sexta-feira, 17 de junho de 2016


Cesar Vanucci

“Ele foi brilhante em tudo que botou a mão.”
(Antônio Luiz da Costa, comentando a obra de Mário de Ascenção Palmério)

Minha gente, eu vi! Vi de perto, testemunha ocular privilegiada, repórter e aluno atentos, a ascensão de Mário Palmério no cenário cultural. Bom lembrar, entre parênteses, que o homem já carregava orgulhosamente no meio do nome, desde a pia batismal, um Ascenção ao jeito de vaticínio. Disponho-me então a contar aqui, naturalmente preso às limitações do espaço, um pouco do que sei.

O ponto de partida foi um prédio adaptado às pressas na Manuel Borges, entre as ruas Major Eustáquio e Senador Pena. Ficava ao lado do Hotel Regina, dando frente pra sede da antiga Escola Normal. O Liceu do Triângulo Mineiro começou a funcionar no local com curso de admissão ao ginásio. Trocou as improvisadas instalações, em curtíssimo espaço de tempo, pelas edificações na Guilherme Ferreira. Esta avenida, recém-aberta, surgiu paralela à Vigário Silva, também conhecida por rua Grande (“tão grande, meu Deus, que dentro dela cabia todo o mundo maravilhoso da minha meninice”, na fala lírica do poeta-médico Paulo Rosa). Localização central, imediações do Mercado e da Penitenciária que, anos depois, se tornaria Escola de Medicina. O calçamento ainda não havia chegado àquele trecho da cidade. Um dos braços do Córrego das Lages – então, viçosa referência paisagística de Uberaba, ainda não soterrado em nome de questionável “modernice urbanística” -, escorria pachorrentamente por aquelas paragens em convite aberto a inofensivas peraltices dos estudantes “gazeteiros”. A moradia de Palmério e dona Cecília estava plantada no centro do vasto terreno, rodeada dos pavilhões reservados às salas de aula. O Liceu, da noite pro dia, virou Colégio e Escola Técnica de Comércio Triângulo Mineiro. Oferecia ginasial, científico, clássico e contabilidade em três turnos, além da novidade das salas mistas. As “inovações” escandalizaram os “tradicionalistas” daqueles tempos, tão submissos quanto os de agora a regras de vida rançosas. Seja anotado, a guisa de ilustração, que esse regramento dogmático das coisas costuma reproduzir-se que nem tiririca, desde que o mundo é mundo, como elemento cármico indissociável da aventura humana.

Minha gente, eu vi! Do arrojo empreendedor de Palmério nasceu um conjunto educacional opulento, sem similar (considerada a época) nos domínios da iniciativa privada.  A obra colossal foi sendo acrescida rapidamente de um punhado de Faculdades. Começando pela de Odontologia com sua policlínica de portas democraticamente escancaradas. Tudo na grandiosa empreitada suscitava compreensível admiração. E, também, um cadinho de desconfiança e ciumeira em redutos refratários a transformações sociais. “Onde é que esse cara, simples professor de Educação Física, pouco conhecido, pretende, afinal de contas, chegar com tantas “iniciativas temerárias” e esse jeito de ser ousado, rebelde a ponto de negar o indispensável tributo de vassalagem às elites dominantes?” Perguntas do gênero eram lançadas no ar em razão da impetuosidade das ações deflagradas. A acomodada paisagem citadina e regional foi sacudida com o incrementado projeto educacional pioneiro naquele momento. Uberaba tornou-se vanguardeiro polo de irradiação do ensino superior em vasto território de Minas e de Estados próximos. As conquistas foram extraordinárias. Influenciaram pra valer os hábitos comportamentais. O núcleo universitário operou como um verdadeiro laboratório de experiências sociológicas. Todos adquirimos nítida percepção do que andava rolando de totalmente novo nas atividades culturais, na política, na produção de bens de consumo, em todos os negócios comunitários, enfim.

Não saberia precisar com exatidão se Palmério quis, desde o princípio, chegar até onde chegou. O que sei é que ele enveredou, de repente, abrindo clareiras, em marcha batida de êxitos cumulativos, pelas veredas da política. Deputado Federal, liderou galhardamente grupamento partidário composto de elementos recrutados na vida acadêmica e meio operário. Comandados seus assumiram Prefeituras, assentos na Assembleia Legislativa e Câmaras Municipais, elegendo de quebra Juízes de Paz. Por conta de seus dons, entre eles o de bom tribuno, foi convocado a exercer as funções de Ministro de Estado e de Embaixador.

