sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Motivações e desdobramentos

Cesar Vanucci

“Com o impeachment vencemos uma
etapa da crise. Outras etapas nos espreitam.”
(Domingos Justino Pinto, professor)

Consummatum est. O processo do impeachment, beirando quase um ano de duração, chegou ao previsível desfecho. Dilma Rousseff foi afastada definitivamente da Presidência.

Salta aos olhos que o implacável veredicto dos senadores, tal qual ocorreu na decisão dos deputados, baseou-se no “conjunto da obra”, como se convencionou dizer. Não nas assim chamadas “pedaladas fiscais”, arguidas no libelo acusatório submetido à apreciação parlamentar. A condução do caso prosperou num clima revelador de algo inimaginável, se levarmos em conta a situação política vigente no período das eleições de 2014.   A suprema mandatária viu-se, em dado momento, por força de um turbilhão de fatos, inteiramente despojada das condições de governabilidade. Isso ficou evidenciado com clareza solar em manifestações populares de inequívoco desagrado com relação aos métodos de atuação adotados por Dilma e colaboradores diretos à frente dos negócios da Nação. As chocantes revelações trazidas a lume nas investigações da Lava-Jato agregaram ingredientes de preponderante influência na formação de um estado de espírito comunitário pontilhado de inconformismo e indignação. Adveio daí célere deterioração da credibilidade governamental no conceito das ruas, com desdobramentos que produziram sérias consequências. Paralelamente, já às voltas com as intempéries da crise econômica internacional, a atividade produtiva deu sinais de preocupante declínio. O ímpeto empreendedor brasileiro perdeu embalo. Espalhou-se, de certa forma, o desassossego social.

Esse caldo de cultura compôs cenário propício para que a tese do impedimento vingasse. A notória inabilidade política tornou Dilma vulnerável às articulações belicosas dos adversários, respaldadas numa mídia com estridente participação no esquema de questionamento crítico de suas ações. Desacreditada, até mesmo em seus próprios domínios, pouco afeiçoada ao diálogo, cercada de colaboradores ineficientes ou inconfiáveis, como mostrado à saciedade num sem número de desconcertantes episódios, a governante afastada não conseguiu articular a base de apoio político necessário à sua permanência no cargo para o qual se reelegeu. A degola aconteceu - repita-se – pelo “conjunto da obra”, repleta de defeitos e inconsistências, e não em razão dos pretextos invocados na acusação formal, insuficientes como matéria probatória numa questão de tamanha magnitude. E nem é o caso, a propósito, de  invocar os precedentes dos atos assemelhados praticados por ex-presidentes e ex-governadores sem qualquer vislumbre de crítica ou condenação por parte de órgãos controladores da execução orçamentária.

Não há negar que as turbulências do momento atingem em cheio o sistema político como um todo. Volumosos são os desafios da era “pós-impeachment”. Requer-se muita lucidez, muita cabeça fria, muita serenidade, muito bom senso, muita sensibilidade política para enfrentá-los. A coligação de forças responsável pela continuidade do mandato de quatro anos é constituída de um mundaréu de dirigentes que foram parceiros ativos, influentes, do grupo político que deixa o palco. Não há também como desconhecer que essa parceria funcionou a pleno vapor, tanto nos acertos das políticas sociais levadas avante, quanto em condenáveis malfeitos representados por esquema corrupto de financiamento partidário; por maracutaias afloradas em investigações que deixaram explícito o relacionamento pouco republicano, nada ético, carregado de repulsivas barganhas fisiológicas, entre o Executivo e membros do Legislativo. E, ainda, no compartilhamento dos desvios criminosos decorrentes das sobretaxas cobradas por empreiteiros inidôneos, com conivência de executivos irresponsáveis, nos contratos de obras, com ênfase para o que rolou na esfera de atuação da Petrobras.

A opinião pública não é ingênua, como alguns imaginam, a ponto de engolir a pílula de que esse incrível fatiamento verificado na votação do Senado que aprovou o impeachment foi armado com o propósito (“humanitário”, ousou-se dizer) de favorecer exclusivamente a presidente afastada. A leitura correta a extrair do desnorteante gesto é de que tudo não passou de um jogo de cena ardiloso. Foi tramado nos bastidores com contribuição valiosa de paredros de tudo quanto é facção partidária. Mesmo das que, farisaicamente, saíram a público para criticar a “astuciosa jogada”. O que se visou – parar com a enganação - foi a criação de precedente capaz, adiante, de aliviar a barra de outros próceres políticos na alça de mira da Justiça.

Chama atenção, igualmente, outra amostra de artimanha de bastidores. Como se recorda, alguns pontos juridicamente controversos nas “delações premiadas” na saneadora Lava-Jato foram objeto há tempos de críticas, muito mal acolhidas, por sinal, pela mídia. Eles voltam agora a ser focados com redobrada força, numa configuração diferenciada em termos de aceitação midiática. E na justa e sugestiva hora em que os tais “vazamentos seletivos” começam a contemplar também personagens de falanges partidárias que vinham posando no quadro da corrupção, como acusadores e cidadãos acima de qualquer suspeita. Ora, veja, pois!

