sexta-feira, 22 de julho de 2016

Privatização malograda

Cesar Vanucci

“Modelo de privatização da Telebrás separou o filé do osso”
(Marcos Dantas, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro)

O colapso da OI, nossa maior operadora de telecomunicações, aglutinando mais de 70 milhões de clientes, acabou sendo relegado a plano secundário no foco das preocupações nacionais em decorrência do volume anormal das ocorrências perturbadoras na vida política. Mas não era para ser assim. Esse inesperado pedido de recuperação judicial é de molde a sacudir pra valer o setor em que a empresa atua, com reflexos consideráveis na atividade econômica.

Quando se dá conta das proporções colossais da dívida anunciada – vejam bem, 65 bilhões de reais – a opinião pública se pergunta, aturdida, como foi que os gestores da organização surgida em razão de uma privatização cantada em verso e prosa de respeitável patrimônio estatal, a Telemar, conseguiram produzir desfecho tão indigesto? A explicação mais consentânea com a realidade dos fatos, extraída de avaliações divulgadas por especialistas na área econômica, é a de Samuel Possebon do site “Teletime News”. Foi divulgada em reportagem de capa, edição número 907, da “CartaCapital”. O trabalho proclama, com todas as letras, pontos e vírgulas, que “a supertele foi depredada”, isso aí. Atendendo a interesses pessoais e políticos dos acionistas desde a privatização, “é a mais recente vítima do capitalismo de compadrio”. Aquele tipo manjado de  “capitalismo” que recolhe inspiração na premissa de que o lucro deve ser privatizado e o prejuízo socializado.

É oportuno conhecer, a propósito do assunto, o ponto de vista de Marcos Dantas, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Criticando com veemência o modelo de privatização da Telebrás adotado no Governo FHC, ele o associa ao rotundo fracasso da empreitada empresarial da OI. Esclarece que o modelo brasileiro, diferentemente do que se adotou em privatizações melhormente sucedidas noutros países, favoreceu a investidores interessados apenas no filé, não no osso do negócio. O fracasso da experiência decorreu, em primeiro lugar, da falta de aporte de recursos financeiros externos.  Os investidores nacionais e estrangeiros, espertamente, lançaram mão dos fluxos de caixa existentes nas estatais privatizadas à moda da casa. Foi a fórmula “criativa” encontrada para financiamento dos “investimentos”. E, não nos esqueçamos, recorreram também, ávidos, à reconhecida generosidade do BNDEs. Tal tipo maroto de operação negocial deu causa a uma volumosa transferência de recursos daqui para o exterior. Tudo transcorreu, o tempo todo, ao gosto dos acionistas controladores. Acionistas esses que congregam em suas afortunadas fileiras nomes muitíssimos conhecidos de outros carnavais. Alguns deles, políticos e banqueiros, citados com frequência noutros rolos negociais.

A Anatel, agência reguladora na esfera das telecomunicações, está com um tremendo pepino para descascar, anota Samuel Possebon. Esse órgão governamental assumiu no imbróglio da OI, cumulativamente, funções de regulador, credor, fiscalizador e de buscador de uma solução. A concordatária deve-lhe a bagatela de 10 bilhões. A dívida da OI com bancos públicos eleva-se a mais de 8 bilhões. Já os grandes investidores, esses aí, não estão sendo, por hora pelo menos, nem um tiquinho incomodados pelas proezas executadas através de seus sucessivos rearranjos societários, fusões e quejandos. Ora, veja, pois!

Êta mundo bom!

Cesar Vanucci

“As delações (...) devem ser acolhidas com critério,  exigindo-se a comprovação dos fatos revelados”.
(Álvaro Dias, Senador da República)


O título do comentário, extraído de telenovela de sucesso, foi sugerido por uma leitora declarando-se inconformada com certas concessões dadas pelo Judiciário a alguns caras emaranhados nas teias da Lava-Jato. Elementos que andaram optando pela delação premiada que tantas controvérsias suscita no meio jurídico.

A sombra boa e água fresca asseguradas a esses mafiosos, apoderados de repentino e suspeitoso arrependimento, confessando-se dispostos a dedurar comparsas das malvadezas cometidas e outros presumíveis protagonistas de atos delituosos, vem dando pano pra manga. A opinião pública, de um modo geral, acolhe com perceptível desconforto as notícias a respeito de algumas liberalidades insertas nos acordos firmados. Parece-lhe que, em numerosos casos relatados pela mídia, a delação vem se mostrando para seus autores, medidas e pesadas todas as circunstâncias, bastante compensatória. Eles acabam, afinal de contas, sendo premiados com mordomias que não lhes impede o acesso a um padrão de vida pode-se classificar de edulcorado. O “dolce far niente” prevalece mesmo com a obrigatoriedade do uso das tornozeleiras eletrônicas, por sinal em falta nas repartições competentes... Para muitos juristas, a situação apontada é de molde a recomendar uma reavaliação na sistemática da delação premiada.

De outra parte, os metódicos e estratégicos vazamentos seletivos, até aqui, inexplicavelmente sem identificação de paternidade, são itens do mesmo processo merecedores de atenção acurada.  Um outro ponto no esquema também faz jus, segundo a avaliação de juristas conceituados, a estudos aprofundados. Existe o pressuposto, perfeitamente válido, de que a denominada delação premiada favorece, sob determinados aspectos, a agilização das investigações, tendo ainda o mérito de evitar a prescrição de crimes. Converte-se, por conseguinte, em instrumento bastante valioso na ação saneadora da Justiça. Nada a objetar quanto a isso.

Mas é imperioso guardar, pondera-se, cautela e prudência quanto à divulgação do conteúdo dos depoimentos. É preciso impedir, a todo custo, que pessoas inocentes se tornem alvo de agravos, de condenações sem culpa reconhecida no cartório. O que foi dito, recentemente, pelo senador do PV (Partido Verde) Álvaro Dias, a propósito de tão momentosa questão, reveste-se de bom senso e propriedade: “As delações são costumeiramente compostas de verdades absolutas, meias verdades e algumas mentiras escancaradas, portanto devem ser acolhidas com critério, exigindo-se a comprovação dos fatos revelados”.


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