Deu mesmo a
louca...
Cesar Vanucci
“Como sabes que a Terra não é o
inferno de um outro planeta?”
(Aldous Huxley)
Adeptos das teorias conspiratórias
sustentam que tudo aquilo que vai ser lido na sequência faz parte de um gênero
de ocorrências singulares derivadas de uma circunstância sinistra: absorção
pelo organismo de partículas de estrôncio lançadas na atmosfera. Mas eles não
sabem dizer quem faz isso e nem quais são os intuitos da inverossímil ação. Tá
na cara que a tese não encontra aceitação no entendimento das ruas.
Mas um mundo de gente admite que,
realmente, coisas assustadoramente estranhas andam pintando ultimamente no
pedaço, numa escala de incomum intensidade. São incidentes insanos, de feição
danada de inusitada. Episódios pontuais que explodem de repente, alvejando na
base da tocaia a rotina tranquila das pessoas comuns. Produzem espanto e
sobressaltos duradouros.
Não, do que se está falando aqui, não
são daquelas tragédias, descomunais nas proporções, que enchem de inquietação
bilhões de criaturas, criadas pela proverbial insensatez humana. Tragédias que
parecem, às vezes, convalidar conceito desconcertante de Aldous Huxley, quando
lembra que a Terra poderia ser, talvez, o inferno, citado nas narrativas
bíblicas, de outro planeta povoado. O
objeto de atenção são aquelas tragédias da esquina; da casa, da rua, do bairro
em que a gente mora; ou daquele lugar que costumamos frequentar com amigos.
Acontece que esses “BO.s”, de características pode se dizer inéditas e
macabras, vão se tornando, nestes tempos amalucados, alarmantemente constantes.
Alinhamos abaixo fatos extraídos do
recente noticiário nosso de cada dia.
A inocente jovem, de origem humilde,
estava prestes a dar à luz. Um bando criminoso sequestrou-a e assassinou-a com
perversos requintes. Arrancou de seu ventre a criança para entregá-la à autora
intelectual da bárbara trama. A dita cuja vinha simulando para o companheiro e
familiares estar grávida, arquitetando tudo com o objetivo maquiavélico de
poder exibir a criança como sua filha recém-nascida.
O vídeo na internet capta imagens
arrepiantes em matéria de virulência racista. Numa praia, pedaço de chão que a
Natureza dadivosamente reservou para amplas confraternizações ecumênicas e
democráticas, a mulher branca, abonada financeiramente, apronta o maior
escarcéu. Soltando fogo pelas ventas, espumando ódio pela boca, bota pra fora,
numa saraivada de impropérios, seu inconformismo. Tudo por causa da “presença
acintosa, incômoda”, próxima ao “espaço” escolhido para o lazer de seus dignos
familiares, de algumas pessoas de cor negra, “gente que não aprende nunca a conhecer
seu lugar”...
Nessa outra ocorrência aqui, um homem
sobre quem pesava ligeira suspeita de pedofilia foi encontrado perto de sua
casa com a cabeça separada do corpo.
Revoltante caso de pedofilia, bem
documentado, envolveu um coronel da Polícia Militar carioca, presidente da
Caixa Beneficente da corporação. O cara foi flagrado por subordinados – pasmo
dos pasmos! – na prática de atos libidinosos com criança de dois anos de idade.
Comparsa sua incumbia-se, há tempos, de “selecionar” meninas dessa faixa etária
para que ele pudesse satisfazer seus bestiais instintos.
Uma câmera indiscreta, instalada pelo
caseiro de um sítio, pilhou ex-senador da República pelo Estado de Tocantins em
práticas assemelhadas. As vítimas eram menores de cinco e seis anos. Enquanto
isso, noutra região do norte do país, a filha de individuo detentor de elevado
cargo na segurança pública viu-se compelida, tal a suprema gravidade do ato
cometido pelo genitor, a denunciá-lo. Ele havia estuprado neta de menor idade.
O tema estupro rendeu, por sinal,
recentemente, uma desnorteante pesquisa. Resultados estarrecedores. Trinta e
três por cento das pessoas consultadas, homens e mulheres, deixaram claramente
explicitado que as sórdidas agressões são geralmente provocadas pelas próprias
vítimas, por causa de “gestos e trajes indecentes, em desafio escancarado à
moral e bons costumes”, minha Nossa Senhora da Abadia da Água Suja!