Fechando o papo. O sentimento nacional sabe bem o que quer. Expressa com firmeza o desejo de que as lideranças brasileiras, em todas as esferas de atuação, encontrem logo o caminho da retomada do desenvolvimento econômico e social, sem concessões no combate, doa a quem doer, à corrupção. Alimenta a esperança de que um sopro possante de energia nova, de ideias novas, possa emergir dos corações e das mentes dessas lideranças, sacudindo pra valer as estruturas da vida política e administrativa de modo a que o Brasil consiga completar seu destino de grandeza.


Aids: ação brasileira louvada

Cesar Vanucci

“O Brasil é dos poucos países a aplicar
recursos domésticos no combate à doença.”
(Relatório do Unaids)


A atuação brasileira no combate a epidemia da Aids vem sendo objeto de louvores por parte de organizações internacionais. Essas organizações concentram informações atualizadas a respeito das várias frentes de trabalho abertas nos diversos continentes com vistas ao enfrentamento da questão.

No relatório “Lacunas na Prevenção”, trazido a lume recentemente pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids), são sublinhados os apreciáveis avanços registrados em matéria de profilaxia pré-exposição, denominada pelos cientistas de PrEP, em desdobramento no Brasil. As referências feitas abrangem ainda outros itens relevantes apropriados pelas políticas de saúde pública, como o projeto-piloto para auto testes de HIV e os investimentos destinados à prevenção junto às assim chamadas “populações-chave”.

O realce conferido ao Brasil, que constitui obviamente motivo de envaidecimento para nossos cientistas e autoridades no campo da saúde, decorre do reconhecimento de que somos, no panorama internacional, um dos poucos países a aplicar recursos próprios no combate à enfermidade. O Unaids anota que, enquanto noutras partes do mundo o volume de recursos carreados em prevenção junto ao público prioritário promana de fundos instituídos por organizações internacionais, o Brasil, acompanhado de outros poucos países, o México entre eles, vale-se essencialmente de financiamentos domésticos para incrementar suas ações preventivas, item considerado pilar fundamental nas respostas científicas ao HIV, segundo a supracitada entidade.

Os especialistas do Unaids chamam também a atenção, de forma enfática, para mais um dado precioso na política preventiva. Os serviços públicos de saúde do Brasil, que garantem acesso universal à população, têm atuado também como grandes facilitadores na implementação da PrEP, graças à intensa gama de serviços de prevenção e cuidados assistenciais já disponíveis favorecendo cidadãos incluídos nos chamados “grupos de risco”.

Outro ponto ressaltado no desempenho brasileiro diz respeito à prática do auto teste de HIV. O procedimento dispensa a necessidade de ajuda de profissional do setor da assistência médica. Menção especial é feita a projeto-piloto de auto testes executado em Curitiba envolvendo grupos mais diretamente expostos aos riscos de contaminação. O Brasil, o Chile e Barbados são mencionados como regiões onde as políticas de saúde pública lograram alcançar níveis bastante satisfatórios de supressão viral entre pessoas diagnosticadas com o HIV e em processo de tratamento pelos métodos terapêuticos tidos no momento como os de maior eficácia. A supressão viral constitui outro dos pilares fundamentais das metas fixadas pelo Unaids para conter a epidemia da Aids até 2030. Essas metas fazem parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável perseguidos  pelo órgão com a cooperação de dezenas de outras entidades internacionais, entre elas a ONU, a OIT, a Unesco, a Unicef, a OMS e o Banco Mundial.

O Brasil é mais uma vez louvado pela posição assumida no fornecimento generalizado de preservativos. Trata-se da vertente mais difundida, na programação de combate a Aids recomendada pelo Unaids, do leque terapêutico oferecido e que se convencionou chamar de “prevenção combinada”. O relatório lembra ainda que os serviços públicos de saúde brasileiros são  dos poucos, no mundo inteiro, a oferecerem graciosamente preservativos femininos. Explicando que a quebra de barreiras discriminatórias tem peso considerável nas estratégias de combate à doença, já que empodera populações chave, quebra preconceitos e discriminações e abre caminhos para que, cada vez mais, o público alvo se aproxime dos serviços de saúde, o estudo enaltece novamente o Brasil pela posição vanguardeira assumida no plano dos direitos humanos ao permitir a união civil estável entre pessoas do mesmo sexo.


Sendo o país mais populoso da América Latina, o Brasil é o que mais concentra casos de infecções pelo HIV. Mesmo assim, em consequência das políticas preventivas adotadas, somos o que  apresenta menor índice de aumento constante na região. Em 2015 o indicador foi de 4%, enquanto no México e Panamá o índice foi de 8%, no Chile de 6% e em outros países do hemisfério chegou a alcançar incremento superior a 20%.



Um comentário:

Unknown disse...

Excelente! Sou fã. Rogerio Zola Santiago

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