Privatização
malograda
Cesar Vanucci
“Modelo de privatização da Telebrás
separou o filé do osso”
(Marcos
Dantas, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro)
O colapso da OI, nossa maior operadora
de telecomunicações, aglutinando mais de 70 milhões de clientes, acabou sendo
relegado a plano secundário no foco das preocupações nacionais em decorrência
do volume anormal das ocorrências perturbadoras na vida política. Mas não era
para ser assim. Esse inesperado pedido de recuperação judicial é de molde a
sacudir pra valer o setor em que a empresa atua, com reflexos consideráveis na
atividade econômica.
Quando se dá conta das proporções
colossais da dívida anunciada – vejam bem, 65 bilhões de reais – a opinião
pública se pergunta, aturdida, como foi que os gestores da organização surgida
em razão de uma privatização cantada em verso e prosa de respeitável patrimônio
estatal, a Telemar, conseguiram produzir desfecho tão indigesto? A explicação
mais consentânea com a realidade dos fatos, extraída de avaliações divulgadas
por especialistas na área econômica, é a de Samuel Possebon do site “Teletime
News”. Foi divulgada em reportagem de capa, edição número 907, da
“CartaCapital”. O trabalho proclama, com todas as letras, pontos e vírgulas,
que “a supertele foi depredada”, isso aí. Atendendo a interesses pessoais e
políticos dos acionistas desde a privatização, “é a mais recente vítima do
capitalismo de compadrio”. Aquele tipo manjado de “capitalismo” que recolhe inspiração na
premissa de que o lucro deve ser privatizado e o prejuízo socializado.
É oportuno conhecer, a propósito do
assunto, o ponto de vista de Marcos Dantas, professor da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Criticando com veemência o modelo de privatização da
Telebrás adotado no Governo FHC, ele o associa ao rotundo fracasso da
empreitada empresarial da OI. Esclarece que o modelo brasileiro, diferentemente
do que se adotou em privatizações melhormente sucedidas noutros países,
favoreceu a investidores interessados apenas no filé, não no osso do negócio. O
fracasso da experiência decorreu, em primeiro lugar, da falta de aporte de
recursos financeiros externos. Os
investidores nacionais e estrangeiros, espertamente, lançaram mão dos fluxos de
caixa existentes nas estatais privatizadas à moda da casa. Foi a fórmula
“criativa” encontrada para financiamento dos “investimentos”. E, não nos
esqueçamos, recorreram também, ávidos, à reconhecida generosidade do BNDEs. Tal
tipo maroto de operação negocial deu causa a uma volumosa transferência de
recursos daqui para o exterior. Tudo transcorreu, o tempo todo, ao gosto dos
acionistas controladores. Acionistas esses que congregam em suas afortunadas
fileiras nomes muitíssimos conhecidos de outros carnavais. Alguns deles,
políticos e banqueiros, citados com frequência noutros rolos negociais.
A Anatel, agência reguladora na esfera
das telecomunicações, está com um tremendo pepino para descascar, anota Samuel
Possebon. Esse órgão governamental assumiu no imbróglio da OI, cumulativamente,
funções de regulador, credor, fiscalizador e de buscador de uma solução. A
concordatária deve-lhe a bagatela de 10 bilhões. A dívida da OI com bancos
públicos eleva-se a mais de 8 bilhões. Já os grandes investidores, esses aí,
não estão sendo, por hora pelo menos, nem um tiquinho incomodados pelas proezas
executadas através de seus sucessivos rearranjos societários, fusões e
quejandos. Ora, veja, pois!
Êta mundo bom!
Cesar
Vanucci
“As
delações (...) devem ser acolhidas com critério, exigindo-se a comprovação dos fatos
revelados”.
(Álvaro Dias, Senador da República)
O
título do comentário, extraído de telenovela de sucesso, foi sugerido por uma
leitora declarando-se inconformada com certas concessões dadas pelo Judiciário
a alguns caras emaranhados nas teias da Lava-Jato. Elementos que andaram
optando pela delação premiada que tantas controvérsias suscita no meio jurídico.
A
sombra boa e água fresca asseguradas a esses mafiosos, apoderados de repentino
e suspeitoso arrependimento, confessando-se dispostos a dedurar comparsas das
malvadezas cometidas e outros presumíveis protagonistas de atos delituosos, vem
dando pano pra manga. A opinião pública, de um modo geral, acolhe com
perceptível desconforto as notícias a respeito de algumas liberalidades
insertas nos acordos firmados. Parece-lhe que, em numerosos casos relatados
pela mídia, a delação vem se mostrando para seus autores, medidas e pesadas
todas as circunstâncias, bastante compensatória. Eles acabam, afinal de contas,
sendo premiados com mordomias que não lhes impede o acesso a um padrão de vida
pode-se classificar de edulcorado. O “dolce far niente” prevalece mesmo com a
obrigatoriedade do uso das tornozeleiras eletrônicas, por sinal em falta nas
repartições competentes... Para muitos juristas, a situação apontada é de molde
a recomendar uma reavaliação na sistemática da delação premiada.
De
outra parte, os metódicos e estratégicos vazamentos seletivos, até aqui,
inexplicavelmente sem identificação de paternidade, são itens do mesmo processo
merecedores de atenção acurada. Um outro
ponto no esquema também faz jus, segundo a avaliação de juristas conceituados,
a estudos aprofundados. Existe o pressuposto, perfeitamente válido, de que a
denominada delação premiada favorece, sob determinados aspectos, a agilização
das investigações, tendo ainda o mérito de evitar a prescrição de crimes.
Converte-se, por conseguinte, em instrumento bastante valioso na ação saneadora
da Justiça. Nada a objetar quanto a isso.
Mas
é imperioso guardar, pondera-se, cautela e prudência quanto à divulgação do
conteúdo dos depoimentos. É preciso impedir, a todo custo, que pessoas
inocentes se tornem alvo de agravos, de condenações sem culpa reconhecida no
cartório. O que foi dito, recentemente, pelo senador do PV (Partido Verde) Álvaro
Dias, a propósito de tão momentosa questão, reveste-se de bom senso e
propriedade: “As delações são costumeiramente compostas de verdades absolutas,
meias verdades e algumas mentiras escancaradas, portanto devem ser acolhidas
com critério, exigindo-se a comprovação dos fatos revelados”.
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