Dia desses, na hora do lanche na
repartição, um grupo de funcionários trocava ideias sobre o desconforto trazido
ao cotidiano de todos nós por essa incidência de fatos ultra chocantes que vêm
pontilhando a vida moderna. Alguém no grupo bradou: - Parece até que o mundo tá
acabando! Foi quando a faxineira do lugar, até então arredia às discussões,
resolveu também emitir seu parecer: - Gente boa, o mundo já acabou, nós é que
não fomos ainda informados...
Gumercindo e Noé
Cesar Vanucci
“Os mais sagazes em matéria política conseguem ver
num ponto muito mais que uma simples letra!”
(Antônio
Luiz da Costa, educador)
Gumercindo chegou ao céu
trazendo no rosto os sinais de medo de suas derradeiras experiências terrenas.
Ao atravessar o túnel de luz dourada que, a se crer nos místicos e em pessoas
que alegam haver retornado do estado de coma, separa este nosso mundo de
infinitas provações do mundo das eternas bem-aventuranças, transportou na mala
todas as emoções absorvidas na tragédia da inundação que o levou a
“encantar-se”, como diria o sábio Guimarães Rosa.
Homem temente a Deus,
consagrado à família, ao trabalho e à religião, Gumercindo vira ruir, de hora
para outra, com a apavorante enchente do rio provocada por tromba d’água não
anunciada nas previsões da Maju, todas as referências importantes de sua vida
pacata e singela. Sentiu, ao desencarnar, um bocado de dificuldades em
desvencilhar-se das sofridas recordações: a caudal avassaladora engolindo
gente, casas, criações, plantações. Ribeirinho afeito às lidas da terra e da
água, jamais pusera os pés em cidade grande. Acompanhara, com o espanto dos
simples e ordeiros, a marcha trepidante da história pelo radinho de pilha.
Assistiu ao “fim do mundo” mal chegado aos 80. O choque foi de tal impacto que
São Pedro achou por bem encomendar para Gumercindo atenção toda especial dos
plantonistas do serviço celestial de psicologia.
Nos primeiros momentos
de morada celeste, ele fez questão de narrar, tintim por tintim, a quem se
dispusesse a ouvi-lo, fôlego de cantador de víspora, a história inteira da
descomunal tragédia que o arrancou da vidinha pacata naquele pedaço esquecido
do sertão. Encontrou compreensão da parte de quase todo mundo com quem se
relacionou. Ficou intrigado, entretanto, com a atitude de um residente antigo
do excelso lugar. Um cidadão de longas barbas brancas, que se lhe pareceu, o
tempo todo, embora cortês, indiferente aos números e dados aterrorizantes. Não
suportando o suposto descaso do outro, Gumercindo resolveu queixar-se: - “Cara
mais estranho, esse aí! Não se abala um tiquinho com a enchente que arrasou a
minha região. Quem ele pensa que é?” A resposta do psicólogo escalado por São
Pedro clareou tudo: - É o Noé, o da arca!
Conhecido meu,
experimentado analista, que circula há décadas pelos desvãos da política e que
ostenta no invejável currículo ativa participação em mil e uma campanhas
eleitorais, reconhecido ainda como traquejado articulador de conchavos,
dominando de cor e salteado eletrizantes experiências acontecidas no Brasil e
mesmo no exterior, deu uma de Noé, dia desses, com o neto. O rapaz, mal chegado
aos 30 anos, tomado de fascínio com o intrigante jogo político, sentiu-se de
repente bastante confuso com a atmosfera pesada reinante nessa área de
atividade. Enumerou um bocado de lances contundentes, incompreensíveis à uma
primeira vista d’olhos, frutos de tricas e futricas de bastidores, que vêm
pintando no pedaço e rendendo manchetes vistosas, de modo a confundir o
espírito da gente do povo. Resolveu transmitir suas preocupações ao avô. O
velho, escolado, experiente, ouviu tudo com suprema paciência, sem emitir
comentário que denotasse apreensão diante dos atordoantes fatos relatados.
Manteve no semblante passividade típica de bonzo recolhido a eremitério do
Himalaia. Desconcertado, meio sem graça, um tanto frustrado, o neto só viu cair
a ficha e manjou a postura do avô quando alguém deu-lhe a conhecer a historinha
do Gumercindo. Aprendeu, no exato momento, que o aparente desdém do avô face à
enxurrada de denúncias e armações soltas na praça, parte delas vinda à tona
pelo estridente noticiário, recheadas de picardia política, representa, na
verdade, recado na linha (diluviana) de Noé. É como se estivesse dizendo: -
Vosmecês ainda não viram nada. O que tá acontecendo é café pequeno para o que
vem vindo por aí...
