Motivações e
desdobramentos
Cesar Vanucci
“Com o impeachment vencemos uma
etapa da crise. Outras etapas nos
espreitam.”
(Domingos
Justino Pinto, professor)
Consummatum est. O processo do
impeachment, beirando quase um ano de duração, chegou ao previsível desfecho.
Dilma Rousseff foi afastada definitivamente da Presidência.
Salta aos olhos que o implacável veredicto
dos senadores, tal qual ocorreu na decisão dos deputados, baseou-se no
“conjunto da obra”, como se convencionou dizer. Não nas assim chamadas
“pedaladas fiscais”, arguidas no libelo acusatório submetido à apreciação
parlamentar. A condução do caso prosperou num clima revelador de algo
inimaginável, se levarmos em conta a situação política vigente no período das
eleições de 2014. A suprema mandatária viu-se, em dado momento,
por força de um turbilhão de fatos, inteiramente despojada das condições de
governabilidade. Isso ficou evidenciado com clareza solar em manifestações
populares de inequívoco desagrado com relação aos métodos de atuação adotados por
Dilma e colaboradores diretos à frente dos negócios da Nação. As chocantes
revelações trazidas a lume nas investigações da Lava-Jato agregaram
ingredientes de preponderante influência na formação de um estado de espírito
comunitário pontilhado de inconformismo e indignação. Adveio daí célere
deterioração da credibilidade governamental no conceito das ruas, com
desdobramentos que produziram sérias consequências. Paralelamente, já às voltas
com as intempéries da crise econômica internacional, a atividade produtiva deu
sinais de preocupante declínio. O ímpeto empreendedor brasileiro perdeu embalo.
Espalhou-se, de certa forma, o desassossego social.
Esse caldo de cultura compôs cenário
propício para que a tese do impedimento vingasse. A notória inabilidade
política tornou Dilma vulnerável às articulações belicosas dos adversários,
respaldadas numa mídia com estridente participação no esquema de questionamento
crítico de suas ações. Desacreditada, até mesmo em seus próprios domínios, pouco
afeiçoada ao diálogo, cercada de colaboradores ineficientes ou inconfiáveis,
como mostrado à saciedade num sem número de desconcertantes episódios, a
governante afastada não conseguiu articular a base de apoio político necessário
à sua permanência no cargo para o qual se reelegeu. A degola aconteceu - repita-se
– pelo “conjunto da obra”, repleta de defeitos e inconsistências, e não em
razão dos pretextos invocados na acusação formal, insuficientes como matéria
probatória numa questão de tamanha magnitude. E nem é o caso, a propósito, de invocar os precedentes dos atos assemelhados
praticados por ex-presidentes e ex-governadores sem qualquer vislumbre de
crítica ou condenação por parte de órgãos controladores da execução
orçamentária.
Não há negar que as turbulências do
momento atingem em cheio o sistema político como um todo. Volumosos são os
desafios da era “pós-impeachment”. Requer-se muita lucidez, muita cabeça fria,
muita serenidade, muito bom senso, muita sensibilidade política para
enfrentá-los. A coligação de forças responsável pela continuidade do mandato de
quatro anos é constituída de um mundaréu de dirigentes que foram parceiros ativos,
influentes, do grupo político que deixa o palco. Não há também como desconhecer
que essa parceria funcionou a pleno vapor, tanto nos acertos das políticas
sociais levadas avante, quanto em condenáveis malfeitos representados por
esquema corrupto de financiamento partidário; por maracutaias afloradas em
investigações que deixaram explícito o relacionamento pouco republicano, nada
ético, carregado de repulsivas barganhas fisiológicas, entre o Executivo e
membros do Legislativo. E, ainda, no compartilhamento dos desvios criminosos decorrentes
das sobretaxas cobradas por empreiteiros inidôneos, com conivência de
executivos irresponsáveis, nos contratos de obras, com ênfase para o que rolou na
esfera de atuação da Petrobras.
A opinião pública não é ingênua, como alguns
imaginam, a ponto de engolir a pílula de que esse incrível fatiamento
verificado na votação do Senado que aprovou o impeachment foi armado com o
propósito (“humanitário”, ousou-se dizer) de favorecer exclusivamente a
presidente afastada. A leitura correta a extrair do desnorteante gesto é de que
tudo não passou de um jogo de cena ardiloso. Foi tramado nos bastidores com
contribuição valiosa de paredros de tudo quanto é facção partidária. Mesmo das
que, farisaicamente, saíram a público para criticar a “astuciosa jogada”. O que
se visou – parar com a enganação - foi a criação de precedente capaz, adiante, de
aliviar a barra de outros próceres políticos na alça de mira da Justiça.
Chama atenção, igualmente, outra amostra
de artimanha de bastidores. Como se recorda, alguns pontos juridicamente
controversos nas “delações premiadas” na saneadora Lava-Jato foram objeto há
tempos de críticas, muito mal acolhidas, por sinal, pela mídia. Eles voltam
agora a ser focados com redobrada força, numa configuração diferenciada em
termos de aceitação midiática. E na justa e sugestiva hora em que os tais “vazamentos
seletivos” começam a contemplar também personagens de falanges partidárias que vinham
posando no quadro da corrupção, como acusadores e cidadãos acima de qualquer
suspeita. Ora, veja, pois!
