Cesar
Vanucci
“Ele foi brilhante em tudo que botou a
mão.”
(Antônio
Luiz da Costa, comentando a obra de Mário de Ascenção Palmério)
Minha gente, eu vi! Vi de perto, testemunha ocular
privilegiada, repórter e aluno atentos, a ascensão
de Mário Palmério no cenário cultural. Bom lembrar, entre parênteses, que o
homem já carregava orgulhosamente no meio do nome, desde a pia batismal, um Ascenção ao jeito de vaticínio.
Disponho-me então a contar aqui, naturalmente preso às limitações do espaço, um
pouco do que sei.
O ponto de partida foi um prédio adaptado às pressas na
Manuel Borges, entre as ruas Major Eustáquio e Senador Pena. Ficava ao lado do
Hotel Regina, dando frente pra sede da antiga Escola Normal. O Liceu do
Triângulo Mineiro começou a funcionar no local com curso de admissão ao
ginásio. Trocou as improvisadas instalações, em curtíssimo espaço de tempo,
pelas edificações na Guilherme Ferreira. Esta avenida, recém-aberta, surgiu
paralela à Vigário Silva, também conhecida por rua Grande (“tão grande, meu
Deus, que dentro dela cabia todo o mundo maravilhoso da minha meninice”, na
fala lírica do poeta-médico Paulo Rosa). Localização central, imediações do
Mercado e da Penitenciária que, anos depois, se tornaria Escola de Medicina. O
calçamento ainda não havia chegado àquele trecho da cidade. Um dos braços do
Córrego das Lages – então, viçosa referência paisagística de Uberaba, ainda não
soterrado em nome de questionável “modernice urbanística” -, escorria
pachorrentamente por aquelas paragens em convite aberto a inofensivas
peraltices dos estudantes “gazeteiros”. A moradia de Palmério e dona Cecília
estava plantada no centro do vasto terreno, rodeada dos pavilhões reservados às
salas de aula. O Liceu, da noite pro dia, virou Colégio e Escola Técnica de
Comércio Triângulo Mineiro. Oferecia ginasial, científico, clássico e
contabilidade em três turnos, além da novidade das salas mistas. As “inovações”
escandalizaram os “tradicionalistas” daqueles tempos, tão submissos quanto os
de agora a regras de vida rançosas. Seja anotado, a guisa de ilustração, que
esse regramento dogmático das coisas costuma reproduzir-se que nem tiririca,
desde que o mundo é mundo, como elemento cármico indissociável da aventura
humana.
Minha gente, eu vi! Do arrojo empreendedor de Palmério
nasceu um conjunto educacional opulento, sem similar (considerada a época) nos
domínios da iniciativa privada. A obra
colossal foi sendo acrescida rapidamente de um punhado de Faculdades. Começando
pela de Odontologia com sua policlínica de portas democraticamente
escancaradas. Tudo na grandiosa empreitada suscitava compreensível admiração.
E, também, um cadinho de desconfiança e ciumeira em redutos refratários a
transformações sociais. “Onde é que esse cara, simples professor de Educação
Física, pouco conhecido, pretende, afinal de contas, chegar com tantas
“iniciativas temerárias” e esse jeito de ser ousado, rebelde a ponto de negar o
indispensável tributo de vassalagem às elites dominantes?” Perguntas do gênero
eram lançadas no ar em razão da impetuosidade das ações deflagradas. A
acomodada paisagem citadina e regional foi sacudida com o incrementado projeto
educacional pioneiro naquele momento. Uberaba tornou-se vanguardeiro polo de
irradiação do ensino superior em vasto território de Minas e de Estados
próximos. As conquistas foram extraordinárias. Influenciaram pra valer os
hábitos comportamentais. O núcleo universitário operou como um verdadeiro
laboratório de experiências sociológicas. Todos adquirimos nítida percepção do
que andava rolando de totalmente novo nas atividades culturais, na política, na
produção de bens de consumo, em todos os negócios comunitários, enfim.
Não saberia precisar com exatidão se Palmério quis, desde o
princípio, chegar até onde chegou. O que sei é que ele enveredou, de repente,
abrindo clareiras, em marcha batida de êxitos cumulativos, pelas veredas da
política. Deputado Federal, liderou galhardamente grupamento partidário
composto de elementos recrutados na vida acadêmica e meio operário. Comandados
seus assumiram Prefeituras, assentos na Assembleia Legislativa e Câmaras
Municipais, elegendo de quebra Juízes de Paz. Por conta de seus dons, entre eles
o de bom tribuno, foi convocado a exercer as funções de Ministro de Estado e de
Embaixador.