A invejável vocação literária aflorou durante o mandato parlamentar. Com os magníficos “Vila dos Confins” e “Chapadão do Bugre” Mário foi catapultado, pelo aplauso e reconhecimento da inteligência literária, a uma posição de inconfundível relevo na galeria dos grandes romancistas. Concederam-lhe na Academia Brasileira de Letras a cadeira que havia sido ocupada por João Guimarães Rosa. A singular capacidade de criação artística de Palmério manifestou-se ainda, pra surpresa de muitos, no plano musical. Na ocasião em que serviu como Embaixador no Paraguai, onde sua atuação foi considerada de invulgar brilhantismo, o homem notabilizou-se como autor de guarânias.  Apreciadores desse gênero musical relacionam suas composições entre as mais representativas da música popular paraguaia.

Minha gente, aqui está um pouco do que estou em condições de contar, neste minifúndio de papel (como diria o saudoso Roberto Drumond), o que testemunhei a respeito desse brasileiro genial, mineiro de Monte Carmelo, cujo centenário as letras literárias nacionais estão agora a festejar, que escolheu Uberaba como sua segunda terra natal e que nela, como em toda a região do Triângulo Mineiro, deixou vestígios inapagáveis de cintilante trajetória no processo da construção humana.



A charada de Nazca


Cesar Vanucci

 “Nazca saiu da sombra de um passado esquecido,
 para tornar-se célebre no mundo inteiro
 por seus extraordinários enigmas.”
(Simone Waisbard, escritora)

Visto do alto, da cabine do bimotor utilizado nos sobrevoos turísticos, o imponente “candelabro dos Andes”, incrustado na parte superior do imenso tabuleiro de granito da baia de Paracas, é uma sinalização muito bem feita com o claro intuito de chamar a atenção de supostos “viajantes do espaço”. Bem próximo dali, com seus incríveis bordejos pontilhados, espalhados por, aproximadamente, 500 quilômetros dos pampas desérticos, emitindo o mesmo tipo de sinalização, voltada para os céus, ficam as famosíssimas e enigmáticas linhas geométricas de Nazca. Uma charada de decifração quase impossível.

Ninguém que passe pela experiência do sobrevoo, ou mesmo se contente em utilizar, para a contemplação das pistas, os postos de observação, em pontos elevados, existentes no gigantesco sitio arqueológico, consegue conter a emoção que tudo aquilo provoca. O estado habitual dos espectadores, diante do espetáculo soberbo alcançado pelo olhar, é de puro êxtase. A visão costuma provocar lágrimas, quando não choro convulsivo.

Imersas num estado de espírito desses, entre comovidas e perplexas, as pessoas acabam se interrogando: mas, afinal de contas, o que foi mesmo que os geniais e ignotos construtores das pistas de Nazca e do “Tridente dos Andes” pretenderam deixar registrado com essa colossal “tapeçaria de pedras”, de sinalização copiosa, voltada exclusivamente e estridentemente para o alto?

O ciclópico quebra-cabeças, montado há milênios, foi produzido como? Com qual tipo de instrumentos mecânicos? Para quê? Por quem? A ideia de que representa algo correspondente a um cabo Canaveral da antiguidade remota faz sentido – como não? - para muitos. Essa conjectura remete a especulações infindáveis a respeito da suposta existência, repelida com veemência nos círculos acadêmicos, de uma astronáutica terrena, ou extraterrena, sabe-se lá, anterior à tecnologia espacial destes nossos tempos modernos. Mais uma fantástica ocorrência, de origem milenar, envolta nas brumas espessas do mistério.

Essas gigantescas figuras estilizadas de pássaros, plantas, seres envergando roupagens de astronauta para alguns, ou com aparência de “deuses” para outros; essas estranhas linhas, que lembram pistas de aterrisagem, encravadas no solo de areias lunares e rochas oxidadas da região de Nazca, no sul peruano, emitem sinais desconcertantes. E levantam interrogações sem conta. Perguntas inesgotáveis. Alguns cientistas, como é o caso notório da célebre arqueóloga francesa Maria Reiche, já falecida, com quem mantive agradável bate-papo há 30 anos, na primeira visita que fiz aos sítios arqueológicos peruanos, procuram encaminhar respostas convincentes às indagações que pipocam sem cessar, a respeito dos enigmas de Nazca. O que não é nada fácil.

O escritor J.J.Benitez (autor da fascinante saga “O cavalo de Tróia”) é de parecer que o mistério de Nazca continua de pé, desafiante. As teorias aventadas – e são muitas – coincidem em uma circunstância indiscutível: as figuras teriam sido executadas “para alguém que voava.”
Já no que concerne ao “candelabro” de Paracas, a tese defendida por Maria Belli de Leon parece ser a que melhor sintetiza as opiniões dominantes entre os estudiosos: o desenho gravado misteriosa e magneticamente na rocha direciona viajantes aéreos para as pistas de Nazca.