Fechando o papo. O sentimento nacional sabe
bem o que quer. Expressa com firmeza o desejo de que as lideranças brasileiras,
em todas as esferas de atuação, encontrem logo o caminho da retomada do
desenvolvimento econômico e social, sem concessões no combate, doa a quem doer,
à corrupção. Alimenta a esperança de que um sopro possante de energia nova, de
ideias novas, possa emergir dos corações e das mentes dessas lideranças, sacudindo
pra valer as estruturas da vida política e administrativa de modo a que o
Brasil consiga completar seu destino de grandeza.
Aids: ação brasileira louvada
Cesar
Vanucci
“O Brasil é
dos poucos países a aplicar
recursos
domésticos no combate à doença.”
(Relatório do Unaids)
A atuação
brasileira no combate a epidemia da Aids vem sendo objeto de louvores por parte
de organizações internacionais. Essas organizações concentram informações
atualizadas a respeito das várias frentes de trabalho abertas nos diversos continentes
com vistas ao enfrentamento da questão.
No
relatório “Lacunas na Prevenção”, trazido a lume recentemente pelo Programa
Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids), são sublinhados os apreciáveis
avanços registrados em matéria de profilaxia pré-exposição, denominada pelos
cientistas de PrEP, em desdobramento no Brasil. As referências feitas abrangem
ainda outros itens relevantes apropriados pelas políticas de saúde pública,
como o projeto-piloto para auto testes de HIV e os investimentos destinados à
prevenção junto às assim chamadas “populações-chave”.
O realce
conferido ao Brasil, que constitui obviamente motivo de envaidecimento para
nossos cientistas e autoridades no campo da saúde, decorre do reconhecimento de
que somos, no panorama internacional, um dos poucos países a aplicar recursos
próprios no combate à enfermidade. O Unaids anota que, enquanto noutras partes
do mundo o volume de recursos carreados em prevenção junto ao público
prioritário promana de fundos instituídos por organizações internacionais, o
Brasil, acompanhado de outros poucos países, o México entre eles, vale-se essencialmente
de financiamentos domésticos para incrementar suas ações preventivas, item
considerado pilar fundamental nas respostas científicas ao HIV, segundo a
supracitada entidade.
Os
especialistas do Unaids chamam também a atenção, de forma enfática, para mais
um dado precioso na política preventiva. Os serviços públicos de saúde do
Brasil, que garantem acesso universal à população, têm atuado também como grandes
facilitadores na implementação da PrEP, graças à intensa gama de serviços de
prevenção e cuidados assistenciais já disponíveis favorecendo cidadãos incluídos
nos chamados “grupos de risco”.
Outro ponto
ressaltado no desempenho brasileiro diz respeito à prática do auto teste de HIV.
O procedimento dispensa a necessidade de ajuda de profissional do setor da
assistência médica. Menção especial é feita a projeto-piloto de auto testes executado
em Curitiba envolvendo grupos mais diretamente expostos aos riscos de
contaminação. O Brasil, o Chile e Barbados são mencionados como regiões onde as
políticas de saúde pública lograram alcançar níveis bastante satisfatórios de
supressão viral entre pessoas diagnosticadas com o HIV e em processo de
tratamento pelos métodos terapêuticos tidos no momento como os de maior
eficácia. A supressão viral constitui outro dos pilares fundamentais das metas
fixadas pelo Unaids para conter a epidemia da Aids até 2030. Essas metas fazem
parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável perseguidos pelo órgão com a cooperação de dezenas de
outras entidades internacionais, entre elas a ONU, a OIT, a Unesco, a Unicef, a
OMS e o Banco Mundial.
O Brasil é mais
uma vez louvado pela posição assumida no fornecimento generalizado de
preservativos. Trata-se da vertente mais difundida, na programação de combate a
Aids recomendada pelo Unaids, do leque terapêutico oferecido e que se
convencionou chamar de “prevenção combinada”. O relatório lembra ainda que os
serviços públicos de saúde brasileiros são dos poucos, no mundo inteiro, a oferecerem graciosamente
preservativos femininos. Explicando que a quebra de barreiras discriminatórias
tem peso considerável nas estratégias de combate à doença, já que empodera
populações chave, quebra preconceitos e discriminações e abre caminhos para
que, cada vez mais, o público alvo se aproxime dos serviços de saúde, o estudo enaltece
novamente o Brasil pela posição vanguardeira assumida no plano dos direitos
humanos ao permitir a união civil estável entre pessoas do mesmo sexo.
Sendo o
país mais populoso da América Latina, o Brasil é o que mais concentra casos de
infecções pelo HIV. Mesmo assim, em consequência das políticas preventivas
adotadas, somos o que apresenta menor
índice de aumento constante na região. Em 2015 o indicador foi de 4%, enquanto
no México e Panamá o índice foi de 8%, no Chile de 6% e em outros países do
hemisfério chegou a alcançar incremento superior a 20%.
Um comentário:
Excelente! Sou fã. Rogerio Zola Santiago
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