A invejável vocação literária aflorou durante o mandato
parlamentar. Com os magníficos “Vila dos Confins” e “Chapadão do Bugre” Mário
foi catapultado, pelo aplauso e reconhecimento da inteligência literária, a uma
posição de inconfundível relevo na galeria dos grandes romancistas.
Concederam-lhe na Academia Brasileira de Letras a cadeira que havia sido
ocupada por João Guimarães Rosa. A singular capacidade de criação artística de
Palmério manifestou-se ainda, pra surpresa de muitos, no plano musical. Na
ocasião em que serviu como Embaixador no Paraguai, onde sua atuação foi
considerada de invulgar brilhantismo, o homem notabilizou-se como autor de
guarânias. Apreciadores desse gênero
musical relacionam suas composições entre as mais representativas da música
popular paraguaia.
Minha gente, aqui está um pouco do que estou em condições de
contar, neste minifúndio de papel (como diria o saudoso Roberto Drumond), o que
testemunhei a respeito desse brasileiro genial, mineiro de Monte Carmelo, cujo
centenário as letras literárias nacionais estão agora a festejar, que escolheu
Uberaba como sua segunda terra natal e que nela, como em toda a região do
Triângulo Mineiro, deixou vestígios inapagáveis de cintilante trajetória no
processo da construção humana.
A charada de Nazca
Cesar Vanucci
“Nazca saiu
da sombra de um passado esquecido,
para
tornar-se célebre no mundo inteiro
por seus
extraordinários enigmas.”
(Simone Waisbard, escritora)
Visto do alto, da cabine do bimotor utilizado nos sobrevoos turísticos,
o imponente “candelabro dos Andes”, incrustado na parte superior do imenso
tabuleiro de granito da baia de Paracas, é uma sinalização muito bem feita com o
claro intuito de chamar a atenção de supostos “viajantes do espaço”. Bem
próximo dali, com seus incríveis bordejos pontilhados, espalhados por,
aproximadamente, 500 quilômetros dos pampas desérticos, emitindo o mesmo tipo
de sinalização, voltada para os céus, ficam as famosíssimas e enigmáticas
linhas geométricas de Nazca. Uma charada de decifração quase impossível.
Ninguém que passe pela experiência do sobrevoo, ou mesmo se contente em
utilizar, para a contemplação das pistas, os postos de observação, em pontos
elevados, existentes no gigantesco sitio arqueológico, consegue conter a emoção
que tudo aquilo provoca. O estado habitual dos espectadores, diante do
espetáculo soberbo alcançado pelo olhar, é de puro êxtase. A visão costuma
provocar lágrimas, quando não choro convulsivo.
Imersas num estado de espírito desses, entre comovidas e perplexas, as
pessoas acabam se interrogando: mas, afinal de contas, o que foi mesmo que os
geniais e ignotos construtores das pistas de Nazca e do “Tridente dos Andes” pretenderam
deixar registrado com essa colossal “tapeçaria de pedras”, de sinalização
copiosa, voltada exclusivamente e estridentemente para o alto?
O ciclópico quebra-cabeças, montado há milênios, foi produzido como? Com
qual tipo de instrumentos mecânicos? Para quê? Por quem? A ideia de que
representa algo correspondente a um cabo Canaveral da antiguidade remota faz
sentido – como não? - para muitos. Essa conjectura remete a especulações
infindáveis a respeito da suposta existência, repelida com veemência nos
círculos acadêmicos, de uma astronáutica terrena, ou extraterrena, sabe-se lá,
anterior à tecnologia espacial destes nossos tempos modernos. Mais uma
fantástica ocorrência, de origem milenar, envolta nas brumas espessas do
mistério.
Essas gigantescas figuras estilizadas de pássaros, plantas, seres
envergando roupagens de astronauta para alguns, ou com aparência de “deuses”
para outros; essas estranhas linhas, que lembram pistas de aterrisagem,
encravadas no solo de areias lunares e rochas oxidadas da região de Nazca, no
sul peruano, emitem sinais desconcertantes. E levantam interrogações sem conta.
Perguntas inesgotáveis. Alguns cientistas, como é o caso notório da célebre
arqueóloga francesa Maria Reiche, já falecida, com quem mantive agradável bate-papo
há 30 anos, na primeira visita que fiz aos sítios arqueológicos peruanos,
procuram encaminhar respostas convincentes às indagações que pipocam sem
cessar, a respeito dos enigmas de Nazca. O que não é nada fácil.
O escritor J.J.Benitez (autor da fascinante saga “O cavalo de Tróia”) é
de parecer que o mistério de Nazca continua de pé, desafiante. As teorias
aventadas – e são muitas – coincidem em uma circunstância indiscutível: as
figuras teriam sido executadas “para alguém que voava.”
