunção de inocência em casos numerosos de
culpabilidade pessoal ainda não devidamente configurada. Mas, falar verdade, o
que já se tem como amostragem acumulada de malfeitorias contra o interesse
público garante, inequivocamente, sustentação plena à tese de que nenhuma
agremiação partidária dispõe, aqui e agora, de condições seguras para “atirar a
primeira pedra”.
Repetimos:
não importa a tendência ideológica, nem se a agremiação pertence a qualquer uma
das movediças classificações de “situação” e “oposição”. Os partidos, todos
eles, do estrito ponto de vista de corporação, estão implicados em artimanhas
lesivas à Nação. “Os repasses via “caixa 2” são parte da cultura política do
país e do sistema de financiamento a partidos”. Tal afirmação é atribuída a um
empreiteiro mergulhado até no pescoço no processo das fraudes, Marcelo
Odebrecht. Vigente há décadas, essa fórmula de financiamento foi aparentemente
contida na recente resolução do Supremo Tribunal Federal proibindo a doação de
empresas para campanhas. A opinião pública aguarda com grande expectativa as
repercussões dessa medida na campanha eleitoral que se avizinha.
Voltando
à participação dos políticos nas tenebrosas transações que geraram colossais
propinas e enriqueceram empresários e congressistas dominados por vorazes
ambições é essencial reconhecer que as militâncias partidárias são compostas,
em expressiva maioria, por cidadãos probos. Mas, também, permanece à margem de
dúvidas que, nesse inesgotável processo de falcatruas, os vilões estão
espalhados, ao jeito de uma “confraria suprapartidária do mal”, por todo quanto
é legenda. Volta e meia, conforme revelam as apurações, a opinião pública
esbarra, atônita, em situações pra lá de desconcertantes. Figuras de projeção
na atividade pública, com presença esbravejante nas tribunas e manchetes, se veem
de repente decaídos da condição impoluta de acusadores, de aclamados varões de
Plutarco, para assumir papéis menos dignos no enredo. Despontam, já aí, como
prováveis candidatos a usar tornozeleiras, pelo protagonismo indecoroso em
cabeludas aprontações.
Tremendos
“caras de pau”, tais personagens ajustam-se impecavelmente àquela descrição da
conduta do corrupto feita pelo carismático Francisco. Ele (corrupto) traz
engatilhada na língua manjada desculpa: “Não fui eu!”. Revela-se “tão fechado e
satisfeito em alimentar a sua autossuficiência que não se deixa questionar por
nada nem por ninguém. Um tipo - acrescenta o Papa – que minha avó chamava de
cara de santinho”.
À
parte essas insistentes revelações, que retratam comportamento farisaico
rançoso, irrompem com impetuosidade na pauta das grandes preocupações da
sociedade a necessidade e urgência da adoção de medidas capazes de recomporem
os quadros partidários. A seara política clama por reformas. Essas reformas
pressupõem o expurgo de elementos e de ideias alinhados com os esquemas
espúrios do fisiologismo indigesto e debochado. A hora pede cara política nova.
Isso implica naturalmente na expectativa de que também novas caras brotem no
seio das lideranças.
A
democracia admite como verdade axiomática o fato de que a política é a única
saída plausível para a rejeição da política. Isso acena como indesviável o
caminho das reformas. Estabelecer diálogos e consensos é indispensável. As
alterações precisam ser assimiladas por todos como lances de aprimoramento
democrático. No bojo das confabulações não poderá existir, obviamente, espaços
para arranjos que favoreçam corruptos e corruptores. Os responsáveis pelos atos
de astúcia, esperteza, ou que outros eufemismos sejam empregados no linguajar
politiqueiro ao classificar bandalheiras levadas a cabo contra os interesses
nacionais, terão que ser encarados, dentro do contexto das inadiáveis reformulações,
como cartas fora do baralho.
Os agravos
passaram da conta
Cesar
Vanucci
“Nem sempre
é possível calar-se
prudentemente diante de agravos.”
prudentemente diante de agravos.”