Uma coisa é absolutamente certa. A resposta definitiva às questões propostas pelo insondável mistério das linhas geométricas do deserto ainda está para ser dada. Se é que vai poder ser dada algum dia.


Uma maravilha 
no teto dos Andes

 Cesar Vanucci

“Um grande mistério petrificado!”
(Jacques de Lacretelli)


De volta ao Peru. É lá mesmo que os investigadores dos chamados fenômenos insólitos tropeçam, a cada momento, com alguns dos enigmas mais perturbadores deste nosso planeta azul. O foco de nossas atenções irá se concentrar agora em Machu Picchu. Localizada no teto dos Andes é considerada a “oitava maravilha do mundo”.

Estamos falando de um prodigioso complexo arquitetônico, erguido no fundo dos tempos, por toda a extensão, das fraldas à cumeeira, de um imponente maciço montanhoso da deslumbrante Cordilheira dos Andes.  Ninguém consegue explicar com precisão quais foram os recursos técnicos utilizados nas ciclópicas edificações. Para chegar até Machu Picchu a grande maioria dos turistas vale-se do transporte ferroviário. Mas não deixa de ser expressivo o contingente de pessoas, naturalmente dotadas de espírito aventureiro e bom preparo físico, que se embrenha, todos os dias, pelas chamadas trilhas sagradas na direção da “cidade perdida dos Incas”.

O trem que a gente pega em Cuzco serpenteia por paisagens de lindeza estonteante. A viagem dura mais ou menos seis horas. Os caminhantes, com seus pendores para o montanhismo, demoram de quatro a seis dias para cobrir a jornada, extenuante, mas repleta de fascínios. Uns e outros, carregando prazerosas emoções, que se vão acumulando na incessante contemplação de cenários de mágica beleza, se defrontam, no final do trajeto, com um espetáculo difícil de descrever em palavras. Machu Picchu esmaga. Extasia. Costuma arrancar lágrimas, quando não soluços. Não há como resistir ao seu encantamento.

Alcançamos o topo da montanha, após haver percorrido as diversas plataformas que abrigam incríveis muralhas e áreas presumivelmente dedicadas, em tempos imemoriais, a cultivo agrícola. De onde nos encontramos dá pra avistar um conjunto soberbo de montanhas, várias recobertas de neve. O olhar alcança, também, lá embaixo, quase ao nível da gare ferroviária do sopé da montanha, um fio prateado que avança por interminável desfiladeiro. É o célebre rio Urubamba, que nasce no alto dos Andes, atravessa o Vale dos Reis, onde engenheiros de tempos antiquíssimos represaram-no de forma impecável, de molde a causar espanto e deixar maravilhados seus colegas de profissão dos tempos de agora, indo despejar suas águas, centenas de quilômetros adiante, no Amazonas.

Do que está sendo retratado parece emanar um convite indeclinável à genuflexão. O impacto é muito forte. A mente é tomada por fervilhantes reflexões. As interrogações jorram. O que vem a ser, afinal de contas, tudo isso? Quem foram os construtores desse portento de engenharia dir-se-á sobre-humana? Quem habitou Machu Picchu? Quando? Quais – voltamos a perguntar - os recursos tecnológicos empregados na ciclópica empreitada?

Admitamos, para argumentar apenas, sejam procedentes as informações de alguns historiadores, que insistem em apresentar os incas dos tempos da colonização como os construtores da cidade. Como entender, a partir daí, que esses mesmos nativos, que somavam, de acordo com historiadores, milhões de criaturas à época da invasão espanhola, executada por uma legião numericamente insignificante de militares-aventureiros, se revelassem tão despreparados militarmente para enfrentar os vorazes e implacáveis conquistadores de suas cidades, terras e riquezas?

Foi em julho de 1911 que Hiram Bingham, apontado nos compêndios como “descobridor” dessa maravilha arquitetônica, seguindo roteiro traçado por peruanos conhecedores do complexo incrustado na montanha conhecida por Machu Picchu, divulgou para o mundo, além das fronteiras daquele país andino, a existência das colossais edificações. Nascia ali uma prodigiosa saga, vastamente explorada pelos estudiosos de civilizações desaparecidas, que crivaram o fabuloso achado arqueológico de interpretações as mais variadas e imaginosas, numa disputa que se arrasta até os dias de hoje. Jacques de Lacretelli resume a lendária história de Machu Picchu numa frase: “Um grande mistério petrificado.”



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