Já no que concerne ao “candelabro” de Paracas, a tese defendida por
Maria Belli de Leon parece ser a que melhor sintetiza as opiniões dominantes
entre os estudiosos: o desenho gravado misteriosa e magneticamente na rocha
direciona viajantes aéreos para as pistas de Nazca.
Uma coisa é absolutamente certa. A resposta definitiva às questões
propostas pelo insondável mistério das linhas geométricas do deserto ainda está
para ser dada. Se é que vai poder ser dada algum dia.
Uma maravilha
no teto dos Andes
no teto dos Andes
Cesar Vanucci
“Um grande
mistério petrificado!”
(Jacques de Lacretelli)
De volta ao Peru. É lá mesmo que os investigadores dos chamados
fenômenos insólitos tropeçam, a cada momento, com alguns dos enigmas mais
perturbadores deste nosso planeta azul. O foco de nossas atenções irá se
concentrar agora em Machu Picchu. Localizada no teto dos Andes é considerada a
“oitava maravilha do mundo”.
Estamos falando de um prodigioso complexo arquitetônico, erguido no
fundo dos tempos, por toda a extensão, das fraldas à cumeeira, de um imponente
maciço montanhoso da deslumbrante Cordilheira dos Andes. Ninguém consegue explicar com precisão quais
foram os recursos técnicos utilizados nas ciclópicas edificações. Para chegar
até Machu Picchu a grande maioria dos turistas vale-se do transporte ferroviário.
Mas não deixa de ser expressivo o contingente de pessoas, naturalmente dotadas
de espírito aventureiro e bom preparo físico, que se embrenha, todos os dias,
pelas chamadas trilhas sagradas na direção da “cidade perdida dos Incas”.
O trem que a gente pega em Cuzco serpenteia por paisagens de lindeza
estonteante. A viagem dura mais ou menos seis horas. Os caminhantes, com seus
pendores para o montanhismo, demoram de quatro a seis dias para cobrir a
jornada, extenuante, mas repleta de fascínios. Uns e outros, carregando
prazerosas emoções, que se vão acumulando na incessante contemplação de
cenários de mágica beleza, se defrontam, no final do trajeto, com um espetáculo
difícil de descrever em palavras. Machu Picchu esmaga. Extasia. Costuma
arrancar lágrimas, quando não soluços. Não há como resistir ao seu
encantamento.
Alcançamos o topo da montanha, após haver
percorrido as diversas plataformas que abrigam incríveis muralhas e áreas
presumivelmente dedicadas, em tempos imemoriais, a cultivo agrícola. De onde
nos encontramos dá pra avistar um conjunto soberbo de montanhas, várias
recobertas de neve. O olhar alcança, também, lá embaixo, quase ao nível da gare
ferroviária do sopé da montanha, um fio prateado que avança por interminável
desfiladeiro. É o célebre rio Urubamba, que nasce no alto dos Andes, atravessa
o Vale dos Reis, onde engenheiros de tempos antiquíssimos represaram-no de
forma impecável, de molde a causar espanto e deixar maravilhados seus colegas
de profissão dos tempos de agora, indo despejar suas águas, centenas de
quilômetros adiante, no Amazonas.
Do que está sendo retratado parece emanar um convite indeclinável à
genuflexão. O impacto é muito forte. A mente é tomada por fervilhantes
reflexões. As interrogações jorram. O que vem a ser, afinal de contas, tudo
isso? Quem foram os construtores desse portento de engenharia dir-se-á
sobre-humana? Quem habitou Machu Picchu? Quando? Quais – voltamos a perguntar -
os recursos tecnológicos empregados na ciclópica empreitada?
Admitamos, para argumentar apenas, sejam procedentes as informações de
alguns historiadores, que insistem em apresentar os incas dos tempos da
colonização como os construtores da cidade. Como entender, a partir daí, que
esses mesmos nativos, que somavam, de acordo com historiadores, milhões de
criaturas à época da invasão espanhola, executada por uma legião numericamente
insignificante de militares-aventureiros, se revelassem tão despreparados
militarmente para enfrentar os vorazes e implacáveis conquistadores de suas
cidades, terras e riquezas?
Foi em julho de 1911 que Hiram Bingham, apontado nos compêndios como
“descobridor” dessa maravilha arquitetônica, seguindo roteiro traçado por
peruanos conhecedores do complexo incrustado na montanha conhecida por Machu
Picchu, divulgou para o mundo, além das fronteiras daquele país andino, a
existência das colossais edificações. Nascia ali uma prodigiosa saga,
vastamente explorada pelos estudiosos de civilizações desaparecidas, que
crivaram o fabuloso achado arqueológico de interpretações as mais variadas e
imaginosas, numa disputa que se arrasta até os dias de hoje. Jacques de
Lacretelli resume a lendária história de Machu Picchu numa frase: “Um grande
mistério petrificado.”
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