(Domingos Justino Pinto, professor)
De como bem
intencionados cidadãos, após meterem a colher em briga de marido e mulher, se
certificaram de que chocantes malfeitos políticos revelam-se capazes de reduzir
a subnitrato de pó de mico, como era costume dizer-se em tempos de antanho,
alianças conjugais estáveis.
Parentes e
amigos do casal brasiliense, alguns deles moradores do mesmo condomínio em que,
até outro dia, residiam Asdrubal e Marietinha, inteirados da encrenca a
envolvê-los, acharam por bem intervir na contenda, sobretudo depois do anúncio
de desfazimento dos sagrados laços conjugais. Bateram papo, primeiramente, com
a mulher. Ela, bem ao seu estilo, em tom exaltado, botou pra fora um mundão de
palavrões, derramou muitas lágrimas, mas acabou cedendo às ponderações da turma
do deixa disso. Confessou-se disposta a rever a decisão sobre a separação.
Encorajado
com os resultados da entrevista com madame, o grupo saiu à cata do Asdrubal, supondo
que a tarefa de persuadi-lo a voltar atrás, levado em conta seu jeito de ser
bonachão, seria menos árdua. Ledo engano. O cara manteve-se firme que nem rocha
de granito na intenção de virar a página conjugal, 30 anos depois do acordo
selado em cartório e da benção solene, o templo engalanado, ministrada pelo
primo bispo. “Acabou! De vez! Pra sempre! Nada de retorno!” Foi o que disse, apoderado
de indignação, pontuando as expressões lacônicas empregadas para traduzir sua
inabalável vontade. Os sólidos argumentos lançados pelos prestativos interlocutores
– “briga provocada por banalidade“, “prole numerosa”, “patrimônio respeitável
conquistado ao longo de décadas de vida em comum”, “conceito de
respeitabilidade no seio comunitário”, - se esfarelaram diante da obstinada
resistência oferecida pelo cônjuge revoltado.
No arremate
das razões e contrarrazões alinhadas, gesticulação frenética mode enfatizar as
palavras, Asdrubal descreveu a parte mais dramática do entrevero fatal. “Vocês
não estão sabendo da missa a metade! Ela – disse, referindo-se à ex-cara metade
– extrapolou todos os limites toleráveis na derradeira refrega verbal. Partiu, no
começo, possessa como de costume, para o xingatório tradicional. Despejou todo aquele
estoque de impropérios que, anos a fio, nas discussões, familiarizado com seus
maus bofes, engoli sem reações mais veementes. Chamou-me de “rufião”, afirmando
que a pedi em casamento de olho na dinheirama do pai. Assacou contra a honra de
minha única irmã, Lili, dizendo que ela começou a chifrar meu cunhado já na lua
de mel em Guarujá. Chamou-me de bastardo, insinuando que meu pai verdadeiro seria
o diretor da empresa em que minha genitora trabalhou como secretária. Insinuou ainda
que andei praticando atos de corrupção quando geri os negócios de uma empresa
da família. Afirmou que não passo, do ponto de vista profissional, de um
fracassado. Até aí, já acostumado com esse tipo de cantilena, aguentei firme, resignado,
de modo a não deixar a discussão espichar. Mas ela resolveu ir mais longe. Extravasou
de vez os limites da tolerância. Xingou-me alternadamente – vejam só que
suprema desfaçatez! – de Eduardo Cunha e Sérgio Machado, aludindo à conduta daqueles
caras que andaram sacaneando a
população, um deles grampeando tudo
quanto é amigo, parente, compadre, vizinho, colaborador. Nessa hora, o sangue
ferveu. Perdi a cabeça. A barra pesou. Madame, desta feita, passou da conta. Senti que o casório havia ido mesmo pra
cucuia. Fiz a mala, peguei o boné, casquei fora. Vocês hão de concordar comigo que
nenhuma outra reação caberia diante do tamanho do agravo.
Resumo da
ópera: a turma que cuidava do meio de campo na busca da conciliação do casal, após
a impactante revelação do Asdrubal resolveu tirar, silentemente, o time...
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