Cunha e a
delação premiada
Cesar Vanucci
“Acho que algumas pessoas podem, sim,
ter medo de uma delação...”
(Deputado
Paulinho da Força, político bastante
chegado ao ex-deputado Eduardo Cunha)
Vamos lá. Não há um único vivente deste
território continental, noutros tempos chamado Pindorama – incluídos aí os
aborígenes das remanescentes tribos amazônicas a serem ainda contatadas pelos
sertanistas da Funai -, que ignore o potencial demolidor contido numa eventual
“delação premiada” do “malvado favorito” de tanta gente, hoje recolhido ao
cárcere de Curitiba. Comparativamente falando, um acordo de Eduardo Cosentino
da Cunha está para os pactos firmados com a Lava-Jato por Dulcídio Amaral e por
Sérgio Machado (ex-presidente da Transpetro), assim como os efeitos dos
disparos de mísseis de um caça de última geração estão para os estrondos e
estragos produzidos por meia dúzia de bananas de dinamite.
Bastante compreensíveis, por
conseguinte, a nervosa expectativa geral que se formou no seio da opinião
pública e o clima de inocultável apreensão detectado nos arraiais políticos
desde que anunciada a detenção do ex-presidente da Câmara dos Deputados. A
possibilidade de que ele possa, então, promover retaliações a desafetos e,
sobretudo, antigos aliados, em sua ótica considerados “infiéis” nestes seus
desditosos momentos, é considerada coisa perfeitamente factível.
Desde que afastado da Presidência do
Legislativo pelo Supremo Tribunal Federal, situação agravada com a cassação do
mandato em acachapante votação em plenário, Cunha vem alimentando o noticiário
com a perspectiva de bagunçar pra valer o coreto. Prometeu lançar livro com
explosivas revelações. Interpelado sobre quem poderiam vir a ser os personagens
centrais da narrativa, respondeu enigmaticamente: “Todo mundo!”
Em entrevista concedida, dias depois da
perda do mandato, alvejou “dileto companheiro” de frutíferas caminhadas
políticas ainda recentes. O responsável pelo sistema de Parceria dos Programas de
Investimentos do governo, Moreira Franco, apontado como um dos políticos de
maior influência no núcleo central do poder em Brasília, foi por ele acusado de
envolvimento em maracutaia que teria ocorrido no financiamento das obras do
Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Não deixou a acusação por menos: “Na hora
em que as investigações avançarem, vai ficar muito difícil a permanência dele,
Moreira, no Governo”.
Enquanto isso, partidários do
ex-parlamentar deixavam subentendido, em sibilinos registros, que os temores
circulantes nos redutos políticos acerca de denúncias envolvendo próceres
destacados de diferentes siglas, poderão, sim, se converter, de hora para
outra, em libelos acusatórios capazes de molestar a reputação de muita gente.
De um desses leais seguidores de Cunha ouviu-se, dias atrás, a seguinte frase:
“Acho que algumas pessoas podem, sim, ter medo de uma delação...” Para
analistas experimentados da cena política, a declaração mais do que externando
um ponto de vista pessoal de alguém ligado a Cunha, soa como ameaçador recado
do próprio a pessoas que, ainda recentemente emaranhadas em seus projetos e
maquinações políticas, optaram pelo “salve-se quem puder” na hora em que o
barco começou adernar.
Astuto, maquiavélico, estrategista,
desafiador, ousado, desconhecedor de limites éticos nas aprontações, Cunha
reúne condições de encrencar um mundão de cidadãos de diferentes legendas
partidárias. As informações privilegiadas que detém, como protagonista e
testemunha ocular de ilicitudes intensamente praticadas na vida pública
brasileira de largo espaço de tempo para cá, tornam-no um verdadeiro “arquivo
vivo”. Na avaliação de qualificados observadores, ele dificilmente deixará de
utilizar esses elementos, pacientemente estocados ao longo dos anos, na tentativa
de procurar aliviar a “barra pesada” que ora incide sobre sua vida e sobre sua
esposa, também ré numa das ações da “Lava-Jato”.
Uma outra circunstância confere especial
dramaticidade ao episódio que levou, após tantos meses de espera, Eduardo Cunha
à prisão preventiva. A impressão nutrida por muitos conhecedores da
hermenêutica jurídica é de que esse ato representaria prólogo de uma decisão destinada a alcançar
enorme repercussão na vida nacional: a detenção do ex-Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
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